Existem ditados que são sempre atuais. Quem não se lembra de ouvir dos mais velhos a frase “é melhor prevenir do que remediar”? O conselho pode ser aplicado ao nosso dia a dia e, até, para reduzir os efeitos das catástrofes. Os políticos, porém, parecem não acreditar no provérbio.
Entra ano, sai ano e os desastres se repetem. Trata-se de tragédias anunciadas. Com a chegada do verão, as chuvas aumentam, acarretando enchentes, quedas de barreiras, estradas interrompidas e desabamentos de encostas e pontes, expondo um problema crônico e grave cenário de improviso.
Os fatos, historicamente, são considerados fatalidades pelas autoridades, como se nenhuma culpa lhes coubesse. Na maioria dos casos, no entanto, a natureza anda de mãos dadas com a falta de planejamento e a debilidade do Estado, nos níveis municipal, estadual e federal.
Só o Orçamento da União, por exemplo, possui dois programas relacionados ao tema: Prevenção e preparação para desastres e Resposta aos desastres e reconstrução. Como os nomes sugerem, o primeiro refere-se às ações preventivas, enquanto o segundo, aos fatos consumados. O gasto maior é quase sempre com a tranca depois do arrombamento. Em 2009, o governo aplicou somente R$ 138,2 milhões com a prevenção e cerca de 10 vezes mais — R$ 1,4 bilhão — com a reconstrução dos locais afetados e com o socorro às pessoas atingidas.
Em relação ao programa de prevenção, o valor autorizado para o ano passado atingiu a cifra de R$ 646,6 milhões e apenas 21% foram efetivamente pagos. Previa-se mais de R$ 1 milhão para a construção do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), que não saiu do papel. Verbas para o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa Civil, inclusive para a capacitação de agentes e comunidades, foram gastas pela metade. Dos R$ 632,2 milhões previstos para “apoio a obras preventivas de desastres”, somente R$ 99,3 milhões foram aplicados.
Evidentemente, não se pode culpar apenas o governo federal pelas tragédias. Ao contrário, cabe ao poder municipal impedir as ocupações desordenadas e as construções em encostas, várzeas e margens de rios. Compete à União e aos estados auxiliarem as cidades com recursos técnicos e financeiros, assessorando-as sobre os impactos das mudanças climáticas e o mapeamento das áreas de risco.
É pouco provável que a Prefeitura de Angra dos Reis, por exemplo, possua entre os seus funcionários diversos geólogos e verbas para a contenção de encostas, drenagem superficial e subterrânea, cortinas atirantadas, muros de espera e de gravidade, entre outras obras necessárias e onerosas para minimizar o perigo na região. Assim, se não houver plena integração entre União, estados e municípios, a história tende a se repetir.
Além disso, o problema não será resolvido com a simples solidariedade das autoridades. Não basta os governadores Sérgio Cabral, José Serra e Luiz Henrique, secretários, prefeitos e até o presidente Lula sobrevoarem as áreas degradadas, visitarem as famílias desalojadas, declararem estado de emergência e prometerem recursos. É indispensável que o Estado intervenha de forma pró-ativa, tanto realizando as obras imprescindíveis, como enfrentando o desgaste político de remover famílias das áreas de risco.
Aliás, na base do problema está a questão habitacional. Por muitos anos, o financiamento da casa própria atendeu somente às classes mais favorecidas. Em função da inflação e dos juros elevados, a correção das prestações superava os reajustes salariais, inibindo a busca por financiamentos. Dessa forma, surgiram as ocupações precárias e as invasões, sob a vista grossa das autoridades públicas. É bem-vindo, portanto, o programa federal Minha Casa, Minha Vida, que está cadastrando os interessados e oferecendo subsídios às famílias de baixa renda para a aquisição de imóveis próprios. Afinal, morar de forma segura é um direito essencial. A carência de moradias a preços viáveis para cerca de 8 milhões de famílias brasileiras tem sido responsável, em grande parte, pelos desastres ambientais urbanos.
Enfim, não podemos nos conformar com a perda de tantas vidas a cada verão. É claro que não temos o poder de impedir a ocorrência dos fenômenos naturais. Mas, certamente, temos como reduzir os seus efeitos. Para começar, é preciso que o orçamento previsto seja executado e que todos acreditem que é melhor prevenir do que remediar, principalmente os políticos.
(Por Gil Castello Branco, Correio Braziliense, EcoDebate, 07/01/2010)