O que faltou em Copenhague, na COP-15, foi liderança. A opinião é do jornalista Roberto Smeraldi, na entrevista que concedeu à IHU On-Line, por e-mail. Para ele, “é um fiasco se alguém achava que o avanço de um acordo geral poderia vir de lá”. O grande avanço desse evento se deu “na comunicação, no envolvimento da opinião pública, no interesse das empresas que apareceram em massa, pela primeira vez, entendendo que isso é chave para seus negócios. Em suma, o avanço foi fora das salas da diplomacia”. Sobre a participação dos Estados Unidos nas discussões, Smeraldi acentua que esta reflete o impasse interno, pois o modelo americano está defasado e com “dificuldade para se adaptar à novidade”.
Refletindo sobre como é possível conciliar desenvolvimento sustentável e crescimento econômico, disparou: “Antes que de hiperconsumo, estamos numa sociedade de consumo burro, ineficiente e iníquo. É como a pessoa que come enlatados, gorduras trans, comida de saquinho. Ela se torna viciada e fica gorda, inchada, doente, não forte. Para tornar nossa economia forte, sarada, temos de consumir de forma inteligente, saudável”.
Roberto Smeraldi é jornalista e diretor da entidade Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. Também assessora instituições brasileiras e internacionais, como o Banco Mundial, agências das Nações Unidas e o Ministério do Meio Ambiente.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Em outra entrevista para o nosso site, em outubro, o senhor já dizia que Copenhague não daria certo. Quais foram os principais fracassos da COP-15?
Roberto Smeraldi - Confirmando o que falamos em outubro, já não havia mais condição para ter acordos em Copenhague. É claro que a opinião pública desejava isso, mas a diplomacia funciona de outra maneira. Não podemos ingenuamente achar que o avanço venha pela negociação diplomática, que precisa atender as exigências de quem não quer acordo algum. Imagine Venezuela, Líbia ou Arábia querendo um acordo. A negociação pode chegar a um acordo uma vez que pelo menos um dos três atores com massa crítica neste tema (EUA, China e Europa como conjunto) e algum entre os que seguem (Brasil, Índia, Japão e Rússia) já tenham decidido avançar por sua conta. Mas não antes.
Alguns especialistas classificam Copenhague como um fiasco. Em âmbito geral, diria que a Conferência não atingiu seus objetivos? Por quê?
Roberto Smeraldi - É um fiasco se alguém achava que o avanço de um acordo geral poderia vir de lá. Por outro lado, é verdade que a Conferência nem sequer atingiu seus objetivos, que não eram de um acordo geral, e sim de cunho mais modesto, por exemplo, a respeito de fundos para a adaptação, estabelecimento de um mecanismo para carbono florestal, etc., que de fato poderiam ter sido objetos de avanço mesmo na ausência de um acordo global vinculante para limitar a mudança climática a não mais de 2 graus médios ao longo deste século.
Houve algum tipo de avanço? Se sim, de que tipo?
Roberto Smeraldi - O avanço foi na comunicação, no envolvimento da opinião pública, no interesse das empresas que apareceram em massa, pela primeira vez, entendendo que isso é chave para seus negócios. Em suma, o avanço foi fora das salas da diplomacia.
O que faltou na COP-15?
Roberto Smeraldi - Liderança. Se alguém, entre aqueles 3+4, tivesse, por exemplo, anunciado a taxação do carbono, o acordo viria rapidamente. Ou se tivesse anunciado um pacote de incentivos maciços (algo na faixa dos trilhões) para a economia de baixo carbono. Aí os outros sairiam correndo atrás, por medo da vantagem competitiva que a economia destes líderes viria a assumir. E o acordo seguiria em poucas semanas. França e Japão estão indo nessa direção, mas não é suficiente.
E o que essa conferência representou para o Brasil?
Roberto Smeraldi - Em primeiro lugar, o momento em que alguns estados, seja da Amazônia, seja São Paulo, assumiram liderança independentemente do que acontecer no nível nacional e internacional. Isso é muito importante e sinaliza tendências irreversíveis. Não precisava da Conferência para isso, mas foi o momento em que eles apresentaram isso na vitrine internacional. Também representou um momento no qual nosso presidente se sentiu confortável em ter um discurso mais avançado, mesmo contrariando sua própria equipe. É um Lula que já pensa em sua biografia, em suma. Mas sua equipe ainda não o acompanha: prova disso é que logo em seguida a Casa Civil elaborou um absurdo veto à parte da lei de mudança climática que previa "paulatina" saída da economia dos fósseis.
Numa sociedade de hiperconsumo, como se pode conciliar desenvolvimento sustentável e crescimento econômico?
Roberto Smeraldi - Antes que de hiperconsumo, estamos numa sociedade de consumo burro, ineficiente e iníquo. É como a pessoa que come enlatados, gorduras trans, comida de saquinho. Ela se torna viciada e fica gorda, inchada, doente, não forte. Para tornar nossa economia forte, sarada, temos de consumir de forma inteligente, saudável. Neste quadro, desenvolvimento é um objetivo, já crescimento não. Crescimento pode ser um instrumento - mais ou menos necessário, nunca suficiente - para o desenvolvimento. Então não precisamos "conciliar". Precisamos saber usar o crescimento na medida em que ele contribuir ao desenvolvimento. O que interessa a uma mãe saber a respeito de seu filho? As notas que recebe na escola, quantos e quais livros ele lê, o desempenho dele nos esportes? Ou interessa saber quanto pesa?
Como avalia o envolvimento da sociedade civil e das organizações verdes nas discussões desse evento?
Roberto Smeraldi - Mesmo com certa ingenuidade e despreparo, avalio como o segmento mais bem sucedido do evento. Uma explosão de comunicação e interação com o grande público, com o envolvimento de grupos que até ontem estavam completamente fora da discussão. Sempre poderia ser melhor, mas foi muito positivo.
Qual é sua percepção sobre a participação dos EUA em Copenhague?
Roberto Smeraldi - Refletiu o impasse interno. O modelo americano está muito defasado, pesado, com dificuldade para se adaptar à novidade. E precisa fazer um dever de casa expressivo para poder competir na economia de baixo carbono. Por isso procura ganhar tempo para se adaptar. Mas entenderam que o caminho é aquele, é uma questão de prazos de adaptação (e lamentavelmente prazos fazem toda a diferença, neste âmbito).
Previsões apontam para um aumento de três graus na segunda metade deste século. Quais são as possibilidades de desastres climáticos nesse cenário pós-Copenhague?
Roberto Smeraldi - Para evitar os 3 graus teríamos de emitir, nos 90 anos restantes do século, não mais de 2 vezes e meia aquilo que já emitimos nesta primeira década. É possível, mas cada dia que passar o custo disso aumenta.
(IHU Unisinos, 11/01/2010)