Experiências mostram que plantas e animais microscópicos do oceano – a base da cadeia alimentar – sofrerão impactos pelo aquecimento global
Em junho de 2009 os oceanos atingiram 17 graus Celsius, a maior média desde o primeiro registro, no início do século 19. Uma nova experiência sugere que essas águas de temperaturas elevadas poderão causar grandes alterações na cadeia alimentar.
A ecologista marinha Mary O\'Connor, do Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica, da University of California, Santa Barbara, e seus colegas da University of North Carolina, Chapel Hill, armaram cinco “microcosmos”, contendo quatro litros de água do mar, com microorganismos do estuário Bogue Sound, da costa da Carolina do Norte. Na última primavera, durante oito dias, os cientistas expuseram os microcosmos a diferentes níveis de aquecimento e nutrientes, simulando o fluxo de uma tempestade em um estuário.
Teoricamente, o aumento de nutrientes e calor deveria estimular o crescimento de pequenas plantas flutuantes, conhecidas como fitoplâncton – fato evidenciado pelas zonas mortas sazonais que se formam na foz dos rios quando as plantas afloram, morrem e, ao se decomporem, sugam todo o oxigênio da água. Porém, os pesquisadores descobriram que ao aumentarem as temperaturas, embora estivessem inicialmente contribuindo para a proliferação do fitoplâncton, também permitiram um aumento do zooplâncton (animais microscópicos) e bactérias, de acordo com os resultados publicados na PLoS Biology.
“Na medida em que a temperatura sobe, o zooplâncton prolifera mais que o fitoplâncton”, explica O\'Connor. “Os zooplâncton são mais abundantes e capazes de comer todo o fitoplâncton em águas de temperaturas mais elevadas. Isso cria um entupimento na cadeia alimentar que poderá gerar profundos impactos para a teia marinha.”
Além de abrigar menos fitoplâncton para absorver dióxido de carbono, o oceano também poderá ter menos alimentos para os outros animais. Mas isso não significa que os zooplâncton vão se empanturrar até a morte. Outras pesquisas apontam que teias alimentares com mais animais (consumidores) do que plantas (produtores) são sustentáveis por, pelo menos, cinco anos. O zooplâncton, como o micro-crustáceo conhecido por krill, é alimento exclusivo de muitos peixes e baleias.
Aumentando a quantidade de zooplâncton, porém, significa que a massa total da vida marinha recua: esses animais minúsculos queimam, metabolicamente, 90% do fitoplâncton que consomem, aproveitando apenas 10%. Dito isso, O\'Connor relata que com um aumento de 6 graus Celsius da água, a biomassa total no microcosmo mais quente encolheu 50%.
No entanto, esse efeito só é válido em áreas ricas em nutrientes. Nos microcosmos experimentais onde os níveis de nitrogênio e fósforo dos nutrientes foram mantidos baixos, houve uma relativa abundância de plantas e animais. E outros fatores – acidez ou salinidade do oceano – também poderiam desempenhar papéis importantes. “O principal efeito da temperatura no zooplâncton e nos consumidores mais elevados na cadeia alimentar vai depender de outras condições do oceano que afetam a abundância de recursos disponíveis”, conclui O\'Connor.
Sendo assim, oceanos ricos em nutrientes, como o Ártico, começarão a sofrer dessa mudança na cadeia alimentar na medida em que suas águas continuarem a esquentar, consequentemente aumentando a quantidade de peixes presentes. “Nossas experiências e atual teoria sugerem que o aquecimento em áreas ricas em nutrientes deve aumentar a quantidade de peixes”, constata O\'Connor. “Acho que podemos descobrir como e onde as mudanças climáticas poderão aumentar e reduzir a produtividade de peixes.”
Mesmo no Ártico, há um limite de nutrientes, revela o ecologista de fitoplâncton Michael Behrenfeld, da Oregon State University. “É uma idéia muito interessante”, comenta O\'Connor. Mas um aumento na quantidade de peixes “pode ser infundado. Há outros fatores que precisam ser considerados”.
Por exemplo, a sua própria pesquisa de imagens por satélite dos fitoplâncton no Atlântico Norte revela que a floração começa no inverno, resultado de águas profundas e ricas em nutrientes que jorram até a superfície. O aquecimento marinho está diminuindo a quantidade de água que sobe e, portanto, a disponibilidade de nutrientes. “Há uma queda na proliferação”, afirma Behrenfeld. “Quão confiáveis são os quatro litros de microcosmos que simulam os sistemas naturais, principalmente durante longos períodos?”
De qualquer forma, ela permite vislumbrar como a cadeia alimentar marinha poderá ser alterada pelas mudanças climáticas. “Em todo o mundo, as águas oceânicas estão esquentando”, avisa O\'Connor. "Ao compreender os efeitos da temperatura nestas condições ideais, podemos começar a aplicar esse modelo aos sistemas naturais.”
(Por David Biello, Scientific American Brasil, 13/01/2010)