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passivos da pecuária frigoríficos/agroindústrias desmatamento da amazônia
2009-12-30

Márcio Astrini, coordenador da campanha da Amazônia do Greenpeace, conversou com o site Amazonia.org.br sobre a questão da pecuária na região. O coordenador fez um balanço das ações voltadas para o setor na Amazônia.  Segundo Astrini, medidas como a suspensão, por parte dos supermercados, da compra de carne oriunda de regiões desmatadas é positiva.  Porém, medidas isoladas não vão trazer sustentabilidade para a Amazônia.

Confira a entrevista, que faz parte da Retrospectiva na Amazônia 2009.

Amazonia.org.br - Uma pesquisa divulgada em janeiro pelo Imazon indica que 36% do rebanho bovino do país se concentra na Amazônia Legal, o que representa um crescimento de 88% entre 1990 e 2006.  Qual o impacto do avanço dessa cultura para as reservas naturais da região amazônica?
Márcio Astrini -
A derrubada das florestas, pois não há como criar gado embaixo de árvore.  Com a transformação do solo para a criação de pastagens e a consequente redução da floresta, o planeta fica mais quente, porque a destruição da Amazônia representa quase metade de nossas emissões.  Um dos fatores que estimulam esse cenário é o fato de que o hectare produzido na agricultura tem valor de negócio superior ao hectare da criação bovina.  Então o gado vai sendo empurrado para locais onde há menos estrutura, onde a terra é mais barata, ou seja, o norte do País, onde está a Amazônia.

O crédito subsidiado e a ocupação ilegal da região estão entre os fatores que contribuem com o avanço da pecuária na Amazônia.  Como melhorar a política pública de controle de desmatamentos e redução de gases de efeito estufa?
Astrini -
Haverá melhorias quando o foco sair do setor e passar para a região.  A Amazônia tem muito mais a oferecer do que espaço para se criar gado.  O problema é que o olhar do crédito público no local é o da atividade que vem tomando conta da floresta, ou seja, a pecuária.  O dinheiro é tímido para o desenvolvimento de outras atividades.  Se alguém, por exemplo, desenvolver uma tecnologia para fazer uma produção em escala dos produtos extrativistas ou naturais da região, encontrará dificuldades para a transferência de crédito. 

Mesmo na pecuária, segundo dados da Embrapa, um criador tem prejuízo, na Amazônia, caso crie menos de duas unidades de animal por hectare.  Como a média de criação na região é de 0,7 animal por hectare, o lucro vem muitas vezes pelo caminho da ilegalidade, como o trabalho escravo e a invasão de terra, por exemplo.

Em junho, as principais redes de supermercados do País suspenderam compras de produtos de fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia.  Na oportunidade, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) também anunciou que as empresas passariam a trabalhar com auditoria de origem.  Essas medidas são suficientes para garantir a sustentabilidade?
Astrini -
Quando um supermercado adota tal postura, fecha um canal.  Isoladamente, porém, medidas como essa não garantem a sustentabilidade.  Há um conjunto de fatores que contribuem para que esse objetivo seja alcançado.  Por exemplo, vários estudos desenvolvidos por ONGs, principalmente entre o fim de 2008 e meados de 2009, deram uma chacoalhada no mercado.  Esses relatórios levaram ao público informações sobre desmatamento causado pela pecuária.  A partir de então, começou uma reação maior, talvez culminando no dia 1º de junho, com o lançamento do relatório do Greenpeace [A Farra do Boi na Amazônia].  Houve, então, um início de transformação do mercado, com fatos importantes como o anúncio, em outubro, pelos cinco maiores frigoríficos do Brasil, do pacto pelo fim dos contratos com a pecuária insustentável.

Outros fatores, como os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), feitos pelo Ministério Público Federal, também ajudam a formar um quadro positivo.  Mas em relação ao pacto realizado pelos grandes frigoríficos, há uma questão que deve ser observada.  Ainda há uma gama grande de frigoríficos que estão fora desse compromisso, sendo que os supermercados podem se tornar receptáculos de carne de desmatamento.  Essa medida anunciada pela Abras, portanto, pode ter bons desdobramentos dentro desse cenário, mas sempre como parte de um conjunto de ações.

Os termos do acordo com os frigoríficos diz que as empresas signatárias têm de seis meses a dois anos para comprovar que nenhum de seus fornecedores diretos e indiretos tenha desmatado a Amazônia.  O prazo mencionado para comprovação de irregularidades envolvendo os fornecedores é justo?
Astrini -
Se olharmos para o que a floresta precisa, o prazo pode parecer um pouco permissivo.  Porém, se visualizarmos a confusão que é o setor - frigorífico, por exemplo, que compra de 1500 fazendas de engorda e não tem informações precisas sobre 10% de seus fornecedores -, concluiremos que os prazos são apertados.  Os seis meses são para os frigoríficos mapearem as fazendas de engorda, que são as fazendas de primeira escala de fornecimento; e dois anos o tempo para terem mapeado as fazendas de cria e recria.  É um trabalho gigantesco.  O mapeamento representa o uso do poder econômico em favor da preservação.

Em agosto, foi constatado pela fiscalização que bois da Bertin dividiam o mesmo conjunto de propriedades rurais onde trabalhadores eram mantidos em condições análogas à escravidão.  Muitas ações como essa foram realizadas pelo Poder Público na região em 2009.  Como você avalia a atuação das autoridades públicas na Amazônia neste ano?
Astrini -
Melhorou, mas é pouco para o que a realidade exige.  É uma indecência o número de casos de trabalho escravo ali.  Chegamos a constatar, quando fizemos o relatório, que 60% dos casos registrados pelo Ministério do Trabalho estavam na Amazônia - e 80%, dentro dos 60%, ligados à pecuária na região.  Há também a invasão de terra indígena por fazendas, situação com a qual nos deparamos muitas vezes.  Numa delas, uma fazenda instalada irregularmente em terra indígena fornecia gado para a Bertin, e a própria empresa buscava a mercadoria no local.  Não havia como ela não saber.

O que garante os preços competitivos para a produção pecuária na Amazônia, em grande parte, é a ilegalidade.  Seria possível uma produção ambientalmente responsável, socialmente justa e economicamente viável na região?
Astrini -
O que garante não é a ilegalidade, mas sim esconder que ela existe.  Se um supermercado colocar à venda por dez reais um quilo de bife de origem ilegal, informando aos clientes essa situação, e outro a 11 reais, o de dez irá apodrecer na gôndola.  O Brasil não pode ser o maior fornecedor de produto pecuário do mundo apostando que nunca ninguém vai descobrir esses problemas.  O que ele tem que fazer é mudar.  E eu não acredito que isso vai representar um custo maior para a produção ou uma perda de arrecadação para o setor.

Nossa batalha é para que a pecuária se aprimore, inclusive com investimentos públicos.  O governo deve investir para mudar a estampa desse setor.  Se isso não for feito, a reação do mercado vai ser clara, e vai gerar perda de condição de competição.  Hoje, por exemplo, temos uma JBS, que é a maior empresa do mundo em vendas de carne.  Não podemos duvidar da capacidade comercial e operacional de uma organização como essa.  Só que ela tem um calcanhar de Aquiles, que é a questão ambiental, que ganhou uma relevância diferente.  Ou se lida com isso ou se coloca todas as conquistas em risco.

Qual sua avaliação geral em relação à prática da pecuária na Amazônia em 2009?
Astrini -
Acredito que hoje se compreende que meio ambiente não é mais um luxo de ambientalista, mas algo que faz parte do negócio.  O país tem regras ambientais que devem ser respeitadas e o mercado tem regras e exigências de consumo que têm que fazer essa cadeia se aprimorar.  Em resumo, acho que os empresários e produtores agora estão incorporando essa nova realidade ambiental, demonstram vontade e sabem que é possível mudar.  De concreto, porém, se vão ou não cumprir com tudo o que está sendo prometido, só saberemos com o tempo.

Há mais um ponto que eu gostaria de acrescentar.  Tem gente da bancada ruralista e do próprio segmento que diz que a questão ambiental é uma forma de tarifar o gado, barreira não tarifária, ou, em outras palavras, uma forma de atacar o mercado nacional.  Quando abro o jornal, porém, eu não vejo nada disso.  Eu vejo frigorífico reclamando do subsídio concedido nos EUA e na Europa, da baixa do dólar, da variação na bolsa americana da arroba do boi, mas não vejo ninguém reclamando de meio ambiente.

Na verdade, o que faz hoje a economia do setor é o fato de que os EUA mandam na OMC [Organização Mundial do Comércio].  Quando uma empresa de lá quer derrubar o preço da arroba para comprar gado mais barato, ela consegue.  Os frigoríficos já fazem isso, pagam o produtor com 60, 90 dias de atraso.  Os países concorrentes não precisam usar a questão ambiental como estratégia comercial, pois têm outros mecanismos mais eficientes.

Pelo contrário, talvez sejamos o único país do mundo que tem esse volume de produção e que pode produzir com o selo da Amazônia respeitada na carne.  No comércio puro e simples, talvez tenhamos dificuldades em concorrer com esses atores estrangeiros.  O nosso diferencial está exatamente na preservação da natureza que nossos concorrentes não têm para associar a seus produtos.

(Por Thiago Peres, Amazonia.org.br, 28/12/2009)


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