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fórum social mundial
2010-01-15 | Tatianaf

“Outro mundo é necessário” para enfrentar a mudança climática, segundo Nicola Bullard, integrante do conselho internacional do Fórum Social Mundial, que realizará este mês em Porto Alegre um dos capítulos de 2010, ano em que o FSM completa 10 anos de criação nesta mesma cidade. O Fórum é um espaço de encontro para ativistas e organizações de base comprometidos com uma visão alternativa do mundo. “É muito importante termos este espaço de reunião para que todos possamos dar forma a uma visão que reflita nossas preocupações”, disse Bullard, da Focus on the Global South, um centro de pesquisas com sede em Bangcoc.

“Somos capazes de construir nosso próprio discurso, nossa forma de pensar, nossa legitimidade”, acrescentou esta cidadã australiana que integra o conselho internacional do FSM desde sua fundação em janeiro de 2001. “Definitivamente, é uma alternativa à elite, que constrói seus próprios espaços todo o tempo. O FSM continua sendo relevante hoje em dia”, afirmou. O movimento social evoluiu, assumindo novos problemas que surgem com o passar do tempo, como a preocupação pela mudança climática, que domina os debates sobre a justiça econômica.

Este ano, o FSM realizará uma série de encontros entre os dias 22 e 29 deste mês em Porto alegre e outras localidades do Rio Grande do Sul, em comemoração ao seu aniversário. Também haverá atividades nas mesmas datas em Salvador, Benin, Madri, Stuttgart e outras partes do mundo. “Outro mundo é necessário” para lidar com a atual crise ecológica, disse Bullard, formada pela Universidade de Melbourne e que trabalhou em comércio internacional, direitos humanos e assuntos da mulher na Austrália, Tailândia e Camboja.

A IPS entrevistou Bullard em seu escritório na capital da Tailândia.

O FSM deste mês no Brasil será um marco. O movimento tem muito que comemorar?
Nicola Bullard -
Absolutamente. Quando realizamos o primeiro FSM em 2001, ninguém imaginava que em 2010 haveria mais de 40 fóruns sociais diferentes planejados para seu décimo ano. Definitivamente, é um momento para celebrar e também refletir sobre o que alcançamos e não alcançamos, e para ver o que temos de fazer daqui em diante. É particularmente oportuno devido ao que ocorreu em Copenhague em dezembro durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15). Há um ressurgimento, um empuxe para a justiça econômica que surgiu durante as conversações. Existe uma energia nova, um desafio novo sobre o qual o FSM pode trabalhar.
 
Quais os êxitos do FSM na última década?
NB –
A ideia de que o FSM é na realidade um espaço nosso. Não é um espaço para o protesto nem criado em resposta a um evento oficial, como as reuniões da OMC (Organização Mundial do Comércio) ou do FMI (Fundo Monetário Internacional), onde nos reunimos de maneira paralela. É um espaço físico e político criado por e para nós, e a ordem do dia é nossa. É um processo de baixo para cima. Em segundo lugar, o FSM cresceu muito nesse período, através de muito pensamento crítico e de um processo bastante aberto. Há diferentes tipos de eventos, de pessoas que participam, de diversidade de temas, e a intenção muito forte de ter um processo participativo bastante horizontal e inclusivo.

Tentou-se medir esse sucesso. Há êxitos concretos vinculados ao FSM dos quais se possa orgulhar?
NB –
Esse é o debate sem fim que temos porque alguns argumentariam que o impacto do FSM deveria poder ser medido segundo as mudanças políticas reais na prática, e que o FSM deve ser mais estratégico, com objetivos claros. Porém, outros argumentariam que o FSM é um espaço aberto e que aí está sua força e particular beleza, onde sindicatos e pessoas de organizações políticas ou povos indígenas podem se reunir para compartilhar ideias e gerar pontos de vista e uma linguagem em comum. Mas houve um grande impulso na forma como o FSM se colocou contra as sessões do Fórum Econômico Mundial de Davos. Durante essas reuniões o FSM foi visto como um evento alternativo que acontecia no Sul e onde a ordem do dia era muito diferente da discutida em Davos. O fato de que mais dirigentes políticos queiram integrar o FSM demonstra que é um lugar importante para eles.

Falando de Davos, onde os chefes do comércio internacional se reúnem nessa cidade suíça para planejar a economia mundial, passemos para a crise financeira internacional. O FSM teve pouco a ver com o ocorrido, mas, há algo desta crise que pode beneficiá-lo?
NB –
Creio que se deve reconhecer o fato de os detratores do sistema financeiro mundial estarem tão à mão, porque acadêmicos, escritores e ativistas falaram por anos sobre estes temas. De repente, os meios de comunicação recorriam a eles. Nesse sentido, as análises e as críticas que surgiam do FSM repentinamente encontraram eco no âmbito político.

Outro tema no qual o FSM pretendeu deixar sua marca foi a oposição à guerra no Iraque iniciada pelo ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush. Definitivamente, vocês não conseguiram impedir a invasão norte-americana.
NB –
O FSM foi um mecanismo importante para que o dia de ação contra a guerra no Iraque, realizado em 15 de fevereiro de 2003, fosse um protesto tão forte. O FSM proporcionou uma espécie de legitimidade às ações internacionais contra a guerra. Foi importante para tirar legitimidade do conflito.

A preocupação internacional atual, como a senhora mencionou, é a mudança climática. Está previsto para a ordem do dia do FSM no Brasil este mês. Como será abordada?
NB –
O FSM sempre disse que “Outro mundo é possível”, o que nos diz a mudança climática é que “Outro mundo é necessário”. É evidente que a crise ecológica é um problema sistêmico. Quanto às alternativas, creio que até o momento muitos grupos do FSM se concentram na economia. Devemos ampliar isso para incluir o contexto ecológico e construir redes com os movimentos indígenas e outros setores com os quais não trabalhamos antes. Também creio que este será um desafio interessante para a esquerda tradicional, que tinha uma perspectiva relativamente materialista, ou de alguma maneira acreditava na ideia de que o desenvolvimento implica progresso. Mas a crise ecológica é um verdadeiro desafio a esse ponto de vista. Que sentido tem o desenvolvimento se o preço é a destruição absoluta do ecossistema?

O FSM é realmente mundial após 10 anos de criação? Tem muitos seguidores na Ásia?
NB –
Até o momento o FSM continua sendo um processo dominado por europeus e latino-americanos. Tivermos fóruns sociais muito bons na Ásia em lugares como Coreia do Sul, Índia, Paquistão e Tailândia. Mas, não creio que o FSM tenha criado raízes profundas na região. Mas essa é minha impressão. (IPS/Envolverde)

Por que?
NB –
Na América Latina existe uma unidade pela experiência em comum e os dois idiomas que unem setores amplos do continente. Na Ásia isso é difícil por seus numerosos idiomas, seu tamanho e sua diversidade.

(Por Marwaan Macan Markar, IPS, Envolverde, 14/01/2010)


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