NA DÉCADA de 1930, com o nazismo em ascensão, cem físicos alemães assinaram o texto "Cem contra Einstein", criticando a teoria da relatividade, que chamavam de "física judaica". Einstein respondeu com ironia: um bastaria, disse, se tivesse bons argumentos. Lembrei-me disso quando li que 2.500 integrantes do IPCC afirmaram que está em curso um aquecimento global causado pelo homem. Também nesse caso, pensei, um bastaria.
Desde que tais conclusões foram divulgadas, acelerou-se um debate em que a certeza e o radicalismo, de ambos os lados, são proporcionais à falta de boa informação. Os defensores do IPCC usam duas constatações verdadeiras: gases-estufa podem contribuir para o aquecimento, e atividades humanas emitem quantidades crescentes desses gases. Em seguida, tiram uma conclusão duvidosa: as atividades humanas estão aquecendo o planeta. Chegam a prever que a temperatura da Terra experimentará variação de alguns graus em 2100.
O estudo do clima é uma das áreas mais apaixonantes da ciência justamente por sua complexidade. Nele interagem, de maneiras ainda misteriosas, fatores astronômicos (como a atividade solar e variações na órbita e no eixo de rotação da Terra), geofísicos (como a distribuição de mares e terras emersas, as correntes marinhas, a circulação atmosférica, a atividade vulcânica) e regionais (como os ciclos hidrológicos e a topografia).
Não sabemos manejar adequadamente as inúmeras variáveis envolvidas na evolução do clima em longo prazo. Para que possam ser usados, os modelos matemáticos introduzem simplificações que impossibilitam projeções confiáveis. Talvez seja uma limitação insuperável. Desde os trabalhos pioneiros de Henri Poincaré (1854-1912) aprendemos que nenhum modelo quantitativo, por mais exato que seja, permite prever a evolução de sistemas em que o presente não "contém" o passado nem determina o futuro.
Eduard Lorenz (1917-2008) mostrou que os processos atmosféricos estão nesse caso: situações iniciais muito semelhantes podem evoluir para resultados totalmente diversos, relacionados entre si de forma aleatória. O clima da Terra está mudando porque sempre mudou. Não sabemos como ele será em 2100, nem mesmo se mais quente ou mais frio.
Mas, sem dúvida, devemos buscar um desenvolvimento mais amigo da natureza. Nesse aspecto, o Brasil tem uma posição privilegiada, seja pela exuberante biodiversidade de seu território, seja porque pode ampliar uma matriz energética bastante limpa quando comparada com o resto do mundo. Se cuidarmos bem da biodiversidade e da energia assumiremos uma posição de vanguarda sem precisar fazer bravatas em conferências internacionais.
Precisamos fazer, nós mesmos, um gigantesco esforço para transformar a biodiversidade na base de um novo modo de desenvolvimento centrado nas biologias. No tocante à energia, temos, entre outras, as alternativas da biomassa para os combustíveis líquidos e da expansão da hidreletricidade.
Os ambientalistas erram quando se opõem, por princípios, à construção de hidrelétricas. Como a sociedade precisa de mais eletricidade, eles acabam estimulando a construção de usinas movidas a óleo ou a carvão, muito mais poluentes. Não devemos debater entre fazer ou não fazer hidrelétricas, mas onde e como fazê-las, incorporando soluções tecnológicas e institucionais que minimizem perdas e até garantam ganhos ambientais. Não por uma questão de escatologia, mas de inteligência. Feliz 2010 para todos.
(Por Cesar Benjamin*, Folha de S. Paulo, 26/12/2009)
*CESAR BENJAMIN, 55, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.