Rogério Almeida, 42, é jornalista de Belém (PA) e lançou recentemente o livro "Pororoca pequena: marolinhas sobre a(s) Amazônia(s) de cá", em que reúne seus textos produzidos entre 2003 e 2009. A obra traz artigos sobre o papel do Estado na Amazônia, as tensões entre os diferentes agentes que disputam a terra e as riquezas da região, bem como projetos de desenvolvimento ali implantados, que causaram diversos danos socioambientais.
Articulista do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e do Ecodebate, além de colaborador da rede Fórum Carajás, Almeida não se considera um jornalista militante e diz que inexiste neutralidade na sua profissão. "Quem produz editoriais como 'pecadores e criminosos', desqualificando a atuação de religiosos e movimentos sociais que questionam os projetos da Vale [mineradora que atua no Pará], não é menos engajado. Tenho uma opção clara: os marginalizados".
Foi ainda na época da faculdade que ele começou a acompanhar movimentos sociais e iniciativas do meio rural. "Com a rede Fórum Carajás, que aglutina organizações de Pará, Maranhão e Tocantins, tive a minha pós-graduação sem parede", afirma. De 1999 a 2003, Almeida viveu em Marabá (PA), região marcada por grandes projetos e luta por terra. "É o lugar onde mais se matou camponês no país, com a maioria dos crimes impunes".
O jornalista concedeu entrevista exclusiva ao site Amazonia.org.br, em que fala sobre seu livro e critica o projeto desenvolvimentista imposto à região amazônica, destacando os impactos negativos causados por mineração e hidrelétricas, que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Confira.
Amazonia.org.br - Você se considera uma minoria dentre os profissionais de imprensa que atuam na Amazônia? Como você avalia a imprensa local?
Rogério Almeida - Creio que sim. Somos animais quase em extinção. A imprensa local, como o desenho da imprensa nos grades centros, é controlada por famílias e associada aos interesses das classes que controlam terras e outros empreendimentos. Não há nuances diferentes. Todos advogam os interesses dos grandes projetos e criminalizam as ações políticas dos movimentos sociais. É complicado até ler jornal. O caso das ocupações nas propriedades em nome da empresa do Daniel Dantas é o exemplo mais recente. Os jornalistas foram levados às áreas de conflitos por aviões fretados pela Agropecuária Santa Bárbara, o braço rural de Dantas. As terras são da União ou do Estado. E nada disso é informado na imprensa local. Nem mesmo dos crimes em que ele [Dantas] já foi condenado e dos processos que ele responde.
O material do seu livro reúne escritos sobre conflitos fundiários e impactos socioambientais de grandes projetos. Durante o tempo em que apurou tais temas, qual foi o caso que mais lhe chamou a atenção e por quê?
Almeida - A Amazônia tem uma situação delicada que é a questão fundiária. O episódio do Daniel Dantas no sudeste do Pará me deixa um pouco perplexo pelo conjunto da obra. É um novo capítulo numa região marcada por grandes conflitos por terra e recursos lá existentes. É um agente novo onde já disputam grandes corporações, indígenas, garimpeiros, camponeses e sem terra. E ainda não se compreendeu qual a intenção do Dantas na região. Seria a de prospecção de minério ou simplesmente a lavagem de dinheiro, crime do qual ele é acusado?
Você já escreveu sobre mineração, hidrelétricas, estradas e grilagem. Em sua opinião, qual o problema da realidade amazônica mais sério e difícil de ser enfrentado?
Almeida - Os projetos de desenvolvimento ainda obedecem à mesma orientação: o saque aos recursos naturais. Creio que PAC vai fomentar mais conflitos e expropriações na região. E o pior é que o Estado financia, a partir do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É o complexo xadrez da região. Creio que temos sempre de buscar uma leitura geral sob pena de análises equivocadas.
Baseado no contato pessoal que teve com as comunidades locais da Amazônia, quais foram as maiores necessidades e dificuldades enfrentadas por esses povos?
Almeida - Vamos para o quintal que conheço um pouquinho melhor, o sudeste do Pará. Lá os projetos de assentamento da reforma agrária representam cerca de 52% do território. É uma população bem significativa. O que fazer para construir uma política de desenvolvimento a partir dessa realidade? É algo complicado. As agendas dos centros de pesquisa, os financiamentos e as obras de infraestrutura não contemplam essa população. O financiamento para a pesquisa na Amazônia é de 1% do orçamento nacional. Como a gente pode sair da nossa condição colonial e de periferia dessa forma?
Creio que seja necessário o debate sobre os projetos de desenvolvimento. Ainda hoje, a lógica tem sido a partir dos grandes empreendimentos, a economia de enclave que socializa somente os desastres. O sudeste [do Pará] é top de linha em trabalho escravo, execuções de camponeses e desmatamento, com vários municípios no ranking da violência. São provas de que algo está errado.
Qual projeto, sobre o qual você escreveu, em sua opinião, causou maiores danos socioambientais à Amazônia?
Almeida - A mineração. Temos ainda as hidrelétricas. Mas, pondero que a gente deva buscar compreender a complexidade a partir do conjunto da obra: grandes empreendimentos e as obras de infraestrutura. A cadeia produtiva da mineração provoca uma rede de impactos nas dimensões ambiental e social. As carvoarias que alimentam os pólos de gusa de Açailândia, no oeste do Maranhão, e o pólo de gusa de Marabá animam o trabalho escravo e a devastação da floresta e do cerrado.
Isso, além da morte dos recursos hídricos. Em Marabá, a situação dos rios e igarapés é grave. A cadeia não dinamiza a economia da região. Nas universidades, há uma base de dados bem significativa sobre o assunto. Mas, como falei antes, é necessário que a gente busque conhecer o conjunto a obra. É uma cadeia, que tem relação com os inúmeros cenários locais e a macroeconomia. Ainda somos um almoxarifado, uma periferia.
Que políticas públicas você defende que sejam aplicadas à Amazônia?
Almeida - É necessário que os marginalizados, que sempre foram quem socializou os prejuízos e os desastres dos projetos implantados até hoje, sejam ouvidos e considerados. A nossa história anda lentamente. As diferenças ainda são resolvidas na bala em pleno século XXI. Creio que não podemos apenas considerar o grande empreendimento. Há sugestões para pesca, fruticultura e pequena produção. Mas, há situações delicadas. Como a pessoa pode produzir polpa de fruta onde nem mesmo há energia elétrica? E somos o terceiro estado em produção de energia. As hidrelétricas são pensadas e erguidas para as empresas de eletrointensivo, como as fábricas de alumínio.
Você escreveu artigos contra a hidrelétrica de Estreito e a BR-163. Você é contra estradas e hidrelétricas na Amazônia?
Almeida - O problema é que os projetos experimentados até hoje são concentradores de terra e renda nas mãos de poucos. E sempre expropriam as populações locais. Há um passivo imenso que deve ser reparado. E a agenda desenvolvimentista sinaliza para o aprofundamento das diferenças. É necessário contemplar as populações que sempre arcaram com os prejuízos e os desastres. Agora mesmo, no caso de Estreito, o Ministério Público Federal vem tentando fazer isso. As grandes corporações não consideram as populações locais. No máximo, fazem perfumaria, que batizam de responsabilidade social.
Sobre quais dos novos empreendimentos e problemas sociais da Amazônia você pretende elaborar futuras reportagens?
Almeida - Creio que Marabá merece atenção especial por conta da siderúrgica da Vale. Avalio que a cidade vai explodir com a migração.
Você acredita na efetivação de um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia?
Almeida - O próprio conceito é um problema. Como combinar desenvolvimento, que prima pelo uso intensivo dos recursos naturais, com a sustentabilidade, que possui pressupostos em oposição ao desenvolvimentismo? Avalio que as populações locais devam ser os protagonistas dos modelos de desenvolvimento. Temos várias Amazônias. O projeto não pode ser homogêneo para toda a região. Até hoje, temos vivenciado projetos criados nos centros mais desenvolvidos. A nossa condição ainda é colonial nas mais variadas dimensões.
(Por Fabíola Munhoz, Amazonia.org.br, 21/12/2009)