A fúria climática, que havia dado uma trégua aos gaúchos e se afastado para o sudeste do país, voltou ao Estado com força colossal. A consequência mais trágica da chuva recaiu sobre Agudo, na Região Central, onde uma ponte ruiu e lançou às águas revoltas do Rio Jacuí quase duas dezenas de pessoas e pelo menos dois carros. Até o final da tarde de ontem, pelo menos oito vítimas da queda haviam sido resgatadas com vida, e cinco eram consideradas oficialmente desaparecidas pela Defesa Civil – mas o número pode ser maior. As enxurradas em 36 municípios deixaram quatro mortes, inundaram rodovias e tiraram de casa mais de mil pessoas.
A ponte da estrada Montenegro-Santa Maria (RSC-287), com 314 metros de comprimento e 46 anos de uso, se desfez pouco depois das 8h30min. Naquele momento, a enchente havia feito o rio transbordar e se transformar em uma feroz corrente de água, rugindo em meio às bases de concreto que sustentavam a travessia e um número incerto de pessoas. Algumas eram simples curiosos, agricultores locais testemunhando o efeito das mais de 30 horas de chuva sobre o Jacuí. Outros eram funcionários públicos em serviço, verificando os estragos no local.
Entre os moradores que contemplavam o temeroso espetáculo natural estavam o agricultor Omar Wilhelm, 49 anos, e sua mulher, Ilone, 47 anos. Logo depois de Ilone se afastar do meio da ponte, Wilhelm ouviu um ruído que lhe chamou a atenção. Pareceu-lhe o som de alguma coisa “trincando”. Sob o olhar horrorizado da mulher, sentiu a seguir o asfalto se esfacelar a seus pés. Foi como se o rio tivesse abocanhado com uma dentada 132 metros da ponte. O agricultor, com de duas dezenas de pessoas e pelo menos dois veículos despencarou mais de cinco metros até o rio furioso que já havia subido muito.
– Levantou muita água, e eu fui pro fundo. Numa dessas, vi uma luz e tentei me agarrar em alguma coisa. Encontrei um galho e fiquei agarrado até o resgate chegar – recorda Wilhelm.
Governadora sobrevoou a área
Pelo menos outras sete pessoas, conforme a Defesa Civil do Estado, se agarraram a galhos ou nadaram até a salvação. Um número desconhecido de pessoas foi arrastado e desapareceu na água lodosa – entre elas, o vice-prefeito de Agudo, Hilberto Boeck. Como funcionários da prefeitura de Agudo estavam no local, o socorro foi imediato. Eles pediram a ajuda de pescadores.
O comandante-geral da BM, coronel João Carlos Trindade, levou menos de 20 minutos para se deslocar de Candelária, onde se encontrava com um helicóptero, e emprestar o aparelho para buscas. Antes do final da manhã, quatro helicópteros – dois da BM e dois da Força Aérea Brasileira (FAB) – percorriam a região. Mais de 60 policiais militares e bombeiros realizaram buscas por 10 horas, até anoitecer, sem que alguém fosse localizado.
A Base Aérea de Santa Maria chegou a informar sete mortes, com base no depoimento de pilotos. A informação foi divulgada por rádios e sites de notícias, mas o dado acabou não sendo confirmado. A governadora Yeda Crusius também foi de helicóptero a Agudo para verificar os estragos. Ela se diz impressionada com a quantidade de água vista do alto.
– Tudo virou um grande lago. Isso mostra que é preciso desassorear, refazer a mata ciliar. Em muitos lugares, vi que até a margem do rio tem plantação. Não pode ter – resume Yeda, que prometeu esforço para reconstruir a ponte.
A queda da ponte no coração do Estado foi o ápice de uma série de danos provocados pelas chuvaradas que castigam o Rio Grande do Sul desde domingo. A destruição afetava pelo menos 36 municípios até a noite de ontem. Conforme a Defesa Civil, 1,1 mil moradores tiveram de deixar suas casas, entre segunda-feira e ontem, devido ao mau tempo que voltou a apavorar os gaúchos.
Quem desapareceu
Até ontem, pelo menos cinco pessoas permaneciam desaparecidas.
- Hilberto Boeck, 55 anos, vice-prefeito reeleito de Agudo, integra a equipe de Defesa Civil do município. Na hora da queda, fazia um levantamento sobre o nível do Jacuí. É casado e tem dois filhos. Durante as buscas, ontem, testemunhas afirmaram ter visto o vice-prefeito, mas até o início da noite de ontem ele não havia sido resgatado.
- Denizi Marioni Dumke, 31 anos, a agricultora estava na ponte com os pais, Lori e Ildo Dumke, e o noivo, Nelo dos Santos.
- Lori Ella N. Dumke, 56 anos, mãe de Denizi e casada com Ildo Ilvo Dumke, que foi resgatado ontem das águas do Jacuí.
- Nelo Jair dos Santos, 29 anos, morador de Paraíso do Sul, trabalha como plantador de fumo. Reside com os pais.
- Renato Camargo, 32 anos, solteiro, mora em Restinga Seca e trabalha em um engenho de arroz. Tem uma filha de 16 anos.
(Por Carlos Etchichury e Humberto Trezzi, ZEro Hora, 06/01/2010)