O mistério começou no dia em que o fazendeiro Russ Kremer se viu entre um porco ciumento e sua fêmea. Atacado e ferido no joelho pelo animal, sua perna inchou atingindo o dobro de sua largura normal.
Dois meses de uso de múltiplos antibióticos pareciam não fazer efeito. Uma infecção se espalhou, ameaçando sua vida e desafiando os médicos. A resposta estava nas veias do porco. O animal recebeu pequenas doses de penicilina (um tipo de antibiótico) em sua alimentação, gerando uma linhagem de bactérias resistentes a outros antibióticos. O germe resistente havia sido transmitido para Kremer.
Assim como o fazendeiro, mais e mais americanos – muitos deles vivendo longe dos estábulos e pastos – estão expostos ao risco da disseminação da prática de alimentar as criações com a presença de antibióticos. Esses animais crescem mais rapidamente, porém também podem desenvolver infecções resistentes a medicamentos que podem ser transmitidas para os seres humanos.
Nos EUA, os fazendeiros dão a suas criações de porcos, gado e galinhas cerca de 8% a mais de antibióticos a cada ano, normalmente para tratar infecções no pulmão, no sangue e na pele.
No entanto, 13% dos antibióticos administrados nas fazendas americanas em 2008 foram usados para que animais sadios se desenvolvessem mais rapidamente. Esses medicamentos geraram uma economia de cerca de 30% no custo da alimentação de porcos jovens.
Agora, o assunto está recebendo atenção como resultado do interesse da Casa Branca e pela agitação causada por novos estudos que apontam a relação entre o uso de antibióticos em animais e a resistência a medicamentos em seres humanos.
Pesquisas
Cientistas afirmam que o uso abusivo de antibióticos em seres humanos e animais está levando a um problema que são as infecções resistentes a medicamentos que mataram mais de 65 mil pessoas nos Estados Unidos no último ano – isso é mais do que a soma dos óbitos decorrentes dos cânceres de próstata e mama, em um país em que 70% dos antibióticos consumidos são destinados ao gado, porcos e galinhas. Em nível mundial, esse tipo de consumo é equivalente a 50% do total.
“Este é um problema real, é o grande lobo mau batendo em nossa porta”, disse Vance Fowler, um especialista em doenças infecciosas da Duke University.
O aumento do uso de antibióticos é parte de um crescente problema de doenças resistentes a medicamentos em todo o mundo. Como resultado, doenças mortais como a malaria, tuberculose e as bactérias estafilococos estão ressurgindo em formas mais mortais.
Como resposta, a pressão contra o uso de antibióticos na agricultura está aumentando. A Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu neste ano que a resistência a antibióticos é um dos maiores desafios para a saúde humana. No último mês, a Casa Branca afirmou que o problema é “urgente”.
“Se nós não tomarmos cuidado com esses medicamentos e dos programas para administrá-los, estaremos indo para um era pós-antibióticos”, disse Thomas Frieden, que estava à frente do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC na sigla em inglês).
Também neste ano, as três agências federais de proteção à saúde pública - Food and Drug Administration (FDA), CDC e o Departamento de Agricultura dos EUA – declararam que as doenças resistentes aos medicamentos originadas do uso de antibióticos em animais são uma “preocupação de emergência séria.” Já um representante do FDA afirmou ao Congresso americano que os fazendeiros devem parar de usar antibióticos em suas criações.
Grupos de fazendeiros e representantes das indústrias farmacêuticas rebatem que os medicamentos mantém os animais saudáveis e o preço da carne mais baixo. Eles têm derrotado uma série de propostas para limitar o uso dos antibióticos.
(G1 / AmbienteBrasil, 30/12/2009)