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funasa kaiowá-guarani direitos indígenas
2009-12-23

O presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Danilo Forte, manifestando-se em relação aos apelos dos Guarani-Kaiowá para que lhes fosse assegurada assistência em saúde, declarou: “A gente só pode fazer investimentos em aldeias que estão legalizadas” e enfatizou que a Funasa não pode atender indígenas nas áreas “em litígio”. Ele se referia aos Guarani-Kaiowá da comunidade Kurusú Ambá, que realizaram uma retomada no dia 25 de novembro, e que estão acampados em uma fazenda, no município de Coronel Sapucaia, Mato Grosso do Sul.

No dia 15 de dezembro os indígenas recorreram ao Ministério Público Federal de Ponta Porã, solicitando que fossem tomadas providências urgentes para que a comunidade recebesse proteção, alimentos e assistência em saúde. Reclamaram a falta de medicamentos para conter o surto de diarréia que acometia a maioria das crianças e outras doenças que atingiam as famílias.

Procurado pela imprensa local para prestar esclarecimentos, o coordenador estadual da Funasa, em Mato Grosso do Sul, Flávio Brito, declarou que não estava enviando remédios aos índios porque o local em que eles acamparam era palco de conflitos. Em outras palavras, o representante da Funasa reconheceu que os Guarani-Kaiowá sofrem ameaças em função da retomada e estão à mercê de jagunços de fazendeiros armados. Trata-se, portanto, de uma situação em que o governo é omisso e negligente em relação aos índios.

Quanto ao argumento utilizado por Danilo Forte de que a Funasa não pode atender indígenas nas áreas em litígio, vale lembrar que no estado de Mato Grosso do Sul, praticamente todas as terras indígenas estão nesta situação. Também é importante ressaltar que as áreas reivindicadas pelos Guarani-Kaiowá são aquelas com as quais eles possuem inegáveis vínculos tradicionais.

Do contrário, os fazendeiros seriam os primeiros e maiores interessados em permitir que os estudos antropológicos fossem realizados, e com toda a urgência. Sabe-se, no entanto, que os conflitos estão longe de serem solucionados, uma vez que se adotam diferentes estratégias para impedir que os Grupos Técnicos realizem os seus trabalhos, e a isso se soma a falta de interesse do Governo Federal em assegurar a realização desses procedimentos administrativos, que são de sua responsabilidade.

A partir deste posicionamento da Funasa, devemos entender então que o Governo Federal pretende negar assistência em saúde a todas as comunidades indígenas do estado, que já são vítimas da omissão, da violência e do descaso.

É preciso considerar que o princípio constitucional do respeito à dignidade da pessoa humana está acima de qualquer “legalização” e que um dos objetivos fundamentais da República é o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A saúde, por sua vez, é considerada direito fundamental de todos, portanto, estende-se aos indígenas acampados, em áreas em litígio, em centros urbanos etc.

Não é a primeira vez que o presidente da Funasa trata com desprezo as comunidades indígenas. No dia 06 de maio, após tomar conhecimento da morte de 68 indígenas, casos denunciados pelo Cimi no Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas, o Sr. Danilo Forte declarou: “é um número bom”.

Conseqüências da omissão governamental
No dia 18 de dezembro uma criança de dois anos morreu por falta de assistência, na comunidade Kurusú Ambá. Há 15 dias ela apresentava diarréia e vômito, sem atendimento da Funasa, apesar das insistentes solicitações feitas pela comunidade. Conforme relatam os pais da menina, ela desenvolveu um quadro agudo de diarréia e vômito e a falta de medicamentos levou a desidratação total.

Sua morte aconteceu 48 horas depois que foi denunciado o assassinato de Osmair Fernandes, um jovem de 15 anos que participou da retomada. O corpo do jovem foi encontrado na escola indígena Taquapiry, a oito quilômetros de distância do atual acampamento, com indícios de espancamento e de tortura.

Somente neste ano pelo menos 30 indígenas Guarani-Kaiowá foram assassinados em Mato Grosso do Sul e vários de seus acampamentos atacados e incendiados por milícias armadas. Este povo tem sido vítima de todo tipo de perseguição, discriminação e violência. Enquanto isso, escutamos declarações absurdas como as que foram proferidas pelo presidente da Funasa, a quem compete assistir as comunidades indígenas, independentemente de onde elas estejam localizadas. Cabe ao representante deste órgão informar-se adequadamente sobre os direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição do país onde ele, incrivelmente, exerce uma função pública.

Ao possibilitar esse tipo de discurso, o poder público colabora para criminalizar os povos indígenas, respaldando também as violências praticadas contra eles. As declarações de Danilo Forte tentam isentar a Funasa de suas responsabilidades e, ao mesmo tempo, constituem uma ameaça subliminar aos povos indígenas que se mobilizam nas lutas pelos seus direitos. Por fim, tais argumentos responsabilizam os próprios índios pelas situações de conflito e violência vividas, retirando do foco aqueles que praticam esses crimes e isentando o Poder Público, que deveria proteger e fazer respeitar a vida destes povos.

O tratamento dado aos Guarani-Kaiowá, que sonham em viver em suas terras e lutam para isso, mostra claramente a face genocida da atual política indigenista. Danilo Forte, com suas declarações, se torna uma espécie de porta-voz desta política, cada vez mais escancarada e inegavelmente colocada em curso em Mato Grosso do Sul.

Porto Alegre (RS), 19 de dezembro de 2009.

(Por Roberto Antonio Liebgott*, Cimi / EcoDebate, 21/12/2009)

* Vice-Presidente do Cimi


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