O Haiti já não existe, este foi o título de primeira página de domingo (17/1) no jornal espanhol El País. Ruíram ou foram soterradas pelo sismo as precaríssimas instituições do Estado.
Não se sabe e nunca se saberá quantos haitianos morreram. Qualquer estatística será enganosa, as divergências entre o número de vítimas (de 40 mil a 120 mil) talvez seja o aspecto mais aterrador da situação: nenhuma autoridade, municipal ou estatal, é capaz de assumir responsabilidades, tomar decisões e determinar providências, exceto o comando brasileiro da missão da ONU que se encarrega da segurança e os americanos que coordenam a ajuda humanitária.
Uma catástrofe sem dados, sem termos de comparação, um apocalipse sem gráficos, infográficos, baseado em fotos dantescas e histórias individuais horripilantes, anônimas, mudas, sem lágrimas – quanto tempo conseguirá a mídia internacional manter aquilo que foi o Haiti nas manchetes e na "escalada" da mídia eletrônica?
E nossa solidariedade, quanto durará?
Nossa compulsão para driblar tragédias, principalmente as distantes, quando começará a se impor ao dever humanitário de compartilhar sofrimentos?
Volta à rotina
Estamos no verão, temporada de férias, prazeres, os anunciantes querem a cobertura dos desfiles de moda, a São Paulo Fashion Week está aí, almas machucadas pela dor resistem aos impulsos compristas e a mídia adora bolhas, vive delas. Logo, logo, voltaremos às abobrinhas e irrelevâncias, à fleuma e ao burocratismo.
A revista IstoÉ minimizou o Haiti na capa, no domingo o Estado de S.Paulo acabou com o caderno haitiano e passou a cobertura para as páginas internacionais. As tragédias em Angra dos Reis, Ilha Grande, São Luiz de Paraitinga e Porto Alegre aconteceram há 18 dias, e no último fim de semana já não haviam evaporado.
Enterrados os mortos, estabelecido algum tipo de rotina em Porto Príncipe, o que restou do país terá ainda menos interesse. A indústria da notícia – ou circo da notícia – não suporta continuidades.
(Por Alberto Dines, Observatório da Imprensa, 18/1/2010)