O Brasil detém hoje mais de 100 milhões de hectares de terras indígenas em diferentes fases de reconhecimento. Isso equivale a 12,5% do território nacional. No entanto, o processo para definir uma área como de direito indígena não tem apresentado um histórico muito positivo no governo Lula. Nos último dois anos, nenhuma terra foi demarcada a favor dos povos originários.
Os processos de demarcação de uma terra indígena podem levar anos até chegar à homologação e, depois, ao registro na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Um exemplo é o caso da reserva Raposa Serra do Sol, que precisou de 30 anos para ser considerada patrimônio da União. O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Erwin Kräutler, falou sobre o assunto. Em entrevista, ele afirmou que os povos indígenas não têm espaço dentro da lógica atual dos grandes empreendimentos.
Radioagência NP: Quais são os principais projetos que impactam os povos indígenas?
Dom Erwin Kräutler: A maioria dos projetos elencados do PAC [Projeto de Aceleração do Crescimento] tem incidência sobre aldeias indígenas. O PAC segue o modelo desenvolvimentista com o qual nós não concordamos, modelo desenvolvimentista que quer aproveitar ou abrir todo o espaço para o capital. Aldeias indígenas naturalmente não prestam para esse tipo de coisa, são áreas reservadas aos povos para viverem segundo seus ritos e seus mitos. São suas terras ancestrais. Nós defendemos essas áreas e achamos que desenvolvimento que coloca a vida humana em segundo plano não é um desenvolvimento.
Nesse contexto, de que forma a construção das usinas hidrelétricas, como Belo Monte, no Rio Xingu, e as do Rio Madeira, afetam os indígenas?
DEK: Exatamente no caso do Xingu e Belo Monte, que eu conheço mais de perto, tem incidência sobre aldeias indígenas. Por exemplo, na grande volta do Rio Xingu, se o projeto for executado, restará uma seca. Então, aquelas áreas indígenas estão praticamente num rio que secou e isso claro que tem consequências drásticas para os povos indígenas, além dos ribeirinhos que moram ali. A mesma coisa no Rio Madeira, que eu não conheço tão de perto, mas também há incidências sobre áreas indígenas.
Poderia avaliar os sete anos do governo Lula do ponto de vista da política indigenista?
DEK: Em relação à política indigenista, infelizmente o governo Lula não fez grandes avanços, pelo contrário, acho que os povos indígenas constituem mais um entrave, um obstáculo, para a visão que esse governo tem de desenvolvimento. E, infelizmente, nos últimos dois anos, nenhuma área indígena foi registrada, não houve mais avanços em termos de demarcação de terras indígenas. A nossa Constituição de 1988 prevê a demarcação e homologação de todas as áreas indígenas no país no prazo de cinco anos. Esse prazo há muito tempo esgotou, em 1993, e até hoje grande parte dessas áreas não foi demarcada. Nós não estamos satisfeitos.
O povo Guarani-Kaiowá, Xavante e a Raposa Serra do Sol seguem com impasses de terras homologadas, onde os indígenas não podem ocupar. O senhor poderia falar um pouco sobre esta questão?
DEK: O caso dos Guarani-Kaiowá, talvez, seja a maior calamidade que nós atualmente temos no país. É inconcebível que um povo seja literalmente expulso e violentado em todos os sentidos, tirado de suas terras ancestrais. [Eles] sucumbem às investidas vergonhosas por parte dos grandes latifundiários e o agronegócio. Comparo com os anos 1960, quando o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) foi extinto exatamente por não cuidar dos povos indígenas como era previsto. Foi simplesmente extinto. No exterior se soube de grandes calamidades em torno dos povos indígenas e então o governo o extinguiu, substituiu o SPI pela Funai. E parece que hoje estamos diante de uma calamidade semelhante.
De São Paulo, para a Radioagência NP, Michelle Amaral.
(Radio Agência NP, 08/01/2010)