Por meio da relação de herbívoria ou dispersão de sementes, esses animais podem contribuir com a regeneração de áreas degradadas pela exploração petrolífera no Amazonas
Há muito que a regeneração dos rastros de degradação deixados, na Amazônia, pela abertura de frentes para a exploração econômica constitui-se num desafio para a ciência, que, costumeiramente, busca respostas analisando os impactos do desmatamento sobre a fauna da região. Pesquisa que analisa a presença dos mamíferos nas clareiras artificiais – áreas desmatadas pela ação humana, em meio à cobertura florestal, para exploração de petróleo e gás natural – da região do Rio Urucu, no Amazonas (AM), mostra que a solução para a degradação pode estar na ecologia da própria Floresta, com a ação da fauna.
A pesquisa garantiu o grau de mestre à jovem cientista Fernanda Santos, que, sob a orientação da mastozoóloga – especialista em mamíferos – Dra. Ana Cristina Mendes de Oliveira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), analisou os registros de mamíferos encontrados ao longo de quatro trilhas percorridas diariamente, nos períodos seco e chuvoso, ao longo de 2008. “Todo trabalho de ecologia deve contemplar amostragens nessas duas estações para que se possa definir padrões anuais”, afirma a professora.
Em percursos de até 12 quilômetros diários, Fernanda registrou avistamentos e pegadas, e coletou fezes e carcaças que atestaram a presença de primatas, roedores, porcos do mato e grandes predadoras na região do Rio Urucu. Armadilhas fotográficas instaladas dentro das clareiras, aliadas à estada por mais de um mês na área para verificar o comportamento dos mamíferos nas regiões desmatadas, somaram-se aos rastros encontrados por Fernanda. A pesquisa revelou ainda que “o grupo dos primatas é o mais diverso na área”, com 13 espécies registradas, mas a pesquisadora observou também a ocorrência de ariranhas, quatis, esquilos, antas e tamanduás.
A área estudada está situada no município de Coari, a 600 km de Manaus. A região abriga a Base Operacional “Biólogo Pedro de Moura” (BOGPM) ou Base Petrolífera de Urucu, mantida pela Petrobrás para prospecção e transporte de petróleo e gás natural.
“As clareiras abertas para prospecção de petróleo e gás natural são pequenas, de, no máximo, 3 hectares, e não causam grandes impactos à fauna de mamíferos”, afirma a especialista e orientadora do estudo que, em vez de analisar os impactos da abertura de clareiras sobre a mastofauna, se propôs a investigar a influência que os animais – mais especificamente, os mamíferos – podem exercer na recomposição daquelas áreas.
Intitulada “Estudo da Comunidade de Mamíferos de Médio e Grande Porte e o Potencial desta Fauna na Regeneração de Clareiras Artificiais”, a pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Zoologia, mantido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) em parceria com a UFPA, e seus resultados finais foram alcançados no final de março de 2009.
Um dia da caça, outro do caçador - As pesquisas de campo, empreendidas ao longo de 2008, possibilitaram, num primeiro momento, identificar as 40 espécies de mamíferos de médio e grande porte que vivem na região do Rio Urucu, como veado-vermelho, veado-fuboca, anta, cutia, onça e primatas, como o sagüi; descobrir quais desses animais visitam as clareiras artificiais ali existentes; e desvendar como eles contribuem para a regeneração dessas áreas desmatadas pela atividade petrolífera.
Do total de espécies inventariadas, apenas sete foram vistas dentro das clareiras. São elas: paca, cutia, tatu, veado, onças pintadas e onças. As demais, como os primatas, foram vistos no entorno dessas áreas devastadas. “Esta região é uma das que apresenta a maior riqueza de primatas da Amazônia e uma das maiores do planeta”, revela Ana Cristina.
Espécies diversas ajudam a restaurar a floresta O veado vermelho, a onça pintada e os primatas estão entre as 40 espécies de mamíferos de médio e grande porte que, nas clareiras artificiais da Base de exploração de gás de Urucu na Amazônia Ocidental, ajudam a recuperar o ambiente natural
Os primatas inventariados na sssssSregião de exploração de gás no Rio Urucu, Amazonas “são, em grande parte, dispersores de sementes”, pois têm potencial para levar esses embriões vegetais para dentro das clareiras, onde poderão se desenvolver e resultar em novas árvores e, conseqüentemente, frutos e mais sementes para a localidade desmatada, explica Ana Cristina.
A dispersão de sementes ocorre, por exemplo, quando o animal engole a semente e, quando da defecação, ela ainda está apta para germinar. A pesquisadora menciona, também, o exemplo da cutia - animal que tem o habito de enterrar a semente para guardar, procedimento que acaba favorecendo a dispersão e germinação das sementes. Assim como a anta, as cutias também foram bastante observadas nas clareiras do Urucu.
“As clareiras criam novas condições ambientais” – A pesquisa foi dividida em duas etapas: o inventário dos mamíferos de médio e grande porte na região e o monitoramento de como essa fauna se comporta nas chamadas clareiras artificiais. Fernanda Santos explica que a regeneração dessas áreas alteradas depende das taxas de germinação, crescimento e mortalidade das plantas e predação de sementes.
Como conclusão de sua pesquisa, Fernanda Santos afirma que “as clareiras criam novas condições ambientais”. Ana Cristina Oliveira, orientadora do trabalho esclarece que, quando ocorre a abertura de uma clareira, a derrubada de árvores possibilita uma maior penetração do sol na localidade, o que causa mudanças na umidade, na temperatura e no solo, que fica mais exposto e, consequentemente, mais compactado.
Para realizar o levantamento dos animais existentes tanto na região como um todo quanto dentro das 20 clareiras estudadas durante o ano passado, a jovem cientista Fernanda Santos lançou mão de armadilhas fotográficas, que ao longo de 25 dias registraram imagens do mamíferos que visitam as clareiras. Ao todo foram quatro as expedições realizadas em 2008, cada uma com duração de 12 dias.
O estudo integra a Rede CTPetro Amazônia, formada pela cooperação entre várias instituições de pesquisa da Amazônia, dentre elas, o Museu Emílio Goeldi e a UFPA, e coordenada pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). “A Rede CTPetro Amazônia não dispunha de uma linha de pesquisa voltada para os mamíferos até janeiro de 2008, quando, a convite da pesquisadora Ana Prudente, do Museu Goeldi, assumi o componente e chamei a Fernanda para auxiliar nas investigações de campo”, diz Ana Cristina Oliveira. A dissertação de mestrado de Fernanda Santos foi financiada pela Petrobrás, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
(Por Antonio Fausto, Agência Museu Goeldi / Envolverde, 07/01/2010)