“De 1997 ao fim do ano 2000, apenas no distrito de Ananthpur, em Andhra Pradesh, suicidaram-se 1.826 indigentes (principalmente agricultores), a maior parte por causa das dívidas contraídas“. Essa é uma frase do livro “Semi del suicidio” [Sementes do suicídio] (Ed. Odradek, 196 páginas), um estudo coordenado por Vandana Shiva, a ambientalista indiana conhecida em todo o mundo e editado na edição italiana por Laura Corradi, que também oferece uma chave de leitura. O texto reconstrói de modo científico, até frio, um episódio que acompanhou a dramática transformação capitalista da agricultura indiana.
Os suicídios por causa de dívidas dos agricultores indianos chegaram à opinião pública mundial há 10 anos, justamente em Seattle, único lugar em que a opacidade das mídias podia ser superada. “Muitos dos que não conseguiam mais alimentar de um modo honesta sua própria família tiraram sua própria vida, muitos deles ingerindo o monocrotofós, a substância pesticida fornecida aos agricultores gratuitamente pelo governo”.
Os governos são todos iguais. As autoridades da polícia indiana qualificou 1.061 daqueles mortes, igual a 58% do total, como devidas à doenças. “É bizarro o fato de que numerosos casos de suicídio tenham sido registrados como mortes por causa de ‘intolerável codoppu noppi’ (dor de estômago)”.
Os dados sobre os suicídios, a partir de Seattle, foram levados à sério e contados por aquilo que são, não como uma improvisada epidemia de dor de estômago. Em nove anos, entre 1997 e 2005, os suicídios na Índia são, segundo as estatísticas, pouco menos de um milhão, 977.107. Entre eles, 149.244 são de agricultores, e os que ocorreram com o uso de pesticidas são ainda mais, 191.010.
O estudo sobre as sementes do suicídio não se limita a ler os dados do ato final dos suicídios, mas busca também encontrar suas causas e suas dinâmicas. Qual ligação existe entre as sementes e quem se mata? Assim desenvolvem-se os vários capítulos: no começo, se reconstrói a passagem da semente “de recurso público para propriedade privada”. Segue o capítulo sobre as “consequências da engenharia genética na agricultura”.
Nesse ponto, há material suficiente para tratar do “suicídio dos agricultores em Andhra Pradesh, Karnataka, Maharastra e Punjab”, que se conclui com o exame de “43 casos subdivididos em três distritos”. Por fim, o capítulo final e sumarizante sobre as “sementes de vida, sementes de liberdade”.
Foram os ingleses que cancelaram, em um distante passado, a indústria do algodão indiano. Desta vez, os indianos fizeram tudo, ou quase tudo, sozinhos. Foi deles a decisão de transformar a agricultura nacional, considerada muito atrasada, multiplicando sua produtividade por acre, mas sacrificando conhecimentos e atividades tradicionais e colocando em severas dificuldades uma economia privada de capitais monetários e atacada por divisões de território até inferiores ao acre e, portanto, com necessidades e interesses totalmente diversos.
Uma vez concluída a primeira revolução verde que começa a trazer água, maquinário agrícola e sementes para territórios antes muito distantes, permanecem os problemas da pobreza e do atraso.
Em um primeiro momento, as autoridades, controladoras e modernizadoras, veem na agricultura tradicional o elemento de contenção. Ela, segundo os tecnocratas indianos, não conseguirá satisfazer as necessidades alimentares de uma sociedade industrial e de serviços, de consumos crescentes e medianamente mais elevados, sem um esforço excepcional, fora do alcance das forças nacionais.
A Índia é autosuficiente de um ponto de vista alimentar, mas com consumos individuais muitas vezes sacrificados. O desejo de aumentar a produção e ainda mais a produtividade agrícola indiana para saciar de modo aceitável todos os compatriotas, limitas as importações que senão se tornariam obrigatórias, ou até anulá-las também em um futuro de consumos opulentos, é a tarefa confiada pelo governo central a funcionários e especialistas.
O primeiro passo, há 40 anos, foi o de lançar uma campanha pela multiplicação da produção de sementes, confiando-a a estruturas agrícolas públicas. Depois, buscou-se o apoio do capital privado e por fim do internacional, que desembarcou com força na Índia e assumiu o comando das operações. Agora, o problema não é mais o de dar de comer de modo aceitável a um bilhão de indianos, mas de permitir que um punhado de multinacionais, portadoras de todas as possíveis deformações da natureza, ganhem altos lucros.
Aqui surge o caso 39, semelhante aos outros, mas como os outros único na sua dramaticidade. “Satur, 18 anos, vilarejo de Bushera, circunscrição de Andana. A razão principal do suicídio deve ser buscada no fardo de dívidas e nos problemas econômicos. Em março de 2005, Satur havia assumido um empréstimo de 1,30 Lach com 30% de juros de um agente comissionário local. O tamanho da dívida total levou-o, em outubro de 2005, a se suicidar ingerindo o pesticida”.
(Por Guglielmo Ragozzino, Il Manifesto / IHUnisinos / EcoDebate, com tradução de Moisés Sbardelotto, 14/12/2009)