Ministro de Minas e Energia diz que atraso em liberação de usinas hidrelétricas fará consumidor pagar mais caro por energia de geração térmica, mais poluente
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá enviar ao Congresso em 2010 um projeto de lei que prevê a criação de benefícios fiscais para a implantação de usinas siderúrgicas no país. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, disse à Folha que o objetivo da medida é reduzir a exportação de minério de ferro bruto, uma bandeira de Lula e um dos motivos das desavenças entre o presidente e o comando da mineradora Vale do Rio Doce no ano passado.
Na entrevista, Lobão também afirma que o Brasil não pode ficar "refém dos humores" do Meio Ambiente. Caso contrário, vai enfrentar "dificuldades" no futuro na área energética.
Segundo Lobão, essas dificuldades não serão de falta de energia, mas da necessidade de o consumidor pagar por uma energia "mais cara e poluente" das termelétricas. Elas terão de ser acionadas se as usinas hidrelétricas em construção sofrerem grandes atrasos. O ministro volta a repetir que o apagão ocorrido no país no início de novembro passado, que afetou 18 Estados mais o Distrito Federal, deveu-se a "fenômenos atmosféricos adversos" e afirma: "Eu quase diria que estou torcendo para que haja uma falha técnica, para que ela possa ser corrigida daqui para a frente. Mas até agora não apareceu". A seguir, os principais trechos da entrevista:
FOLHA - Qual lição o apagão deixou? Houve falha de manutenção?
LOBÃO - Nós não temos nenhuma ideia fixa no sentido de defender o sistema naquilo em que ele eventualmente não devesse ser defendido. Mas nosso sistema de transmissão de energia é considerado um dos melhores do mundo, senão o melhor.
FOLHA - Mas nenhuma falha foi identificada no apagão?
LOBÃO - Não. Já fizemos vários estudos, relatórios, e a conclusão é que tinha havido realmente fenômenos atmosféricos adversos. Bem, ainda estamos fazendo novas investigações. Se você me perguntar, eu quase diria que estou torcendo para que haja uma falha técnica para que ela possa ser corrigida daqui para a frente. Mas até agora não apareceu.
FOLHA - Segundo as previsões, o país volta a crescer acima de 5% neste ano. E várias usinas hidrelétricas em construção estão enfrentando problemas no seu cronograma de obras. Isso não coloca em risco o fornecimento de energia?
LOBÃO - Nós não trabalhamos com a possibilidade de racionamento de energia no Brasil. Além das hidrelétricas que estamos construindo, ou em fase de licitação e de recebimento das licenças ambientais, temos a solidez das termelétricas, que constituem uma energia cara e poluente. Todavia é um estoque de energia que possuímos, estoque estratégico. Falhando o sistema hídrico, seja porque não choveu, seja porque não se conseguiram as licenças a tempo, entrará em funcionamento o sistema térmico do país.
FOLHA - É a melhor solução?
LOBÃO - Não, é a pior solução. Mas é um estoque estratégico que possuímos.
FOLHA - Como o sr. classifica o embate no governo em torno das licenças ambientais para a construção de usinas hidrelétricas?
LOBÃO - Não quero qualificar as dificuldades que temos tido com o Meio Ambiente. Temos tido, sim, tais dificuldades intensamente cada vez mais. O caso de Belo Monte [no rio Xingu, no Pará] é um exemplo flagrante. Não se concedeu a licença, embora o ministro do Meio Ambiente [Carlos Minc] e o presidente do Ibama [Roberto Messias], numa reunião com o presidente, com a ministra Dilma [Rousseff], comigo e com outras autoridades, tenham nos garantido para o mês de novembro [passado] a emissão da licença ambiental.
FOLHA - Não veio?
LOBÃO - Eu, perguntado pela imprensa, declarei que na segunda-feira seguinte a licença seria concedida. Isso foi motivo para que um alto funcionário do Ibama dissesse que não estava concedendo a licença porque os ministros do Gabinete Civil e de Minas e Energia haviam marcado data para a concessão da licença. Ora, a data foi marcada pelo ministro do Meio Ambiente e pelo presidente do Ibama no Palácio do Planalto. Não era motivo para que a licença não fosse concedida.
O Brasil não pode ficar refém dos humores do Meio Ambiente. Não há energia melhor, mais limpa e mais barata do que a hídrica. Mas, como estamos sujeitos aos humores do Meio Ambiente, poderemos ter dificuldades no futuro. Dificuldades de que natureza? Falta de energia? Não, mas seguramente vamos ter que pagar, o consumidor vai ter que pagar por uma energia mais cara e poluente.
FOLHA - É um contrassenso?
LOBÃO - Acho um contrassenso. Até porque estamos tendo todos os cuidados no sentido de que os reservatórios das hidrelétricas sejam os menores possíveis e estamos até, já agora, introduzindo um sistema de reflorestamento de toda devastação feita em volta da construção de uma hidrelétrica.
FOLHA - Os projetos do marco regulatório do pré-sal não foram aprovados no tempo esperado e devem avançar no calendário eleitoral. Isso compromete os planos do governo de fazer os leilões neste ano?
LOBÃO - Compromete. Nós imaginávamos que poderíamos realizar esses leilões ainda no fim de 2009 ou no começo deste ano. Já verificamos que isso não será possível. As leis não foram votadas.
FOLHA - O que aconteceu?
LOBÃO - Dificuldades de entendimentos entre os próprios parlamentares, a questão dos royalties [distribuídos a Estados e municípios] sobretudo.
FOLHA - O sr. acha que coloca em risco até a aprovação em 2010?
LOBÃO - Não tenho esse receio. Na medida em que se observa que há essa possibilidade, o presidente Lula pode solicitar a urgência [para a tramitação dos projetos] que ele havia retirado no começo [em setembro, dias após ter enviado os projetos de lei ao Congresso].
FOLHA - E o novo código de mineração, quando ele será enviado ao Congresso? Terá aumento dos royalties cobrados das mineradoras ou do imposto de exportação?
LOBÃO - Ainda não está definido. Queremos fazer algo que modernize todo o sistema, mas sem embaraços às empresas exportadoras. É claro que, na medida em que nos convencermos de que estamos cobrando taxas muito inferiores do que o mundo cobra, teremos que aumentar um pouco.
FOLHA - O marco regulatório vai tratar da preocupação do presidente Lula, revelada no embate com a Vale, de reduzir a exportação de minério de ferro bruto e aumentar a de produtos acabados?
LOBÃO - Não, não deve constar do novo código mineral brasileiro. Mas o presidente está disposto a enviar um outro projeto de lei ao Congresso estabelecendo vantagens para quem produzir aqui, quem se implantar na transformação do minério em produtos acabados.
FOLHA - Que benefício?
LOBÃO - Benefícios fiscais. Hoje o benefício fiscal é o contrário. Consegue benefício quem exporta o minério bruto. Ou semiacabado ou semielaborado. E cobra dos produtos acabados. A ideia é inverter. Basta inverter para resolver o problema.
FOLHA - O empresário Jorge Gerdau diz que hoje há capacidade ociosa no parque siderúrgico e diz que construir novas usinas siderúrgicas não é a solução.
LOBÃO - Olha, o doutor Jorge Gerdau é um dos maiores empresários brasileiros, um dos maiores do mundo. É um empresário de grande competência e temos orgulho da presença dele no setor produtivo nacional. O que não quer dizer que estejamos absolutamente de acordo com todas as concepções empresariais dele.
FOLHA - E o botijão de gás social, vai sair?
LOBÃO - Foi uma ideia do presidente Lula, que solicitou ao Ministério de Minas e Energia um trabalho nesse sentido. O presidente quer um abatimento de 20% a 30% no preço do botijão de gás para as famílias de baixa renda. Estamos trabalhando nessa direção. Procurando meios e modos de encontrar uma solução. A primeira que encontramos foi no sentido de o Tesouro financiar. O Ministério da Fazenda, obviamente, não gosta dessa solução. Isso importaria num custo da ordem de R$ 1 bilhão por ano. Estamos procurando outras saídas.
FOLHA - Quem é o melhor vice do seu partido [o PMDB] para compor a chapa com ministra Dilma?
LOBÃO - Há muitos nomes bons. Mas eu creio que o nome do presidente do partido, Michel Temer, por ser exatamente aquele que, no meu entendimento, mais agrega, mais une o partido, é o melhor nome.
(Folha de S. Paulo, 04/01/2010)