A recente homologação de nove Terras Indígenas (TIs), feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi recebida de forma positiva por especialistas. Porém, os decretos assinados pelo presidente no dia 21 de dezembro não foram suficientes para afastar as críticas da lentidão no andamento dos processos de demarcação: nenhuma TI havia sido homologada, até então, durante o período de um ano e meio.
As Tis em questão ocupam, juntas, uma área superior a 5 milhões de hectares, em sua maioria na região amazônica - a TI Trombetas Mapuera (AM/PA/RR) é a maior delas, atingindo aproximadamente 4 milhões de hectares.
Para o secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzzato, a homologação representa um reconhecimento pelo Estado dos direitos dos povos tradicionais, o que inclui a questão territorial. "O governo faz aquilo que é de sua responsabilidade para que os povos indígenas consigam viver de acordo com seus usos, costumes e tradições, como manda a Constituição Federal."
Porém, de acordo com Buzzato, o Cimi acompanhou com preocupação o período, considerado por ele longo, sem que o governo realizasse uma homologação sequer. "Sempre há prejuízos quando há paralisação. Principalmente, nos casos que envolvem desocupação de terras por não indígenas", destaca o secretário-adjunto.
O antropólogo e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, também entende que Lula cumpriu seu papel ao assinar os decretos homologatórios. Mas, assim como Buzzato, mostra insatisfação em relação à demora das autoridades. "No primeiro governo do atual presidente foram realizadas 67 homologações, número que caiu para 23 no segundo mandato. Isso representa a falta de capacidade do grupo responsável pela questão indígena atualmente no País".
Gilmar Mendes em ação
Os efeitos de um dos decretos homologatórios assinados pelo presidente Lula foram rapidamente suspensos. No dia 24 de dezembro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, concedeu liminar em mandado de segurança impetrado pelos proprietários de uma fazenda que tem 184 hectares de sua área inclusos nos 7.175 hectares da TI Arroio Korá, em Paranhos (MS).
Em sua fundamentação, Mendes delimitou a suspensão dos efeitos da homologação à área da propriedade rural da fazenda. Entre outros argumentos, o ministro citou documentos apresentados pelos fazendeiros que atestam que o registro do imóvel é de 1924, e, portanto, anterior ao marco fixado pelo STF, na decisão do início de 2009 referente à TI Raposa Serra do Sol (RR), para reconhecimento de direitos indígenas sobre terras ocupadas.
Segundo Buzzato, o Cimi acredita que a decisão deve ser reformada pelo plenário do STF, pois trata de terra de ocupação tradicional pelos índios. "Neste caso o direito indígena deverá ser preservado." Buzzato também adverte que a liminar cria um clima de instabilidade jurídica que dá força a setores reacionários. "Eventos violentos têm ocorrido no Mato Grosso do Sul, entre eles expulsão de índios, pelos chamados seguranças de fazendeiros, de áreas em que a própria justiça os autoriza a ocupar até o julgamento de mérito das ações."
Segurança pós-homologação
Outra questão destacada pelo secretário-adjunto do Cimi é a importância de as autoridades públicas garantirem a proteção das Tis homologadas, para que sejam evitadas invasões. "Nós sabemos que, em muitas regiões do Brasil, as Terras Indígenas se constituem nos únicos espaços ainda preservados ambientalmente, e estão sofrendo grandes pressões de fazendeiros, madeireiros, grileiros e agentes de outras atividades econômicas".
Neste contexto, Gomes traz à tona outro decreto assinado pelo presidente Lula no fim de 2009 (nº 7.059), o de reestruturação da Funai. Em sua visão, o dispositivo que prevê a extinção de todos os postos indígenas do Brasil representa a perda de uma ferramenta valiosa, por parte das autoridades públicas, para que seja garantida a segurança das Tis.
"A autoridade do Estado está representada no posto indígena", afirma o ex-presidente da Funai. "Existem áreas com 2 milhões de hectares que têm um posto indígena. Mesmo com poucos funcionários, é uma representação da Funai. Eles representam uma barreira pra quem pretende violar os limites da terra. Depois da homologação das Tis, o decreto recém-assinado pelo presidente Lula que acaba com os postos indígenas não é apenas contraditório, mas irracional", conclui Gomes.
Veja a lista das Tis homologadas:
TI Trombetas Mapuera (AM/PA/RR) - 3.970.898 hectares
TI Balaio (AM) - 257.281 hectares
TI Lago do Correio (AM) - 13.209 hectares
TI São Domingos do Jacapari e Estação (AM) - 134.781 hectares
TI Prosperidade (AM) - 5.572 hectares
TI Las Casas (PA) - 21.344 hectares
TI Zo'é (PA) - 668.565 hectares
TI Anaro (RR) - 30.473 hectares
TI Arroio-korá (MS)* - 7.175 hectares
* Decreto homologatório com efeitos suspensos em razão de liminar do STF
(Por Thiago Peres, Amazonia.org.br, 07/01/2010)