A cidade japonesa de Nagoya será a sede da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, em 2010, e o governo já divulgou o símbolo do encontro: animais, imitando o formato de origami, cercam um homem e uma criança – um retrato da vida humana em harmonia com a natureza.
Mas pesa sobre essa imagem uma sombra que prejudica a meta do Japão de ser reconhecido como uma nação preocupada com o futuro da biodiversidade. A caça às baleias – uma tradição entre os japoneses desde a Idade Média – resiste a todas as pressões internacionais. Esta semana o ministro das Relações Exteriores, Katsuya Okada, disse que o Japão não planeja mudar sua política sobre o assunto.
Ecologistas, porém, acreditam que o momento de suspender a matança pode estar mais perto. Eleito no final de agosto com a promessa de reduzir os gastos públicos – o Japão administra o maior déficit dos países industrializados – o primeiro-ministro Yukio Hatoyama formou um comitê para apontar as áreas sujeitas a cortes. Uma das recomendações do grupo foi suspender o repasse de fundos oficiais para o Instituto para Pesquisa de Cetáceos, o órgão que conduz o programa científico que permite a caça das baleias no Japão. Grupos ambientalistas e governos como o dos EUA, Austrália e Inglaterra denunciam o programa como uma fachada para justificar a pesca comercial dos mamíferos, banida por uma moratória da Comissão Internacional de Caça à Baleia (IWC, na sigla em inglês) desde 1986.
Um dos símbolos mais conhecidos na luta contra a extinção, as baleias continuam a sofrer. E em 2010, quando a ONU celebra o Ano Mundial da Biodiversidade, sua preservação é uma das prioridades. Sete das 13 espécies de grandes baleias continuam ameaçadas de extinção e a comunidade internacional cobra do Japão explicações sobre o sacrifício de mais de nove mil baleias minke nos últimos 22 anos, por exemplo, apenas para as chamadas pesquisas científicas. O governo japonês não esconde que quer o fim da moratória, mas insiste estar fazendo tudo dentro da lei (as pesquisas são permitidas por uma cláusula do acordo com a IWC).
Sem subsídios, no entanto, afirma o WWF, a indústria baleeira não tem como sobreviver atualmente, já que a demanda pela carne do animal vem diminuindo ao longo dos anos. No início de dezembro, o navio-fábrica Nisshin Maru, o maior da frota japonesa, partiu para mais uma temporada de caça que manchará de sangue o mar da Antártida. Segundo os ecologistas, essa missão vai custar US$ 8,8 milhões, que sairão do bolso dos contribuintes.
Estudo do WWF afirma que na Noruega a situação é semelhante e, desde 1992, o governo gastou mais de US$ 4,9 milhões em divulgação, relações públicas e lobby para defender essa indústria. “Além disso, os subsídios do governo para a indústria igualaram quase metade do valor bruto de todos os desembarques de carne de baleia feitos por meio da Rafisklaget, a Organização dos Pescadores da Noruega”, informa relatório do WWF.
Segundo o mesmo estudo, na temporada de 2008-2009, a indústria baleeira japonesa precisou de ajuda de US$ 12 milhões para ter as finanças equilibradas. Desde 88, esses subsídios já teriam chegado a US$ 164 milhões. Uma das justificativas para a caça – a de que comer carne de baleia é uma tradição, isto é, uma questão cultural que não permite intervenções – fica enfraquecida diante dos números. O WWF informa que o preço do quilo do produto caiu quase à metade desde 1994, por falta de consumidores.
Apesar de toda a gritaria internacional, a Islândia também mantém a pesca predatória dos cetáceos. No início do ano, em meio a uma crise econômica sem precedentes, o governo do país – pouco antes de renunciar – aumentou a cota de caça de baleias minke (100 por ano) e fin (150) para os próximos cinco anos.
A Islândia justifica a caça à baleia como uma forma de criar empregos e trazer mais recursos, exportando, por exemplo, a carne e a gordura (de onde se extrai óleo) para o Japão, que por sua vez já está com o mercado saturado.
“Essa indústria é mantida por um grupo pequeno e poderoso de burocratas, funcionários do governo e empresários que lucram com ela e que, portanto, têm interesse em manter a caça comercial enquanto for possível”, diz Junichi Sato, ambientalista do Greenpeace Japão.
(O Globo / ANDA, 27/12/2009)