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agência espacial brasileira direitos quilombolas
2010-01-04

A empresa estatal binacional ACS (Alcântara-Cyclone Space), criada para unir Brasil e Ucrânia na busca por espaço no mercado internacional de lançamento de satélites, enfrenta barreiras para seus planos de longo prazo na área de Alcântara, no Maranhão.

Após ceder numa disputa por terras com comunidades quilombolas da região, a ACS deverá se instalar numa área da Aeronáutica dentro do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), pagando aluguel de R$ 113 mil. A área é suficiente para desenvolver a plataforma de lançamentos do Cyclone-4, diz a empresa, mas compromete o projeto de desenvolvimento que o governo pensava para a região: transformar a península em um parque tecnológico.

Rediscutindo
"Isso vai ter de ser discutido de novo com a comunidade local", diz Roberto Amaral, diretor da contraparte brasileira da ACS. Segundo ele, a entrada do Brasil nesse ramo de negócio traz uma perspectiva nova para a região. Para que outras empresas de tecnologia se instalem, porém, será preciso convencer quilombolas a abrirem mão de algumas de suas áreas.

Por conta das dificuldades, a AEB (Agência Espacial Brasileira) já tinha cogitado sair do Maranhão. Contudo, o presidente da agência, Carlos Ganem, diz que ainda não desistiu. Ele pretende levar a Alcântara o mesmo modelo de desenvolvimento da Guiana Francesa, hoje lar da maior base equatorial de foguetes do mundo.

"Compare o que era Kourou antes de a ESA [Agência Espacial Europeia] tratar aquela população de 6.000 negros desdentados, sem salários e sem previdência social, com os hoje 21 mil negros e brancos, com dentes, com o maior salário mínimo da Europa, a melhor previdência social", diz Ganem.

"Hoje os negros desdentados e completamente excluídos naquela região são na verdade os brasileiros que atravessam a fronteira para se beneficiar das vantagens incorporadas ao desenvolvimento local e social."

Os quilombolas de Alcântara, contudo, mostram desconfiança em relação aos benefícios trazidos pelo Programa Espacial Brasileiro. Sinal disso é que, no dia 18 de dezembro, uma audiência pública do Ibama, de apresentação do relatório de impacto ambiental do projeto da ACS, abriu espaço para discursos de gente que critica os interesses da empresa.

Aconteceu quando o microfone foi aberto a perguntas. Em vez delas, surgiu o presidente da Câmara Municipal da cidade, Benedito Barbosa, exaltado, dizendo que os técnicos contratados pela ACS eram mentirosos. Foi aplaudido. Outros fizeram discursos parecidos.

Boa parte da resistência se deve à experiência traumática causada pela criação do CLA, na década de 1980. Na época, comunidades quilombolas inteiras foram transferidas para regiões afastadas.

Sem peixe
A Folha visitou as terras que os transferidos receberam da Aeronáutica e onde estão desde então. Peixes eram a sua base alimentar, mas os quilombolas foram retirados de perto do litoral. Agora, a pé, levam cinco horas para chegar aos lugares onde costumavam pescar. Além disso, reclamam que os lotes recebidos são pequenos demais e pouco férteis. Nesses lugares, é possível ver várias casas abandonadas.

Os moradores se dizem pouco convencidos sobre os empregos que a ACS prevê --900 durante as obras e 300 quando os foguetes estiverem sendo lançados do centro. Mesmo com a ACS desistindo de construir as suas instalações onde hoje estão os quilombolas, existirão impactos.

Um deles se relaciona com as normas de segurança para lançar foguetes. Toda vez que isso vai ser feito, é necessário fechar a costa para evitar o risco de que destroços caiam na cabeça de alguém -nada de gente pescando, portanto. "Dizem que é muito seguro, mas todo mundo sabe que isso já explodiu", diz um dos quilombolas, referindo-se à explosão que acabou matando 21 técnicos no centro em 2003.

(Por Ricardo Mioto, Folha de S.Paulo, 03/01/2010)


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