Sensibilidade ao ambiente inclui sinais químicos de pedido de socorro. 'Elas reagem a dicas táteis e escutam sinais químicos', diz pesquisadora
Parei de comer carne de porco há cerca de oito anos. Alguns anos depois, parei de comer qualquer carne de mamíferos. No entanto, ainda como peixe e aves, e derramo gemada em meu café. Minhas decisões alimentares são arbitrárias e inconsistentes.
Quando amigos me perguntam por que estou disposta a abandonar o pato, mas não o carneiro, não tenho uma boa resposta. Escolhas alimentares são muitas vezes assim: difíceis de articular, mas vigorosamente mantidas. Ultimamente, discussões sobre escolhas de alimentos têm reluzido com especial veemência.
Em seu novo livro, "Eating Animals," o romancista Jonathan Safran Foer descreve sua transformação gradual de onívoro, um distraído preguiçoso que "passeava entre um número de dietas", para um "vegetariano comprometido".
No mês passado, Gary Steiner, filósofo da Universidade Bucknell, argumentou no "New York Times" que as pessoas deveriam lutar para serem "vegetarianos rigorosamente éticos" como ele próprio, evitando qualquer produto derivado de animais, incluindo lã e seda. Matar animais por comidas e roupas humanas é nada menos que um "absoluto assassinato", disse ele.
Porém, antes de cedermos toda a cobertura moral a "vegetarianos comprometidos" e "vegetarianos de forte ética", podemos considerar que as plantas não aspiram ser cozidas numa panela mais do que um porco quer virar comida de Natal. Isto não pretende ser um argumento banal ou uma piadinha. As plantas são seres vivos e planejam continuar dessa forma.
Sensibilidade aguçada
Quanto mais os cientistas aprendem sobre a complexidade das plantas – sua aguçada sensibilidade ao ambiente, a velocidade com que reagem a mudanças no ambiente e o extraordinário número de truques que elas empregam para combater atacantes e solicitar ajuda de longe –, mais impressionados eles ficam.
Quando biólogos de plantas falam de seus assuntos, usam verbos ativos e imagens vívidas. As plantas "buscam" recursos como luz e nutrientes do solo, e "preveem" momentos ruins e oportunidades.
Ao analisar a proporção de luz vermelha e luz vermelha distante caindo em suas folhas, por exemplo, elas podem pressentir a presença de outros concorrentes clorofilados por perto, e tentar crescer para outro lado. Suas raízes percorrem a "rizosfera" subterrânea e empregam trocas interculturais e microbiais.
"As plantas não são estáticas ou tolas", disse Monika Hilker, do Instituto de Biologia da Universidade Livre de Berlim. "Elas reagem a dicas táteis, reconhecem diferentes comprimentos de onda de luz, escutam sinais químicos, elas podem até mesmo falar" através de sinais químicos. Tato, visão, audição, fala. "Essas são modalidades sensoriais e habilidades que normalmente ligamos apenas a animais", disse Hilker.
Plantas não podem correr de uma ameaça, mas podem defender seu território. "Elas são muito boas em evitar serem comidas", disse Linda Walling, da Universidade da Califórnia, em Riverside. "Insetos conseguirem sobrepujar essas defesas é uma situação incomum".
À menor mordiscada em suas folhas, células especializadas na superfície da planta liberam elementos químicos para irritar o predador, ou uma substância pegajosa para prendê-lo. Genes no DNA da planta são ativados para travar guerras químicas em todo o sistema, a versão da planta para uma reação imunológica. Nós precisamos de terpenos, alcaloides, fenólicos – vamos nos mexer.
"Estou surpreso com a rapidez com que essas coisas acontecem", disse Consuelo de Moraes, da Universidade Estadual da Pensilvânia. De Moraes e seus colegas realizaram experimentos para cronometrar a reação de uma planta e descobriu que, em menos de 20 minutos do momento em que a lagarta começou a se alimentar de suas folhas, a planta havia puxado carbono do ar e construído barreiras defensivas do zero.
Só porque nós, humanos, não as ouvimos, não significa que as plantas não uivem. Algumas das barreiras que as plantas geram em resposta à mastigação de insetos são elementos químicos voláteis que servem como pedidos de socorro.
Socorro
Tais alarmes aerotransportados provaram atrair grandes insetos predatórios como libélulas, que se deleitam com carne de lagartas, além de pequenos insetos parasitas, que podem infectar uma lagarta e destruí-la de dentro para fora.
Os inimigos dos inimigos das plantas não são os únicos sintonizados na transmissão de emergência. "Algumas dessas dicas, alguns desses elementos voláteis que são liberados quando uma planta focal é danificada", disse Richard Karban, da Universidade da Califórnia, em Davis, "fazem com que outras plantas da mesma espécie, ou mesmo de outras espécies, também se tornem mais resistentes a herbívoros".
Hilker e seus colegas, assim como outras equipes de pesquisadores, descobriram que certas plantas sentem quando ovos de insetos foram depositados em suas folhas, e agirão imediatamente para se livrar da ameaça incubada. Elas podem desenvolver tapetes de neoplasmas parecidos com tumores para derrubar os ovos, ou secretar inseticida para matá-los.
Em artigo no "The Proceedings of the National Academy of Sciences", Hilker e seus colegas determinaram que quando uma borboleta fêmea põe seus ovos sobre uma couve de Bruxelas e prende seus tesouros às folhas com pequenas gotas de cola, o vegetal detecta a presença de um simples aditivo da cola, cianureto de benzil.
Avisada pelo aditivo, a planta rapidamente altera a química da superfície de sua folha para chamar vespas parasitas fêmeas. Ao ver o prêmio ancorado, a vespa fêmea injeta seus próprios ovos dentro, as vespas em gestação se alimentam das borboletas em gestação, e o problema da planta está resolvido.
O cianureto de benzil foi doada à borboleta fêmea pelo macho, durante o acasalamento. "É um feromônio anti-afrodisíaco, para que a fêmea não acasale novamente", explicou Hilker. "O macho está tentando assegurar sua paternidade, mas acaba pondo em risco sua própria descendência".
As plantas espiam umas às outras de forma benigna e maligna. Conforme descreveram em "Science" e outros jornais, De Moraes e seus colegas descobriram que mudas de cuscuta, uma erva daninha parasítica parente das flores chamadas de "morning glory", podem detectar químicos voláteis liberados por plantas hospedeiras em potencial, como o tomate.
A jovem cuscuta, então, cresce inexoravelmente na direção do hospedeiro, até conseguir circundar o caule da vítima e começar a sugar sua seiva. A parasita pode até distinguir perfumes de pés de tomate mais saudáveis ou fracos, e se dirigir ao mais conveniente.
"Mesmo se você já tem um conhecimento considerável sobre as plantas", disse De Moraes, "ainda é surpreendente ver como elas podem ser sofisticadas". É uma pequena tragédia diária que nós, animais, precisemos matar para continuar vivos. As plantas são os autotrófitos éticos aqui, aqueles que retiram suas refeições do sol. Não espere que elas se vangloriem: elas estão ocupadas demais lutando pela sobrevivência.
(G1, 04/01/2010)