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raposa serra do sol política indigenista hidrelétrica de belo monte
2009-12-29

Como parte do especial Retrospectiva 2009, o site Amazonia.org.br conversou com o antropólogo e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mércio Gomes. Mércio fez um balanço do ano para os povos indígenas, que foi influenciado principalmente pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em março.  O STF confirmou a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas traçou condicionantes que modificam a atual política indígena.

O ex-presidente da Funai também destacou os problemas com a questão da saúde e o luta do povo Kayapó contra a usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA).

Amazonia.org.br - O que a demarcação contínua da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, determinada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida em março, representou para os povos indígenas do País?
Mércio Gomes -
Por um lado, a decisão demonstra que o Brasil respeita os povos indígenas, reconhece sua territorialidade e entende perfeitamente quem é intruso.  Porém, esse reconhecimento na votação dos ministros do STF veio com uma série de ressalvas e um ponto fundamental que transformou toda política indigenista brasileira.  É como se o tribunal tivesse dado aos índios com uma mão e tirado com a outra.  Os índios de Roraima, que vivem na TI Raposa Terra do Sol, viram consagrados seus direitos.  Os demais, porém, cujas terras ainda não foram demarcadas porque eles mesmos não as ocupavam em 1988, tiveram suprimido o direito de tentar recompor sua territorialidade perdida em outras épocas.

A ressalva, feita pelo ministro Ayres Britto, que diz que a ocupação da terra tem que estar efetivada no dia da promulgação da Constituição de 1988, inviabiliza a demarcação das terras dos índios Guarani, por exemplo, que lá não estavam nessa data - seja porque estavam em épocas anteriores ou porque chegaram após 1988.  O mesmo exemplo vale para os índios do nordeste que estão em processo de ressurgimento ou etnogênese, como esse processo de recuperação de visão de mundo é chamado.

Outro ponto importante é a ressalva feita pelo ministro Gilmar Mendes, que diz que os Estados e municípios têm de estar presentes no reconhecimento de uma terra indígena.  Antes, a questão indígena era estritamente federal, o que era essencial, pois os dois outros entes federativos são antiindígenas pela própria natureza.  Essa decisão, portanto, representa um retrocesso.  Por isso que digo que estamos no limiar de uma nova política indigenista.  Essa votação conduziu a política indigenista brasileira a termos que dificultarão uma nova composição do relacionamento desses povos indígenas com a nação e a sociedade brasileira.

Qual a situação hoje na região?
Gomes -
Pelas informações que tenho, não há mais plantadores de arroz nem aquelas antigas propriedades que ocupavam a área.  Está todo mundo fora.  Neste momento, eles passam pelo processo de saber como lidar com aquilo que já está investido, ou seja, se vão aproveitar as fazendas de arroz ou não, se vão refazê-las de um outro modo, se vão ampliar a cultura de criação de gado ou se vão entrar em outros processos de desenvolvimento econômico.  Acredito que as associações que eram contrárias entre si, embora permaneça uma rivalidade, vão se juntar para encontrar um encaminhamento para essas questões.  A perspectiva é positiva, pois o governo federal está disposto a ajudá-los.

Qual sua avaliação geral das políticas públicas voltadas aos povos indígenas ao longo deste ano?
Gomes -
A política indigenista atual está maculada primeiramente em razão dessa decisão do STF, que deixou desbaratinadas todas as pessoas que trabalham com a questão indígena e buscam a harmonização de seus conflitos.  Ela causou um desequilíbrio porque não se sabe como compensar o sofrimento dos povos indígenas sem terra que passam por dificuldades.

Ao lado disso, ficou mais do que evidente que a política de educação é falha, sem sentido, pois quer forçar os índios a serem incluídos num processo de aprendizado atabalhoadamente, sem uma programação específica.  O reconhecimento da diferença indígena é feita da boca para fora, porque não há de fato uma análise sobre essa questão.  Não se sabe o que significa a diferença no estudo específico.  Como é que se ensina aos Xavantes, por exemplo, a conhecerem sua história e ao mesmo tempo se reconhecerem inseridos no Brasil.  Essa filosofia indigenista foi perdida.

Outro ponto que deve ser destacado é a saúde.  Está mais do que evidente que a Funasa não tem uma filosofia de saúde para os índios, e que está afundada no lamaçal da corrupção local e na corrupção no alto nível político.  Há dois anos o ministro da Saúde promete criar uma secretaria mas não consegue politicamente viabilizar o projeto.

O EIA/Rima da usina de Belo Monte (PA) foi apresentado e discutido durante audiências públicas que aconteceram em setembro em quatro cidades paraenses.  Segundo o MPF-PA e integrantes de movimentos sociais, naquelas oportunidades houve pouco espaço para a participação da população, o que levou os procuradores, posteriormente, a tomarem medidas para garantir a representatividade.  Como você avalia esse cenário?
Gomes -
Não é fácil realizar audiências públicas com questões indígenas que já estão viciadas por tantas opiniões diversas.  Eu acho que as próprias lideranças sabiam pouco, de fato, sobre o que vai acontecer.  Além disso, as comunidades eram, muitas vezes, insufladas por opiniões estranhas.  Não houve uma clareza.  Faltou sobretudo um diálogo com os índios, antes mesmo das audiências.  As informações vinham, ou de um lado, da Igreja, do Cimi, que dizia "não"; ou de outro lado, dos empresários, que diziam "sim".  Mas não veio de outras instâncias possíveis e esclarecedoras - sobretudo, da Funai.  A Funai tem que ser de todo modo leal aos índios.

Ainda em relação a Belo Monte, qual sua avaliação sobre o parecer favorável da Funai?
Gomes -
Acho que foi péssimo, porque foi coagido pelo governo federal.  Pelo que vejo, os técnicos que fizeram o parecer o deixaram na ambiguidade.  Transparece claramente no relatório que os índios não estão sabendo o que vai acontecer efetivamente.  Que é preciso mais esclarecimentos, não em audiências públicas, mas de um modo pedagógico para que eles entendam tudo.  Os técnicos destacaram isso, e mesmo assim foi dada a anuência com o mínimo de restrições e recomendações.

(Por Thiago Peres, Amazonia.org.br, 28/12/2009)


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