O pequeno município de Governador Celso Ramos (SC), situado a 40 km de Florianópolis, com cerca de 14 mil habitantes, desperta o interesse de investidores de resorts e loteamentos de alto padrão. A vila de pescadores, que conserva tradições dos colonizadores açorianos, atrai grupos como Invest Tur/LA Hotels, dono da bandeira Txai, do grupo Santa Paula e empresários espanhóis. A ideia é explorar a região, que conta com 30 praias e extensa área ecológica preservada.
Nas contas da prefeitura, os investimentos previstos para os próximos cinco anos em empreendimentos voltados ao turismo de alta renda poderão chegar perto de R$ 3 bilhões. O maior deles é o Quinta dos Ganchos, do grupo espanhol Atlântica Brasil. Prevê cinco hotéis, quatro campos de golfe e marina, no valor de € 750 milhões em quatro anos. O projeto já tem a licença ambiental prévia, concedida pelo órgão estadual Fatma.
Outros projetos de porte na região são o Vilas do Sissial, um resort de investidores brasileiros, estimado em R$ 90 milhões; o Tinguá, dois resorts idealizados pelo grupo Santa Paula, de Ourinhos (SP), cujo volume de investimentos não é revelado; além do empreendimento da rede Txai (cerca de R$ 100 milhões). Há ainda um projeto da Xanahi Participações, com recursos iniciais de R$ 35 milhões.
Esses projetos vão aumentar em uma vez e meia a arrecadação do município, que poderá investir esses recursos em infraestrutura. Também geram emprego, renda e atrairão escolas para capacitação da mão de obra, diz o prefeito Anísio Soares (PMDB). A arrecadação anual é de R$ 24 milhões.
Os projetos devem mudar o perfil do município. Hoje, há na cidade apenas dois hotéis, dois resorts e 12 pousadas. A população vive uma vida pacata, com poucos turistas, conserva tradições como a farra do boi e sua principal renda é proveniente da pesca e da maricultura. De acordo com a prefeitura, entre 60% e 70% do território é considerado área de preservação.
Governador Celso Ramos é considerada a última joia da coroa, define Enrico Luiz Soffiatti, administrador do projeto Quinta dos Ganchos, referindo-se ao fato de que essa área ficou durante alguns anos escondida porque o litoral de Santa Catarina era conhecido, basicamente, por Balneário Camboriú e Florianópolis. Com a ocupação crescente desses dois destinos, restou a busca por municípios vizinhos que tivessem atrativos naturais e áreas de grande porte desocupadas.
A área adquirida pela Atlântica Brasil, companhia que reúne sete empresas espanholas do ramo de incorporação imobiliária, é de 12 milhões de m2, equivalente a 1,2 mil campos de futebol. A previsão é iniciar a construção no segundo semestre do ano que vem.
Governador Celso Ramos vem sendo comparado pelos empresários a Angra dos Reis (RJ). A intenção é explorar suas águas calmas, ilhas próximas e praias ainda desertas, fazendo do local um destino de alta classe. Boa parte dos empreendimentos terá, além das hospedagens, um lote voltado a residências de alto padrão. No caso do projeto do grupo espanhol, o modelo de referência são as residências de Fort Lauderdale (Flórida, EUA), onde é possível que os barcos parem em frente às casas.
Alguns empresários vêm comprando terras na região de Governador Celso Ramos desde os anos 70. Hilário Freitas, da Xanahi Participações, possui duas áreas, uma de 600 mil m2, onde já tem uma residência para receber clientes e amigos, e outra de 155 mil m2 onde pretende construir um resort. Estou batalhando há 10 anos para conseguir as licenças ambientais, diz ele, que é membro da família Freitas, dona da empresa Cecrisa. Hilário, que possui empresas do ramo de máquinas e equipamentos no sul de Santa Catarina, tem discutido na justiça as questões relativas a seus empreendimentos, que chegaram a ser embargados.
De acordo com informações do Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC), há diversas ações relacionadas aos projetos turísticos previstos para esse município, já que a região objeto de desejo dos empreendedores é, em grande parte, uma área de preservação ambiental. Ali estão duas unidades de conservação federal, a chamada APA do Anhatomirim, onde está a Fortaleza de mesmo nome, e a Reserva Biológica do Arvoredo, sob cuidados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Em áreas que estão sob fiscalização do Estado, cabe à Fatma conceder as licenças.
O MPF-SC não deu entrevista, mas em uma das ações desse tipo questiona a construção que chegou a ser feita sob área de restinga e o sistema individual de esgotos para verificar se há ou não comprometimento do lençol freático.
Luis Antônio Garcia Corrêa, diretor de licenciamentos da Fatma, diz que o órgão tem sido cauteloso, por isso a demora em boa parte dos processos. Ele entende que há discussões complexas dentro da legislação ambiental podendo ser questionado, por exemplo, o que se entende por restinga. Alguns processos são judicializados em função dessas discussões, diz. A Fatma é ré em algumas ações movidas pelo MPF-SC, assim como a prefeitura de Governador Celso Ramos, pelas concessões feitas. O licenciamento é técnico, não é feito com emoção. Se eu acho bonito ou feio não posso externar isso, seguimos o que diz a legislação, defende-se Corrêa.
Luis Cadenas, administrador do projeto Vilas do Sissial, explica que existe uma preocupação dos investidores com a preservação, uma vez que o próprio empreendimento tem a natureza como seu principal atrativo. Exemplifica afirmando que a área total é de 1,4 milhão de m 2, mas a densidade ocupacional será baixa. Serão utilizados 300 mil m 2, sendo que parte desse volume será de área verde. Reconhecemos que há áreas a serem preservadas, diz. Em 2010, o grupo espera ter todo o processo de licenças aprovado e começar a construção em 2011. O projeto, além de um hotel, contempla uma pousada com 12 bangalôs e 78 lotes para construção de casas.
Cadenas diz que há outros projetos sendo pensados para a área, ainda em fase embrionária, mas com características similares: Recantos da Armação e o Eco Condomínio Ilhéus, além da construção de uma marina.
Na opinião do diretor-geral do grupo Santa Paula, Manoel Lucas Martins Filho, o investimento em Governador Celso Ramos representa o aporte em uma das melhores praias do país, um local de fluxo de iates e lanchas de alto nível, mar transparente e areia clara, onde é possível ver a embarcação refletida no mar, como nas ilhas gregas, compara. Há seis anos existe o projeto Tinguá, mas ainda encontra dificuldades na questão ambiental. Martins Filho espera ter os processos de revalidação de licenças concluídos (ele chegou a ter licenças no passado) até meados de 2010. O projeto contempla dois resorts e lotes de residências de alto padrão em uma área de 520 mil m2, sendo ocupada 40% da área.
Algumas compensações têm sido estabelecidas com os novos investidores. A maioria destinará alguns recursos para tratamento do esgoto da cidade. Hoje, segundo a prefeitura, Governador Celso Ramos conta com apenas metade de sua rede concluída.
Para os investidores que já estão no município, como o Palmas do Arvoredo, que comercializa lotes na área, a avaliação é de que as áreas do município já estão escassas. Os novos empreendimentos representam nova concorrência no ramo hoteleiro, mas também já começam a trazer, segundo a gerente de vendas Leila Martini, um benefício para quem comercializa terras: valorização do metro quadrado.
(Por Vanessa Jurgenfeld, Valor Econômico / Agronline, 14/12/2009)