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soja impactos ambientais da agricultura
2010-01-12 | Julianaf

Os casos de pequenos agricultores que se veem forçados a abandonar as terras onde vivem e trabalham há décadas são cada vez mais numerosos. Giangranco Macri e outros grandes empresários são protagonistas das expulsões ocorridas por estes dias.

São histórias pessoais e coletivas que se repetem em diferentes pontos do país. Modus operandi reiterado que se multiplica com as declarações em primeira pessoa dos afetados e nos escritos judiciais: primeiro, os camponeses são enganados para assinar documentos que supostamente os beneficiariam; em seguida, chega a intimação para abandonar suas terras; depois a presença policial para concretizar o desalojamento e um sistema judicial que se converte “na ferramenta mais sofisticada do modelo do agronegócio”, como denunciou a Página/12 o advogado Ramiro Fresneda, integrante do Movimento Camponês de Córdoba. São histórias comuns que afetam camponeses e moradores originários de Salta, Formosa, Santiago del Estero, Córdoba, Santa Fe – a lista continua – que passam seus dias entre a criação de animais, a colheita de vegetais, grãos e a luta para não serem desalojados.

Enquanto isso, o campo visível, o da Mesa de Enlace, olha para o outro lado e defende seus interesses. Atrás do silêncio se amparam Gianfranco Macri, a empresa Madera Dura del Norte, o empresário Jorge Bellsolar Ferrer, os dirigentes Edgardo e Juan Carlos Scaramuzza (Federação Agrária) e Ricardo Buryaile (CRA), deputado eleito pelo radicalismo.

Na sequência, Página/12 apresenta algumas destas histórias que tornam visível o que muitos se empenham em ocultar.

Um irmão exemplar

No departamento de Rivadavia, na Província de Salta, o empresário Gianfranco Macri, irmão do chefe de Governo portenho, Mauricio Macri, quer desalojar várias famílias de agricultores. Há seis meses começou o julgamento que sentou no banco dos réus a família Garnica, que ocupa 170 hectares. Gianfranco Macri diz que comprou 15.000 hectares em 2006, dentro das quais moram estes camponeses.

“Os pequenos produtores pedem que lhes seja reconhecido o principal direito que têm, que é a posse dessas terras por terem vivido e trabalhado ali toda a sua vida há várias gerações. Desde que o processo começou, os povoadores não comem nem dormem tranquilos. Eles reclamam o direito de posse e, se depois tem que sentar para negociar quantos hectares corresponde a cada um, não têm problema. O que eles reclamam não é nem 10% do total que Gianfranco Macri diz ter”, asseverou a este jornal Rebecca Russo, advogada da Organização de Pequenos Produtores do Chaco Saltenho, entidade que conta com o apoio da Federação Agrária. De acordo com os camponeses da zona, o objetivo de Macri é a produção de soja e a criação intensiva de gado em feedlots.

Em outubro de 2007, o Fórum Provincial da Agricultura Familiar fez Juan Manuel Urtubey assinar uma ata em que o então deputado e agora governador se comprometia a desenvolver um Plano Estratégico para o Desenvolvimento Rural, que no primeiro ponto fixava a regularização da posse da terra aos povoadores rurais. Dois anos depois, o julgamento dos camponeses continua. Por outro lado, as comunidades indígenas (wichí) também continuam esperando a regularização de suas terras (Lei 26.160/06).

Em agosto passado, os wichí fizeram uma manifestação na Corte Suprema reclamando seus direitos. A Defensoria do Povo, por sua vez, fez uma visita à zona de Embarcación, onde vivem 25.000 pessoas, rodeadas por 10 comunidades indígenas, que estão na beira das estradas 34, 53 e 81, esperando, pacientes, uma resposta oficial.

Poder político e empresarial

“Em Formosa, há uma conivência entre os intendentes e os representantes da Mesa de Enlace. O intendente de General Belgrano, Amado Bobadilla (FpV) – que agora está afastado das entidades agropecuárias –, nunca interveio a favor dos camponeses. Não existe nenhuma experiência de intendentes, ao menos na zona, que tenham julgado a favor dos camponeses”, denunciou a este jornal Benigno López, dirigente do Movimento de Camponeses de Formosa (Mocafor).

Nesta província há dois casos emblemáticos. Um ocorre em General Belgrano, onde Ricardo Buryaile, dirigente patronal de CRA e empresário milionário – de acordo com seus próprios companheiros federados da Mesa de Enlace –, impulsionou o desalojamento de dez famílias de uma área de 38 hectares, onde vivem camponeses de entre 20 e 80 anos.

O outro caso emblemático ocorre no município de Ingeniero Juárez, departamento de Matacos, em um propriedade que se chama La Florencia, de aproximadamente 60.000 hectares, onde vivem mais de cem famílias de crioulos e indígenas. Os camponeses, que se dedicam à criação de gado, cabras, porcos, entre outros animais, são perseguidos pelo empresário Jorge Bellsolar Ferrer que, através de sua empresa Sociedad de Parques SRL, procura desalojar esses produtores para expandir a fronteira agrícola.

Benigno López denunciou em reiteradas oportunidades a conivência entre Ferrer, o intendente de Ingeniero Juárez, Cristino Vidal Mendoza, e a polícia local, sob o comando do oficial Pablo Sosa. “Ferrer expulsa os camponeses e vende as terras a preços internacionais. Há dois anos começou a reclamar formalmente os hectares de La Florencia. Antes disso se apresentava como alguém que queria ajudar os camponeses, os fazia assinar papéis com a desculpa de que conseguiria subsídios e assim foi se cobrindo com um manto legal, mas ilegítimo, para reclamar algo que não lhe pertence”, indicou López. Em Formosa, há 3 milhões de hectares em situação de conflito.

Modus operandi

De acordo com um relatório da Defensoria do Povo da Nação (2006), há anos os habitantes de Sol de Mayo, departamento de Alberdi (Santiago del Estero), resistem às pressões da empresa Madera Dura del Norte, companhia que alega possuir títulos sobre aproximadamente 156.000 hectares. Uma investigação da Defensoria descreve um modus operandi que se repete nos diferentes testemunhos recolhidos por este jornal. Segundo a denúncia dos vizinhos da zona, em várias oportunidades houve tentativas de desalojamento, com repressão policial, tiros de borracha, onde agiram tanto forças de segurança nacional como o Grupo Especial de Tática Operacional de Alto Risco, divisão especial da polícia da província de Santiago del Estero.

Dentro dos hectares tomados ilegalmente pela Madera Dura del Norte S.A. vivem mais de 1.500 famílias camponesas, há postos de saúde, destacamentos policiais e um cemitério. “Apesar das reiteradas denúncias, no Juzgado de Monte Quemado são recrutados policiais e supostamente gendarmes para custodiar parapoliciais e os tratores, da empresa Desmontes Londero, que já desmataram mais de 15.000 hectares. A reclamação de toda a população das regiões visitadas é que o sistema judiciário da província estaria agindo sistematicamente a favor dos empresários. A isso se acrescenta a grande dificuldade dos camponeses para ter acesso à Justiça”, conclui o referido relatório.

Federação Agrária e dois desalojamentos

Ramona Bustamante, de 83 anos, vive, desde que nasceu, em um campo situado no lugar chamado Las Maravillas, a vinte quilômetros da localidade de Sebastián Elcano, no norte de Córdoba. Por ser filha extra-matrimonial, suas meias-irmãs, depois da morte de seu pai, venderam a área de 230 hectares onde vivia. Isto foi em 1984. Depois da venda, o campo passou por várias mãos até cair na posse dos irmãos Edgardo e Juan Carlos Scaramuzza, que fizeram Ramona assinar um convênio de desocupação.

Ramona assinou sob a crença de que os reclamos judiciais terminariam. Mas não foi bem assim. Em 2003, foi desalojada, mas conseguiu voltar ao seu campo. A Justiça insistiu, e em 2004 voltaram a desalojá-la. Os irmãos Scaramuzza, que foram acusados de fraude, mas rapidamente descumpriram a ordem, são dirigentes da Federação Agrária de Oncativo. Segundo indicou a este jornal um dirigente da entidade, quando este fato se tornou conhecido, se recomendou a sua expulsão, mas não deu em nada.

A luta do granito vermelho

José Luis Godoy, de 43 anos, enfrentará na próxima segunda-feira [28 de dezembro de 2009] junto com sua irmã Alcira a sentença por um processo em que são acusados de usurpadores de uma área de 26 hectares, localizado dentro do campo onde sua família vive há mais de 60 anos. Um produtor e empresário local, de nome Víctor Manuel Gómez, reclama esses hectares, já que detém algumas pedreiras de Granito Vermelho Imperial, recurso natural de alto valor econômico.

“Faz mais de 60 anos que vivemos na comunidade Represa Morales, a 10 quilômetros de Villa de Soto (Córdoba). Não temos luz elétrica, tomamos água do próprio poço, assim como nossos avós faziam. Fomos à escola rural a três quadras de casa. Esta é a nossa vida, criamos cabras, porcos, ovelhas, é um campo que puxa o clima árido, de 400 hectares. Há muitos anos, um certo Víctor Manuel ‘Maluco’ Gómez chegou à zona dizendo que era dono das terras. O tipo dizia que meu pai havia assinado um papel cedendo os 26 hectares onde está o granito vermelho. O advogado de meu pai nesse momento era Aristóbulo Gutiérrez, depois resultou que se associou com Gómez para nos dar o calote. Os dois se juntaram para nos desalojar”, relata.

“Gómez também disse que meu pai lhe cedeu 200 hectares de campo. Em 2003, começou o processo por usurpação e o perdemos. Fomos a cassação em fevereiro de 2009. Agora parece que podemos ser presos. Este empresário é um capanga que vai ganhando o medo dos vizinhos matando animais e negando o acesso à água; ameaça as mulheres quando os homens trabalham nas montanhas. Tudo o que quer são as pedreiras”.

Há parâmetros gerais que se dão tanto em Santiago del Estero, Catamarca, Salta ou Córdoba, que é ver a terra como mercadoria ou como parte de um negócio para poucos, onde se fomenta a expulsão de camponeses. “O sistema judiciário é a ferramenta mais sofisticada do modelo do agronegócio. O Poder Judiciário, que deveria servir para equiparar a desigualdade natural, acaba favorecendo os mais poderosos. De um lado, ficam os defensores do agronegócio, com a soja na dianteira e a especulação imobiliária. Contrários aos seus interesses estão os agricultores familiares”, concluiu o advogado Ramiro Fresneda, integrante do Movimento Camponês de Córdoba.

(Por Sebastián Premici, Ecodebate / IHU Unisinos, 12/01/2010)


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