Material especial converte gás de efeito estufa em substância com uso industrial
Química ainda não entende como mecanismo funciona; criar dispositivo para uso em grande escala ainda é um desafio, diz pesquisadora
Um novo dispositivo apresentado ontem por cientistas pode um dia se tornar uma máquina para salvar o planeta do aquecimento global: ele tira o CO2 do ar e o transforma em compostos de carbono que podem ser vendidos como matéria-prima à indústria. Os pesquisadores holandeses autores da invenção, porém, afirmam que ainda não é possível aplicá-la em grande escala.
O que os cientistas fizeram foi criar uma estrutura que ajuda o CO2 do ar a se transformar em uma substância chamada oxalato de lítio (veja quadro à dir.). O mecanismo usa um composto do tipo que os cientistas chamam de catalisador, que serve para estimular e acelerar reações químicas.
Conseguir que uma placa feita de um material complexo à base de cobre fizesse isso não foi fácil. Estruturas com cobre expostas ao ar geralmente reagem com o oxigênio (O2), não com o gás carbônico (CO2). Isso ocorre porque o oxigênio tem muito mais facilidade para participar de reações químicas. Ele é mais instável, se agrupa facilmente com outras moléculas. A estrutura criada pelos holandeses, entretanto, quebra a expectativa e reage com o CO2.
Nem os cientistas entenderam direito como conseguiram a façanha. "Por que isso aconteceu, nós não entendemos", disse à Folha Elisabeth Bouwman, da Universidade Leiden, na Holanda, que publicou, com sua equipe, a descoberta na revista "Science". Eles são especialistas em estruturas sintéticas úteis como catalisadoras em reações com carbono.
Eles ficaram especialmente animados por três motivos. Um deles é que a substância final em que o CO2 se transforma, o oxalato de lítio, é bastante estável. Isso significa que o carbono está bastante preso dentro dela -não vai voltar para a atmosfera tão cedo.
O segundo é que o oxalato de lítio pode servir como insumo na fabricação de produtos de limpeza doméstica ou de substâncias úteis para uso em componentes de refrigeradores.
O último é que o catalisador que criaram é "reciclável". Ou seja, ele pode ser utilizado de novo após oxalato de lítio ser removido dele. Isso torna o mecanismo mais viável.
O processo, porém, ainda está longe de sair dos laboratórios e ganhar escala. Dificilmente se tornaria viável rápido o suficiente para conter o aquecimento global nas próximas décadas. Segundo Bouwman, seu estudo "é só o começo".
Ainda assim, é um grande passo. Todos os mecanismos propostos até hoje para tirar CO2 da atmosfera e transformá-lo em outra substância gastavam uma quantidade proibitiva de energia. O mecanismo holandês, entretanto, é mais simples e, assim, tem um consumo elétrico pequeno.
Algumas substâncias usadas no processo, porém, ainda encareceriam um ganho em escala.
Uma delas é o lítio. Por isso, diz Bouwman, o próximo passo é fazer pequenas modificações nas estruturas usadas. O trabalho vai adiante em um constante processo de tentativa e erro. "Fazemos as modificações e observamos o que acontece: se o complexo fica mais reativo, se a reação vai mais rápido."
(Por Ricardo Mioto, Folha de S. Paulo, 15/01/2010)