Para professores, a obra repete o planejamento equivocado que levou São Paulo ao colapso atual e o investimento, ao privilegiar os carros, aumenta o caráter segregacionista da cidade
Vários dos mais respeitados professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU – USP) lançaram um manifesto rechaçando a construção das novas pistas da Marginal Tietê, na capital paulista. A obra do governo do estado, orçada em mais de R$ 1,3 bilhão, motivou um novo texto de repúdio, agora com a possibilidade de adesão de toda a população por um abaixo-assinado online. Elaboraram o texto 20 urbanistas do porte de Nabil Bonduki, colaborador de administrações municipais paulistanas e ex-vereador, e Raquel Rolnik, relatora especial das Nações Unidas sobre o Direito à Moradia Adequada.
“Tal obra repete práticas de planejamento equivocadas, que levaram a metrópole ao colapso atual. Ao invés de reverter tal lógica, prioriza o transporte individual em detrimento do transporte coletivo, reproduzindo uma política excludente, além da triste tradição brasileira de obras vistosas que beneficiam a minoria e os setores especializados da construção civil. Ela se opõe frontalmente aos princípios de priorização do transporte coletivo sobre o individual constante do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e dos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras”, manifestam os especialistas.
O texto lembra que os carros estão concentrados nas mãos dos mais ricos e que boa parte da população é obrigada a fazer deslocamentos a pé por falta de condições econômicas. Com isso, todas as obras viárias da cidade nos últimos anos, somadas, seriam suficientes para a construção de toda uma linha do metrô, que beneficiaria muito mais pessoas.
Os urbanistas ponderam que os esforços empregados na expansão do metrô aumentaram, mas ainda são completamente insuficientes, e mais 20 anos serão necessários para alcançar a quilometragem de subterrâneo da Cidade do México. O sistema de trens, embora com extensa quilometragem, carece de conforto.
“Esse fabuloso investimento em um urbanismo rodoviarista em detrimento da construção de um sistema de transporte público amplo, eficiente e limpo, que atenderia à maioria da população, é um assustador retrocesso, que caminha na contramão da atual preocupação mundial com o meio ambiente. Acreditamos que as políticas públicas urbanas devam ser ambientalmente responsáveis e pautadas pelo atendimento das demandas da maior parte da sociedade”, aponta o manifesto, que ainda lembra os graves problemas de saúde gerados pela poluição gerada a partir dos automóveis, com morte de crianças e adultos.
A situação se agrava ainda mais porque, na opinião dos urbanistas, os enormes investimentos não resolverão o problema de trânsito da cidade, e nem mesmo da Marginal Tietê.
(Por João Peres, Rede Brasil Atual, 17/12/2009)