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2009-12-29

Veja o balanço do ano que a pesquisadora Telma Monteiro faz sobre as questões relacionadas às hidrelétricas na Amazônia.

No decorrer do ano, ambientalistas tiveram um duro desafio: tentar dialogar com o próprio governo para que grandes projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia fossem repensados, já que seus estudos não mencionavam todos os impactos sociais e ambientais que seriam gerados pelas obras.  Telma Monteiro, da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, foi uma das pessoas que se empenharam em defender os direitos dos povos da Amazônia.

Em Rondônia, duas grandes usinas estão já em construção: Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira.  Organizações alegam que há graves irregularidades no processo de licenciamento ambiental das usinas.  Foram ajuizadas duas ações contra as hidrelétricas.  No caso da ação que busca a anulação da Licença de Instalação de Santo Antônio, uma das principais irregularidades apontadas é a autorização pelo Ibama da instalação da usina, antes de a Funai ter informações suficientes sobre a localização geográfica de índios isolados que vivem na área de impacto do empreendimento.

Já na ação movida contra a Licença de Instalação de Jirau, a principal irregularidade é a persistência de incertezas sobre a área do reservatório da usina, o que deveria ter sido resolvida na fase de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA).  O problema envolve a falta de análise efetiva dos riscos de assoreamento dos reservatórios no Rio Madeira.

No caso de Belo Monte, a Justiça Federal em Altamira (PA) determinou a suspensão do licenciamento ambiental da Hidrelétrica no Rio Xingu, até a realização de novas audiências públicas para ouvir as comunidades que serão atingidas pela obra.  A ordem atendia ao pedido do Ministério Público Federal.

Confira o balanço do ano feito por Telma Monteiro:

Amazonia.org.br - Gostaria que fizesse um balanço do ano para as questões relacionadas as hidrelétricas na Amazônia.
Telma Monteiro -
O balanço do ano é o seguinte: nós conseguimos ajuizar várias ações jurídicas.  Ajuizamos uma contra Santo Antônio e outra contra Jirau, com a Amigos da Terra, Kanindé e Coiab [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira].  Fizemos a denúncia em Washington, na comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA [Organização dos Estados Americanos], acho que isso é positivo, porque pela primeira vez um caso como esse foi denunciado na comissão. Tivemos, na semana passada, a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] onde levamos informações, inéditas.  E fora isso, do caso do Madeira, tem as questões de Belo Monte: o ativismo das comunidades do Xingu, dos povos indígenas contra Belo Monte, as audiências públicas que foram insuficientes, inclusive o MPF [Ministério Público Federal] recomendou que mais audiências públicas fossem realizadas.  E todas as manifestações no Pará contra Belo Monte.  Tivemos alguns avanços nesse sentido.

Aproveitando que você citou a CPI do Madeira, acredita que esta trará resultados positivos ou que poderá acabar como várias outras CPIs no país?
Telma Monteiro -
É importante mencionar que as provas que a gente levou nas CPIs demonstram, no caso de Jirau, que a interferência no local da hidrelétrica foi feita, inclusive, antes da emissão da licença de instalação definitiva.  Todo o estrago foi feito apenas com uma licença parcial para o canteiro de obras, e ninguém tinha conseguido provar isso. Nossas imagens, que divulgamos na CPI, causaram assim bastante surpresa para a comissão e conseguiram provar que realmente eles [o consórcio responsável pelas obras] estavam usando uma licença parcial para o canteiro de obras e fizeram toda a intervenção.  A supressão da vegetação e a exploração da jazida de pedra no local do novo eixo de Jirau foram feitas completamente sem licença que deveria ter sido expedida pelo Estado de Rondônia. Nós fechamos o ano com chave de ouro nessa questão das hidrelétricas do Madeira, porque a Kanindé e a Funai [Fundação Nacional do Índio] conseguiram, finalmente, comprovar a existência de oito indivíduos de uma tribo de índios isolados na região de influência da usina de Jirau. Isso já é oficial, o relatório já está em Brasília, na Funai.  E eu já dei essa notícia inclusive na CPI.

E como esta notícia irá impactar o projeto da construção da hidrelétrica?
Telma Monteiro -
Em uma das nossas ações, em que mencionamos a existência de índios isolados na região de influência das hidrelétricas, não havia um documento oficial comprovando isso.  Embora todos já soubessem da existência, faltava exatamente localizar geograficamente alguns desses povos, e agora nós conseguimos localizar oito indivíduos de um povo indígena isolado. O juiz que analisou a petição sempre questionou o fato de não haver um documento oficial.  E agora, finalmente a gente tem a comprovação através de trabalho de campo, oficial.  Um trabalho oficial feito pela Funai junto com a Kanindé.

Para solucionar o caso de Jirau, qual seria a proposta: realizar a construção de outra forma ou parar com as obras?
Telma Monteiro -
Eu acho que não existe outra forma para construir usina.  Construir uma usina hidrelétrica não tem uma forma que não tenha impactos ambientais e sociais ou violação dos direitos humanos.  Na construção de qualquer grande barragem para geração de energia elétrica sempre há sérios impactos a longo prazo, e que não podem ser jamais mitigados.  E até dimensionar esses impactos é difícil.  Inclusive os Estudos Ambientais não conseguiram diagnosticar esses impactos no caso das usinas do Madeira e de Belo Monte.  E isso fica claro com os pareces conclusivos das equipes técnicas que analisaram os estudos.

Você acha que Belo Monte é um projeto que merece uma licença ambiental?
Telma Monteiro -
De jeito nenhum!  Nenhuma merecia: nem as hidrelétricas do Madeira e muito menos Belo Monte.  E no ano que vem está previsto o EIA das usinas do Tapajós, previsto no Plano Decenal de Energia 2008-2017.  No caso do Tapajós estão prevendo no mínimo cinco hidrelétricas, e essa luta a gente vai ter que enfrentar também.  A decisão de fazer essas hidrelétricas já foi tomada, então nossa luta continua e muito mais acirrada.  Hoje nós temos muito mais elementos, muitas mais ferramentas e muito mais gente engajada, até de organizações de advogados internacionais para nos ajudar a enfrentar juridicamente essas causas.

E qual seria o jeito mais adequado de produzir energia no Brasil?
Telma Monteiro -
Eu acho que a gente não deve chamar de "jeito" e nem de mais "adequado", mas a gente deve chamar de forma de produção sustentável.  E pode ser usando o que já temos de hidrelétrica, infelizmente ainda com passivos ambientais, mas poderíamos dispensar as próximas que estão previstas no Plano Decenal.  Porque você tem toda uma costa brasileira propicia para gerar energia eólica, por exemplo.  Isso poderia perfeitamente complementar a nossa necessidade de gerar energia. Isso sem contar o fato de que nós precisávamos rever o modelo de consumo no Brasil.  Tínhamos que implementar mais programas de eficiência energética.  Nós estamos engatinhando em relação ao resto do mundo na questão de economia de energia.  Só com um programa de eficiência energética teríamos condições de prescindir dessas novas hidrelétricas que estão propostas.  Então acho que um dos pontos que nós precisamos insistir no próximo ano é a adoção de programas de eficiência energética.

(Por Aldrey Riechel, Amazonia.org.br / EcoAgência, 28/12/2009)


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