Em seminário realizado na sexta-feira , dia 18, representantes do Ministério Público observaram que o acesso ao direito ambiental está ameaçado pelo projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa gaúcha.
Na segunda-feira, dia 21, será divulgada a carta do Seminário As diversas faces do PL 154 e a preservação da legislação ambiental gaúcha, promovido pela Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (AMPRS) e pela Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) com o apoio do Ministério Público gaúcho, sobre o PL 154 que pretende alterar toda a legislação ambiental do Rio Grande do Sul e está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembléia Legislativa. Do evento realizado nesta sexta-feira , dia 18, é possível concluir, principalmente, que o acesso ao direito ambiental está ameaçado por este Projeto de Lei devido à falta de informação e conhecimento sobre a Constituição Brasileira, à legislação ambiental do Estado e uma série de outras leis vigentes.
Os trabalhos se iniciaram ainda pela manhã, com o coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, promotor Júlio Alfredo Almeida, que denunciou “um bloqueio por parte da mídia”, que não divulga informações sobre o trâmite do PL 154. “A população não tem acesso à informação; as organizações não-governamentais e a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema) também têm trabalhado e não têm conseguido espaço”, desabafou, se referindo ao mínimo espaço alcançado em apenas três programas entre rádio e televisão, ainda que seja importante o papel das mídias alternativas na multiplicação de informações, como destacou o empenho da EcoAgência no acompanhamento desta pauta.
O resultado desta parca divulgação de informação é o parco conhecimento acerca do que chamou de “direito transcendental” que representa o direito ao meio ambiente, determinado pela Constituição Federal, uma vez que transcende a esta geração, à lei do momento, ao nosso tempo e ao nosso espaço. “Isto está no conceito de vedação do retrocesso social, que visa impedir que o legislador desconstitua, neste caso, um trabalho de dez anos de formação da legislação ambiental no Rio Grande do Sul, nos anos 1990 e 2000, a partir de uma iniciativa desde março ou abril deste ano, alterando toda a conscientização e todas estas conquistas ambientais”, disse. Para Almeida, a finalidade do PL 154 é retirar “cirurgicamente o que incomoda para a exploração dos recursos naturais”, causando o “exacerbamento da agressão ao meio ambiente”. Ele mostrou imagens de destruição e consequentes prejuízos em municípios gaúchos devido à invasão de áreas de preservação permanente, como margens de rios.
Importância das APPs e vedação ao retrocesso
Neste sentido, o pós-Doutor pelo Centre of Environmental Law da Macquarie University (Sydney) e consultor da IUCN, professor José Rubens Morato Leite, ao abordar A ADI contra o recém-aprovado Código Ambiental Catarinense, fez um histórico do caso e explicou a função ecológica da área de preservação permanente (APP): “Serve para reduzir a perda do solo e os processos de erosão, evitar assoreamento das margens do rio, garantir aumento da fauna silvestre e aquática propiciando refúgio e alimento para estes animais, manter a perenidade das nascentes, evitar o transporte de agrotóxicos para os cursos d’água, possibilitar o aumento da água e dos lençóis freáticos, garantir o repovoamento da fauna e maior reconstrução da flora, promover o controle da temperatura tornando o clima mais ameno, trazer a valorização da propriedade rural, formar barreiras naturais contra a disseminação de pragas e doenças da agricultura”.
Morato Leite explicou ainda que, se houve a incorporação de novos direitos e eles já fazem parte do mínimo que a sociedade precisa para ter qualidade de vida, não é possível baixar este nível, sendo este o conceito de vedação do retrocesso ecológico. “Não podemos pensar do ponto de vista exclusivamente econômico. Mas, sim, pensar sistemicamente e em relação à responsabilização e sustentabilidade em longa duração. Quando criamos uma norma, esta tem que ser sob o pilar da sustentabilidade, o mesmo que o mínimo essencial ecológico,” ponderou.
Ameaça ao Estado Democrático de Direito
A ex-coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, procuradora Silvia Capelli, baseou a sua explanação no trabalho feito pelos advogados Beto Moesch – vereador e ambientalista que também participou deste seminário - e Maurício Fernandes da Silva de análise comparativa, que confronta a proposta com as leis em vigor e mostra o que pretende ser revogado ou alterado.
Primeiramente, lembrou que por o Brasil ser um estado democrático de direito, prevê a valorização das manifestações sociais como fonte de produção do direito, acolhendo a participação da sociedade, no processo de discussão e ação política. Citou, no plano internacional, o Princípio 10 da Rio 92; os capítulos 8, 23 e 40 da Agenda 21; a Diretiva 90/313/CEE, de 07/07/1990 do Conselho das Comunidades Europeias e a Convenção de Aarhus, que garante o acesso à informação, à participação nos processos decisórios e o acesso à justiça em temas ambientais. Dentre os dispositivos do PL 154 ligados ao direito à informação e a participação democrática, citou o artigo do PL que pretende revogar o sistema estadual de informações ambientais, apesar de os sistemas estaduais fazerem parte do sistema nacional. Conforme a especialista, o Rio Grande do Sul descumpriria com isso uma das bases do federalismo cooperativo porque o Sisnama (Artigo 6º parágrafo 3º da Lei 6.938/81; lei geral de acesso a informação ambiental, 10.650/03), ficaria sem o instrumento agregador do Estado.
Referente ao artigo do PL 154 que prevê a exclusão da participação das ONGs, afirma que este vai de encontro ao princípio de promover a conscientização da sociedade para a preservação do meio ambiente previsto no artigo 225 da Constituição e a participação ativa que é um dos princípios da política nacional de meio ambiente. Silvia explicou que a participação em Conselhos está prevista: pelo Conama, através da Lei 6.938/81, artigo 8º ; pelos Consemas e Conselhos Municipais, por leis estaduais e municipais; pelo Conselho de Recursos Hídricos e Comitês de Bacia, pela Lei 9.433/97 e Decreto 4.613/03; pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, com a MP 2.186/01 e o Decreto 3.945/01; pelo Conselho de Gestão das Unidades de Conservação com a Lei 9.985/00 e o Decreto 4.340/02; e pelo Conselho das Cidades, com o Decreto 5.031/04.
“Um golpe terrível para a democracia” seria, para ela, retirar a atribuição do Consema para definir padrões de qualidade ambiental e para estabelecer diretrizes para a conservação e preservação dos recursos. “A Constituição Brasileira é muita avançada e nos traz um conceito de ação que coloca a população como co-responsável com o poder público na execução da política ambiental, o que dá a idéia de que o meio ambiente não é do estado, é da sociedade”, disse. De acordo com Silvia, “os dispositivos do PL 154 atentam contra o princípio da publicidade e da participação popular, são inconstitucionais por ferirem os dispositivos que os regulam, como o Estado Democrático de Direito, a co-participação da sociedade na preservação do meio ambiente; o direito fundamental a informação e os princípios da administração pública”. Dentre as inconstitucionalidades e ilegalidades do PL 154, apontou: as relacionadas ao federalismo cooperativo; ao descumprimento de regras relacionadas à Política Nacional de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos e à Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais e à Lei de Acesso às Informações Ambientais.
MP atento à Constituição
A alteração da abrangência na atuação do Comando Ambiental da Brigada Militar é um dos dispositivos legais propostos pelo PL 154 que visa fragilizar as regras de proteção ambiental, segundo o professor e advogado especialista em Direito Ambiental, Gustavo Trindade, que abordou O Poder de Polícia Ambiental no Brasil e no RS e o PL 154. “Há uma clara intenção de criar um caos na legislação federal para que seja necessária uma alteração por completo das leis”, disse ao citar a coluna de um grande jornal gaúcho, onde se lia recentemente que o Ministério da Agricultura sugeria aos grandes produtores rurais que não se preocupassem em relação ao prazo de três anos para averbar a reserva legal e se comprometer com a recuperação da APP. Ele interpreta que, neste período, planejam alterar toda a legislação ambiental vigente e manter o descumprimento das regras que regulam o exercício da atividade rural privada.
Trindade ainda citou o estudo da Embrapa que mostra a agricultura e a pecuária gaúchas como as menos produtivas do Brasil. “Provavelmente, é porque o produtor não mantém áreas mínimas necessárias à preservação, não averba reserva legal para que esta biodiversidade possa se manter e fazer o controle de pragas, para que tenhamos água para produção, para que não tenhamos enchentes que invadam as lavouras”, disse.
Na página da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa, onde se encontra em análise o PL 154, a informação é de que as reuniões ordinárias acontecem às terças-feiras, a partir das 9 horas, as quais os movimentos sociais e ambientais têm acompanhado neste segundo semestre, quando descobriram a existência do PL 154. Por ser inconstitucional, mesmo que o projeto passe nesta Comissão, o Ministério Público do Estado garante que ajuizará uma ação. Por haver recesso na Assembléia, as reuniões devem ser retomadas em janeiro de 2010.
(Por Eliege Fante, EcoAgência, 20/12/2009)