A COP-15 demonstrou ser um “espetacular fracasso em seus próprios termos”, mas a sociedade civil teve alguns “êxitos”, como impor temas na agenda climática e fazer ouvir mais forte a voz do sul. Assim ativistas avaliaram seus esforços no encerramento da 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15). Excluídos do Bella Center, sede das conversações oficiais, e suportando a repressão contra algumas das numerosas manifestações, representantes da sociedade civil, reunidos de forma paralela no Klimaforum, também na capital dinamarquesa, destacaram vitórias nas duas semanas de reuniões.
“Apesar da falta de transparência, o movimento social permitiu tornar visível as posturas mais consistentes com a justiça climática, que concebemos como a única forma de transitar para um mundo sustentável”, disse à IPS/Terraviva Eduardo Geisen, coordenador para a América Latina e o Caribe do Programa de Justiça Climática e Energia da Amigos da Terra Internacional. Além disso, “demos um vital apoio para que os países em desenvolvimento se mantivessem unidos diante das exigências do mundo industrializado sem ceder às pressões, que em alguns casos beiraram o colonialismo”, acrescentou.
As duas semanas de atividades no Klimaforum foram encerradas na sexta-feira (18/12) com um espetáculo artístico e a passagam da organização da próxima cúpula paralela, em 2010, a representantes do México e da América Latina. “O sentimento generalizado é o de que o que não foi conseguido no Bella Center se conseguiu no Klimaforum”, em termos de sintonia de conteúdos e construção de alianças, resumiu Giesen. Por sua vez, a jornalista e pesquisadora canadense Naomi Klein exortou os ativistas a não desanimarem. “É realmente importante assegurarmos que não partimos desanimados”, afirmou.
O fato de as negociações no Bella Center não chegarem a um acordo dentro de suas próprias concepções sobre como resolver o problema demonstra que se trata de um modelo falido, acrescentou Klein. “É muito importante contar uma história diferente do que ocorreu em Copenhague. A história deve ser que seu modelo demonstra ser um estrondoso fracasso inclusive em seus próprios termos. E porque seu modelo fracassou, agora é a nossa vez. Portanto, não se permitam ficar deprimidos”, afirmou.
Par Klein, todo o processo está falido por sua ênfase no mercado de carbono e em outros mecanismos de caráter econômico. “O discurso sobre mudança climática foi assaltado por tecnocratas e se tornou extremamente exclusivo. Isto é, na verdade, muito semelhante às discussões sobre comércio há uma década, onde tudo se resumia em conversações incrivelmente longas e impenetráveis. Muita gente pensava: não posso ser parte da discussão, não tenho um título de economia”, acrescentou.
A canadense destacou a necessidade de rechaçar “o modelo” no qual se maneja as negociações no contexto da Convenção. “Devemos rejeitar qualquer medida que permita às nações que criaram o problema fugirem às suas responsabilidades: devem reduzir suas emissões”, enfatizou. Por sua vez, Giesen repudiou organizações não-governamentais internacionais que “seguem o discurso” dos países do Norte e apoiam mecanismos que têm efeitos contraproducentes.
“Somos uma ONG que trabalha com as comunidades pela justiça ambiental. Não nos convertemos em empresas consultoras buscando nos financiar de qualquer modo, como estão fazendo algumas ONGs multinacionais, que viram no mercado de carbono uma forma de ganhar muito dinheiro. Entraram na ordem do capitalismo”, ressaltou Giesen.
Por sua vez, Kelin destacou os “êxitos” das últimas duas semanas. “O mundo rico já não pode alegar que não sabe o que implica deixar de agir. As vozes do Sul, o custo de milhões de vidas, o desaparecimento de países e cultura... tudo isso aterrissou na agenda”, afirmou.
“Mudemos o sistema, não o clima”, é o título da declaração final do Klimaforum, assinada por cerca de 360 organizações de todo o mundo. Preparado há meses e discutido durante a semana passada em Copenhague, o documento de seis pontos diz que “há soluções para a crise do clima. O que precisam os povos e o planeta é uma transição justa e sustentável de nossas sociedades para um modelo que garanta o direito à vida e à dignidade de todas as pessoas, e entregue um planeta mais fértil e vidas mais plenas às gerações presentes e futuras”, afirma. Os signatários cobraram dos governos que deixam de lado os combustíveis fósseis nos próximos 30 anos, com metas específicas para cada período de cinco anos.
Também exigiram redução imediata das emissões e gases-estufa pelos países industrializados de 40% em relação a 1990, e até 2020, bem como o reconhecimento e pagamento da divida gerada pelo consumo excessivo do espaço atmosférico e os efeitos sobre as populações afetadas. O texto rechaça as “falsas e perigosas soluções voltadas ao mercado”, como a energia nuclear, os agrocombustíveis, a captura e o armazenamento de carbono, os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, o carvão vegetal, os transgênicos denominados “climae ready” e a iniciativa REDD (Redução de Emissões de Carbono causadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas).
As “soluções reais” estariam baseadas no “uso seguro, limpo, renovável e sustentável dos recursos naturais, e a transição para a soberania alimentar, energética, sobre a terra e as águas”. Também propuseram um imposto eqüitativo às emissões de dióxido de carbono, em lugar do regime de cotas comerciáveis, e a substituição dos órgãos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, por instituições “equitativas e democráticas”. Além disso, buscam a criação de um mecanismo que controle as operações das empresas multinacionais.
“Independente dos resultados da cúpula de Copenhague, há uma necessidade urgente de se construir um movimento mundial de movimentos que trabalhem no longo prazo a favor de uma transição sustentável para nossas sociedades”, concluíram.
(Por Raúl Pierri e Daniela Estrada, IPS / Envolverde, 21/12/2009)