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fórum social mundial
2010-01-04

Idealizador do encontro lembra momentos marcantes da primeira edição, ocorrida em 2001

Em janeiro de 2001, uma legião de ativistas políticos desembarcava em Porto Alegre trazendo bandeiras, protestos e propostas para defender que "um outro mundo é possível". A primeira edição do Fórum Social Mundial reuniu cerca de 20 mil pessoas e ficou marcada por fatos polêmicos, como a destruição de uma lavoura transgênica no Interior do Rio Grande do Sul e um debate acalorado com o megainvestidor George Soros, que uniu por videoconferência Porto Alegre e Davos, na Suíça, onde acontecia o tradicional Fórum Econômico Mundial.

Para o idealizador do Fórum Social Mundial, porém, o que mais marcou foi a própria realização do evento, que tornou a Capital gaúcha conhecida mundialmente e apresentou bandeiras da sociedade civil até então ignoradas por muitos. "Eu disse que Porto Alegre seria uma das cidades mais conhecidas do mundo. E isso é uma verdade", afirma o empresário Oded Grajew, fundador da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Grajew lembra dos fatos marcantes da primeira edição do FSM, que volta a Porto Alegre e Região Metropolitana em 2010 (de 25 a 29 de janeiro) para uma autorreflexão. E diz que o mundo mudou, em parte por causa do Fórum. "É só ver quantas coisas aconteceram", explica.

Jornal do Comércio - Na sua opinião, o Fórum Social Mundial perdeu força ou continua tendo uma voz importante no cenário mundial?
Oded Grajew -
É difícil fazer uma avaliação pelo que sai no Brasil, mas o Fórum Social Mundial tem muita repercussão pelo mundo. Quando eu telefonei para o Olívio Dutra (então governador do Estado) e o Raul Pont (então prefeito de Porto Alegre) para propor que eles dessem um apoio ao evento em 2001, eu disse que, dando tudo certo, Porto Alegre seria uma das cidades mais conhecidas no mundo. E isso é uma verdade. Quem viaja pelo mundo e diz que é de Porto Alegre, percebe que as pessoas fazem uma relação com o Fórum. Porto Alegre ficou conhecida como um espaço da cidadania. Agora, o FSM é um processo. É um lugar de encontro da sociedade civil para fazer articulações. Vamos pegar o exemplo da conferência do clima em Copenhague. Vimos as manifestações, a pressão, e as pessoas imaginam que isso cai do céu. Mas isso é fruto também do Fórum Social Mundial. Uma grande parte daquelas organizações se conheceu no Fórum. Hoje você vê no mundo articulações globais, e essa foi a ideia que norteou a criação do encontro.

Entrevistado pelo Jornal do Comércio no Fórum de 2001, o senhor disse que o resultado mais importante do evento era o próprio encontro. Esta é a maior virtude destes dez anos de Fórum?
Grajew -
O FSM é um espaço da sociedade civil. E a sociedade civil age pressionando, propondo, divulgando ideias. Quanto mais ela se junta, mais ganha força. O FSM, que se desdobrou em vários eventos, é um lugar onde a sociedade civil se encontra, debate, faz propostas e se organiza para viabilizar estas propostas. É só ver quantas coisas aconteceram. O mapa político da América Latina, por exemplo, mudou completamente, dentro desta mensagem de que "um outro mundo é possível".

Na primeira edição, o Fórum foi muito criticado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que dizia que o FSM não tinha propostas. Hoje, o senhor vê o mundo adotando ideias surgidas no Fórum Social Mundial?
Grajew -
Quando eu tive a ideia do Fórum, muita gente falava que a história tinha chegado ao fim, que o livre mercado iria resolver todos os problemas e que os críticos não tinham nenhuma proposta, só sabiam criticar. Fernando Henrique dizia isso. Entre as várias propostas do FSM, estava a ideia de taxar a movimentação financeira. Primeiro, para evitar crises, regulando os mercados; além disso, levantar fundos para combater a pobreza. Houve a crise financeira e, hoje, uma das propostas fortes em Copenhague é taxar o mercado financeiro para criar um fundo ambiental. O Fernando Henrique, além de criticar aqueles que, segundo ele, só sabiam criticar, também questionou o apoio financeiro do governo do Estado e da prefeitura. Naquela época eu falei que, independentemente da visão ideológica, era um dos melhores negócios que o Estado poderia fazer. O retorno era imediato para a cidade.

Hoje o atual prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, apoia a volta do evento a Porto Alegre.
Grajew -
O Fórum Social Mundial de 2010, que será na Grande Porto Alegre, juntou opositores políticos que provavelmente vão se enfrentar nas eleições. Porque é altamente positivo, rentável para os cofres públicos. Então, o Fernando Henrique deu duas bolas fora na época.

A edição de 2010 terá a mesma movimentação de pessoas que a primeira?
Grajew -
É menor, porque o Fórum unificado se realiza a cada dois anos. Tivemos este ano em Belém e em 2011 será em Dakar. Em 2010, vão ocorrer fóruns em vários países do mundo. Em Porto Alegre será um momento de reflexão sobre o próprio processo do FSM. Virá muita gente qualificada. Ele aprofunda a reflexão, não só sobre os problemas do mundo, mas sobre o próprio evento, só é menos numeroso em termos de quantidade de pessoas. Mas haverá muita gente.

Em 2001, ocorreram fatos polêmicos, como a destruição de uma lavoura transgênica em Não-Me-Toque, da qual participou o ativista francês José Bové. Houve um momento importante, que foi a interação entre o Fórum Social e o Fórum de Davos, em que o senhor debateu com George Soros. Que fatos mais lhe marcaram na primeira edição?
Grajew -
Foi o primeiro Fórum, não tínhamos ideia do que poderia acontecer. Mas foi muito emocionante. Primeiro, por ter acontecido, ter vindo tanta gente, tudo ter ocorrido como prevíamos. O debate com o pessoal de Davos pegou muito mal pra eles. Conversei com o Soros e perguntei várias coisas sobre economia, e ele deitou e rolou. Depois, comecei a fazer perguntas sobre a área social e ele não conseguiu responder nenhuma. Eu sei ­- falei com ele depois - que isso deu um baque para o Soros, que começou a mudar um pouco seu discurso. O Miguel Rossetto (vice-governador na época) me contou que, depois do FSM, encontrou um velho militante político que disse já estar no fim da vida, desiludido, mas que depois do FSM afirmou que poderia morrer tranquilo. Foram coisas que me marcaram.

Algumas pautas da sociedade civil foram apresentadas na primeira edição.
Grajew -
A questão ambiental foi importante. Naquela época se falava muito pouco disso. Começaram a surgir temas que, geralmente, não eram visíveis. Essa era a ideia, visibilizar pautas que eram massacradas pela questão econômica. A maioria dos hoje presidentes da América Latina foi no primeiro Fórum, ainda como ativistas políticos. Mas o fato mais marcante mesmo foi o FSM ter se realizado.

(Por Daniel Cassol, JC-RS, 04/01/2010)


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