Nos dias que precederam a abertura da cúpula de Copenhague, a Índia foi a grande protagonista: a recusa de aceitar qualquer quadro temporal e numérico sobre o corte das emissões, seguida pelo anúncio de um “corte voluntário” de 20-25% até 2020, fizeram com que Nova Déli passasse, em poucos dias, da mesa dos incriminados à dos heróis.
A medida surpresa, de fato, criou uma brecha no grupo dos países – principalmente em desenvolvimento – contrários a um acordo a todo custo. Mas descontentou a mais famosa cientista e ecologista indiana, Vandana Shiva, de partida para Copenhague. “É um sinal negativo. A Índia se alinhou com aqueles que querem desmantelar os acordos de Kyoto, não melhorá-los”, diz.
Por que uma afirmação tão dura?
Vandana - Aparentemente, tudo está em jogo sobre a possibilidade que países como a China ou a Índia assinem um acordo. Mas essa é só a aparência: a realidade é que já temos um tratado que compromete os países desenvolvidos a ficar dentro de determinados tetos de emissões. É preciso que esses compromissos sejam respeitados: não um novo tratamento em que o Sul do mundo se curva às exigências dos Estados Unidos. Quem se opõe neste momento faz bem.
Mas o fato de que a Índia tenha se comprometido a reduzir as suas emissões não é positivo?
Vandana - Não neste contexto. Partimos de um acordo, o de Kyoto, que o governo norte-americano nunca assinou. E que agora está se empenhando para anular. A Índia está colaborando com a destruição do único instrumento à nossa disposição para parar as mudanças climáticas.
Portanto, para a senhora, seria melhor que não se chegasse a nenhum acordo em Copenhague?
Vandana - Não sou eu que digo isso, são especialistas do calibre de James Hansen, o climatologista mais famoso do mundo. Um acordo nestas condições não serve. O que devemos fazer agora é manter os compromissos assumidos em Kyoto e trabalhar para dar passos adiante, não para trás.
Por que o acordo de Copenhague seria um passo atrás?
Vandana - Porque a conta do desenvolvimento dos países ricos acabará na mesa dos pobres. Essa é a cúpula da grande indústria e dos governos que estão de acordo com ela. O que sairá dali será, no máximo, um acordo de tipo feudal. A Índia e a China já subiram a bordo desse barco. Além disso: quem produz na Índia e na China? As indústrias norte-americanas, e por isso esses países não podem ignorar os interesses dessas indústrias.
E então por que a senhora vai à cúpula?
Vandana - Porque estou confiante de que na Dinamarca pode nascer um movimento novo: poucos assuntos no mundo mobilizaram a opinião pública como as mudanças climáticas. Nos próximos anos, haverá sempre mais pessoas se comprometendo em nível nacional e local: crescerão os pedidos de cidades com menos carros e de produtos agrícolas mais limpos. Isso fará a mudança, quando for levado a uma grande escala.
Não lhe parece utópico?
Vandana - Não, completamente, porque não estamos falando de potenciais catástrofes, mas de coisas que já estão acontecendo. Devemos pedir respostas verdadeiras aos governos, não compromissos políticos vazios.
(Mercado Ético, OngCea, 16/12/2009)