Uma reunião no Centro de Operação da Fibria, ex-Aracruz Celulose, reuniu quilombolas do norte do Estado e representantes da empresa após o tenso conflito entre as partes que resultou em agressão e prisão dos negros, para propor um projeto de agricultora às comunidades. Entretanto, ao afirmarem que a terra não está saudável para o plantio, os negros ouviram apenas que: “no nordeste não tem eucalipto e a terra também é seca”.
A afirmação caiu como uma bomba sobre os negros, que recusaram a proposta da empresa. Segundo eles, o projeto não foi apresentado e o que se viu no centro de operação da transnacional foi mais um ato de desrespeito aos negros.
Eles afirmam que foram subestimados e que não só entendem de terra como são os primeiros a querer recuperar a região. Ao tentar argumentar com os técnicos da Fibria, eles chegaram a afirmar que em plantios de cana, que também é uma monocultura, ainda há córregos e que o que se vê ali é o resultado do intensivo e irresponsável uso de agrotóxico na região.
Os quilombolas reclamam que diversos projetos já foram propostos pela ex-Aracruz Celulose como forma de seduzir os negros, mas estes nunca são cumpridos na íntegra. O primeiro deles foi o acordo que permitia que os negros catasse os restos de eucaliptos após o corte. Com os fachos de eucalipto, eles produziam carvão para vender na região. Este acordo foi quebrado uma dezena de vezes, quando a empresa não só negou os fachos aos negros como mandou prendê-los, acusando-os de roubo.
No passado a empresa também apresentou um projeto para o plantio de pimenta, que, além de não render por causa da péssima condição da terra, o que dava não tinha demanda de venda. Ou seja, o projeto foi proposto, mas nenhum apoio técnico foi dado pela empresa que deve isso aos negros, já que foi ocupando suas terras que ela expandiu seus plantios de eucalipto no Estado.
Segundo os negros, o projeto não tinha consistência e sequer foi discutido na íntegra com eles.
A ação policial movida contra os negros no final de 2009 também foi ponto de destaque na reunião. Os quilombolas cobraram da Fibria os motivos da violência utilizada contra a comunidade, assim como as acusações de roubo e porte de arma, que até hoje não foram comprovadas pela Justiça. Já a empresa afirmou que nada tinha a ver com a ação.
Entretanto, foi com o apoio de seguranças da Fibria, a Garra, que, fortemente armados e conduzindo cães, os policiais militares invadiram a área quilombola do norte do Estado, acusando-os de roubo de eucalipto e portando 28 mandados de prisão e apreensão de máquinas e veículos de propriedade da comunidade. A operação foi autorizada pelo juiz Marcos Antônio Barbosa Souza, de Conceição da Barra. Trinta quilombolas foram presos e ficaram sem contatos com o mundo exterior.
Participação da Fibria
Consta que os presos foram apontados aos policiais pelos milicianos da Garra. “Eles chegaram pela manhã em dois ônibus e muitas viaturas. Até a cavalaria veio junto, e havia cachorros também. Tem mais polícia aqui do que vemos lá nos morros do Rio de Janeiro. Levaram menores de idade e a filha de um de nós levou um tapa na cara de um dos policiais”, denunciou um dos quilombolas que assistiu à ação no norte do Estado e teme ser identificado.
Segundo os quilombolas, na ocasião nada foi informado pela polícia que participou da ação.
O conflito entre a Fibria e os quilombolas é antigo. Trata-se da disputa de terras entre a ex-Aracruz Celulose, responsável pela ocupação de mais de 50 mil hectares de terras quilombolas, e a luta dos negros para terem de volta suas terras. Desde a ocupação de suas terras pela empresa e por posseiros na região, este povo vive ilhado e sem condições de subsistência.
O embate entre as partes é, inclusive, reconhecido internacionalmente pelo uso de truculência por parte da empresa, que se utiliza de sua segurança armada para intimidar os negros. Entre os presos nessa operação de novembro de 2009 está Berto Florentido, integrante do grupo Ticumbi de Conceição da Barra e líder quilombola da colheita de sobras de eucalipto utilizadas para a produção de carvão que sustenta as comunidades da região, desde a ocupação de suas terras pela própria Fibria.
Berto já foi vítima de diversas ameaças, inclusive denunciadas pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos. Segundo o Conselho, ele estaria marcado para morrer pela ex-Aracruz Celulose, em conluio com a polícia.
Ao todo, 38 comunidades quilombolas vivem na região do Sapê do Norte, entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Destas, apenas oito têm processos em andamento para que as terras sejam reconhecidas e tituladas como terras tradicionais. O quadro na região é de miséria e desrespeito para com os negros que vivem ilhados entre eucaliptos, com os rios do entorno poluídos por agrotóxicos e à mercê das secas devido à degradação ambiental gerada pela monocultura na região.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 06/01/2010)