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energia nuclear no brasil política nuclear biocombustíveis
2010-01-18 | Tatianaf

Ambientalista que atraiu a inimizade de ONGs ao defender usina atômica diz que caso brasileiro requer solução distinta

A energia nuclear não é a melhor opção para gerar eletricidade limpa no Brasil, afirma o cientista britânico James Lovelock, ambientalista que comprou a inimizade de ONGs após começar a defender as usinas atômicas. Apontando-as como solução para o corte de gases do efeito estufa, Lovelock muda de opinião quando se trata de falar sobre o caso do Brasil, que tem feito um "bom trabalho" com as hidrelétricas.

Aos 90 anos, Lovelock mantém sua fama como criador da hipótese de Gaia, segundo a qual a Terra seria um organismo vivo capaz de se autorregular. Ele lança agora, em português, seu oitavo livro sobre o tema (leia crítica abaixo). Mesmo tendo comprado a inimizade do movimento verde, o discurso acessível do cientista levou a bandeira ambiental para muito além dos laboratórios. Desde a criação da hipótese de Gaia, há mais de 40 anos, surgiram vários filmes e livros inspirados no conceito.

O mais recente é o sucesso de bilheteria "Avatar". Na produção, Pandora, o planeta dos gigantes azuis Na'vi, também é capaz de regular seu equilíbrio. "Não vi o filme, mas estou curioso", disse. Na vida real, o cientista está muito próximo de chegar ao espaço. Contrariando a orientação de seu médico, ele se prepara agora para embarcar no primeiro voo da empresa de viagens espaciais Virgin Galactic. Em entrevista à Folha, Lovelock fala sobre as expectativas para sua aventura pessoal e para o futuro do planeta.

FOLHA - Em seus últimos livros, o senhor defende a energia nuclear como melhor alternativa para geração de energia limpa em países populosos. Isso se aplicaria ao Brasil?
JAMES LOVELOCK -
As usinas nucleares são a melhor opção de energia limpa em países populosos e com restrições de espaço, como é o caso, por exemplo, do Reino Unido e do Japão. Para determinar a maneira mais eficiente e mais responsável de gerar energia em um país é preciso olhar as condições particulares de cada região. E eu creio que esta não seja a melhor opção para o Brasil. Vocês têm feito um bom trabalho com a geração de energia hidrelétrica.

FOLHA - Alguns analistas dizem que a oferta de urânio, principal combustível das usinas nucleares, está se esgotando. Como contornar este problema?
LOVELOCK -
O urânio certamente não está se esgotando. Além disso, é um produto extremamente barato. Com um quilo de urânio é possível produzir a mesma energia que uma tonelada de carvão. É claro que, comparado com o carvão, há muito menos urânio no mundo. Mas a quantidade que nós precisamos também é muito menor. Infelizmente, a maior parte dos reatores nucleares em uso hoje, incluindo os dos EUA, aproveita muito pouco da potência energética do urânio, menos de 10%. O resto é colocado em depósitos. A França, que tem um dos melhores índices, usa cerca de 30%. Acredito que é possível aproveitarmos muito mais. A tecnologia está caminhando para isso.

FOLHA - A conferência do clima em Copenhague terminou sem uma meta global de corte nas emissões de gases do efeito estufa, desapontando a expectativa mundial. O senhor acredita que esse tipo de encontro entre as nações seja a melhor maneira para obter consenso quanto à redução das emissões?
LOVELOCK -
Eu acho que não. Copenhague se transformou em um palanque político. E numa reunião de industriais querendo uma vitrine para as chamadas tecnologias verdes. Havia muito dinheiro e muitos interesses envolvidos. Na minha opinião, os políticos envolvidos não estavam tão interessados no clima, e sim em uma maneira de escapar da recessão econômica.

FOLHA - O senhor critica a produção de biocombustíveis, como o etanol, por ocuparem terras que serviriam para a produção de alimentos. Os biocombustíveis brasileiros seriam uma ameaça?
LOVELOCK -
Vocês estão indo bem a com produção de etanol no Brasil. A extração de combustível da cana-de-açúcar não tem um grande impacto ambiental, como a do etanol vindo do milho. E isso é uma contribuição para o mundo todo, não apenas para o Brasil. Mas o país ainda pode fazer melhor, encontrando formas de lidar com o material não usado [resíduos]. Os índios fazem isso há séculos, enterrando boa parte das sobras e, assim, diminuindo o carbono na atmosfera.

FOLHA - O planeta Pandora, do filme Avatar, é claramente inspirado na teoria de Gaia, comportando- se como um organismo vivo. O que o senhor achou da interpretação do conceito feita pelo filme?
LOVELOCK -
Eu não vi o filme, mas estou curioso para assisti-lo. Eu gosto da ideia. Se eles querem fazer uma adaptação, por que não? Boa sorte para eles. Desde que o conceito de Gaia surgiu, ele tem sido usado de todos os jeitos possíveis. Eu não posso impedir ninguém de fazer isso.

FOLHA - O senhor está prestes a viajar ao espaço. Por que decidiu se aventurar no que é, por enquanto, um projeto experimental de Richard Branson, dono da Virgin Galactic?
LOVELOCK -
O conceito de Gaia surgiu há mais de 40 anos, quando eu ainda trabalhava para a Nasa. Eu me lembro das imagens do espaço feitas pelos astronautas. Eram incríveis. Nós vivemos em um planeta realmente bonito. Quando me ofereceram essa oportunidade para ir conferir tudo isso por conta própria, simplesmente não consegui resistir. Foi um gesto incrível de Richard Branson. Estou muito agradecido e, principalmente, animado.

(Folha Online, 16/01/2010)


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