Durante toda a manhã desta segunda (14/12), cerca de 150 pescadores e agricultores da região da Foz do Rio Chapecó participaram da audiência pública promovida pela Comissão de Pesca e Aquicultura da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Padre Pedro Baldissera (PT), e que teve também a participação do deputado Pedro Uczai, do mesmo partido.
O principal encaminhamento tirado do encontro foi a solicitação para que o Ibama e demais órgãos federais envolvidos não concedam a licença de operação para o Consórcio Foz do Chapecó Energia, que está construindo uma hidrelétrica na área, enquanto não forem solucionados todos os problemas sociais, ambientais e econômicos que vêm se acumulando desde o início das obras.
A audiência pública aconteceu no auditório da Universidade do Norte do Paraná (Unopar), no município de São Carlos, um dos mais seriamente atingidos pelo empreendimento. O principal problema levado pelos participantes é o tratamento dado aos pescadores e agricultores sem título de posse das terras, além de outros trabalhadores, que não têm seus direitos de indenização reconhecidos pela empresa.
De acordo com o presidente da Colônia Z-35, Hélio Paulo Mergen, desde que as explosões para a construção da barragem começaram os trabalhadores da pesca vêm experimentando uma forte queda em seus rendimentos. “Só a nossa colônia reúne umas 100 famílias de pescadores. Famílias que historicamente sempre sobreviveram da pesca neste trecho do Rio Uruguai. Mas esses pescadores, que antes tiravam dois ou três salários mínimos de renda mensal, hoje mal conseguem tirar um salário”, reclamou. Mergen acrescentou que peixes de espécies como dourado e cascudo ficaram escassos, enquanto outras desapareceram do rio, como bracanjuva e piava.
Mas o problema envolve um número muito maior de pessoas. Um integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Pedro Melchiurs, disse que enquanto o EIA-RIMA, feito pela Engevix, apontou 1.720 famílias atingidas, o levantamento do Ibama identificou 2.447 famílias nesta condição. “Nós, do MAB, calculamos que são mais de 3 mil famílias, ou seja, um universo de 10 mil a 12 mil pessoas que tiravam seu sustento da terra e do rio e que estão sendo expulsas de uma área total de 17 mil hectares, considerando a área alagada e a de preservação permanente. Essas pessoas, hoje, já estão começando a inchar um pouco mais as favelas das cidades maiores.”
O chefe de Assuntos Estratégicos e Relações Institucionais do Ministério da Aquicultura e Pesca, Luis Sabanay, anunciou, durante a audiência, que o movimento dos pescadores da Foz do Rio Chapecó serviu de base para que o governo federal mobilizasse 11 ministérios, além da Casa Civil e da Secretaria Geral da Presidência da República, para o reconhecimento dos pescadores como atingidos por barragens.
Ele acredita que em mais 40 ou 50 dias o processo de reconhecimento, que abrangerá todo o Brasil, estará finalizado, garantindo à categoria uma série de direitos que vinham sendo ignorados. “Quem tem terra e pode comprovar, tem indenização. Quem não tem, quem vive da água, está fora da política rural brasileira e não tem esse mesmo direito reconhecido. A nova norma visa mudar essa realidade e já atende uma determinação do presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva – PT) quanto a não querer passivos ambientais e sociais ao final de seu governo.”
Sabanay também falou sobre o Programa Novo Rumo, de mitigação de impactos, elaborado pelo consórcio, mas rejeitado pelos trabalhadores. Segundo adiantou, o programa será recepcionado para que seja adequado aos critérios técnicos, normativos e metodológicos do Ministério da Aquicultura e Pesca. “Para tanto também fizemos um acordo com o Ibama para que só dê seu parecer sobre o Novo Rumo em consonância com os critérios do nosso ministério, condicionando ainda à aprovação dos pescadores da Foz do Rio Chapecó.”
O proponente da audiência pública, deputado Baldissera, reconheceu que há muito a ser resolvido, mas chamou a atenção para os avanços obtidos, especialmente no que tange ao reconhecimento dos pescadores como atingidos por barragens. “Aí está o coração dos pescadores. Esse reconhecimento vai permitir uma série de outras ações e medidas importantes, porque tratam de direitos em benefício desta categoria.
Uczai classificou a audiência como “excelente” por tudo o que propôs (leia a pauta de encaminhamentos). Ele lembrou aos presentes que era prefeito de Chapecó quando se começou a falar da construção de uma hidrelétrica na Foz do Rio Chapecó. “Naquela ocasião definimos que não seria dada licença para a construção sem que antes fossem encaminhadas soluções para os problemas que viriam. Agora estamos às vésperas de encher o lago e nada foi resolvido.”
Assim como Baldissera, ele também parabenizou o Ministério da Aquicultura e Pesca pelo profundo envolvimento com a causa dos pescadores da região. Mas lamentou a atuação do Ministério das Minas e Energia que, para Uczai, deve ser mais pressionado. “Esse ministério não tem sido solidário com os atingidos, com os movimentos sociais, e comunga com as empresas na prática de dividir para dominar”, criticou.
Também compuseram a mesa da audiência pública o prefeito de São Carlos, Hélio Godói, o chefe do escritório local do Ibama, Carlos Vinícius Gonçalves, e o gerente da Pesca e Aquicultura do Estado de Santa Catarina, José Sebastião Marcatti, representando o secretário de Estado da Agricultura, Antônio Ceron.
Tensão
Enquanto as soluções não vêm, o clima continua tenso na região. Na semana passada, um grupo de aproximadamente 60 pescadores fechou o acesso às obras e a Polícia Militar foi chamada ao local. Segundo o comandante do 2º Batalhão, Ricardo Assis Alves, os trabalhadores só aceitaram encerrar a manifestação após uma negociação em que houve o compromisso, por parte de Ênio Schneider, engenheiro da empresa, de comparecer à audiência pública de hoje, o que não ocorreu.
Durante o encontro da manhã, várias manifestações indicaram a possibilidade de uma nova invasão às instalações do consórcio. O vereador Marcelino Chiarello, de Chapecó, representando a Associação das Câmaras de Vereadores dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (Acamosc), resumiu a preocupação da região. “A barragem tem dia e hora para fechar as comportas e os problemas sociais e ambientas não podem ficar para depois dessa data. Não podemos deixar que esse empreendimento de mais de 2 bilhões de reais, que vai usufruir das águas dos nossos rios por 30 anos ou mais, deixe para nós problemas sociais, ambientais e econômicos. É uma herança que rejeitamos.”
A gravidade da situação vivida ali motivou o sociólogo Sadi Baron, militante do MAB, a pedir que “essas empresas que não têm responsabilidade social, compromisso com o bem-estar da população, sejam descredenciadas de próximas licitações ou concorrências públicas. Porque esse passivo social vai ter que ser resolvido pelo poder público. Isso é um calote social”.
Essa também foi a linha da manifestação de Rodrigo Zancanaro, representante do MAB na mesa da audiência pública. Ele se disse frustrado com o “tratamento social” que os atingidos vêm recebendo por parte do governo federal e alertou que a obra está sendo financiada com recursos do BNDES, portanto, verbas públicas.
“Um banco de desenvolvimento econômico e social está patrocinando o empobrecimento da nossa região. As prefeituras terão perda econômica e outros trabalhadores também sofrerão as consequências que para nós são mais imediatas”, previu. E provocou: “Até agora a lei que predominou foi a lei da empresa. De agora em diante, teremos que construir as nossas leis para sermos reconhecidos. Não podemos recuar e temos que lutar até o fim”.
Manifestações
Volnei Bukoski, representante da Colônia de Pescadores Z-29 – “Até o nosso sonho de preservar está sendo enterrado. Por toda a vida cuidamos dos rios, plantamos árvores nas margens e preservamos as nascentes, e hoje vêm as grandes empresas destruindo, excluindo.”
Edemar Vilke, pescador – “Perdemos no mínimo 80% da nossa produção pesqueira desde o início da obra. Não somos baderneiros! Roubaram nosso rio. Eles são os bandidos, não nós! O Lula quer vir inaugurar a obra, mas só se todos os problemas estiverem resolvidos.”
Adão Ribiski, representante da Colônia de Pescadores Z-29 – “Tenho 55 anos e sou pescador há 48 anos. Sobrevivia da pesca, mas em 2008 tive que sair da pesca porque ou ia morrer de fome. As autoridades têm que reconhecer que esses 23 quilômetros da alça do Rio Uruguai não têm mais peixe e nunca mais terão. É crime ambiental e não se faz nada?”
Vereador Leonir da Cunha, de Águas de Chapecó – “Esses trabalhadores deixam suas casas para acampar na beira da estrada, no sol, na chuva, e lutar por aquilo que já é deles. Estão tirando o rio do pescador. É o mesmo que tirar a terra e mandar plantar. Onde? Como?”
Luciano Valmor Rodrigues da Silva, agricultor – “A empresa não tem interesse na gente. Eu tinha certeza de que o Ênio (Schneider) não vinha. O dinheiro que está sendo investido lá é nosso, porque é do BNDES. A situação está invertida. Hoje temos que sair de nossas casas para lutar por um direito que já era nosso. Os critérios para indenização só consideraram os proprietários, ignorando arrendatários, pescadores, meeiros.”
Nicanor José de Oliveira, agricultor – “Não sou pescador, mas sou pequeno agricultor. Desde os meus avós, sempre habitamos na costeira do Uruguai e dali tiramos nosso sustento. Meu pai tem 90 anos e vê penalizado secarem o rio. E a água que vai restar vai ser morta, o espelhamento da água vai aumentar o calor na região, vão surgir doenças nas roças por causa do aumento da umidade. Como é que a gente vai viver daqui para frente?”
Encaminhamentos
- Chamar para a audiência já agendada com o Ministério das Minas e Energia para o dia 28 de dezembro, o MAB, pescadores, Casa Civil, Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério de Aquicultura e Pesca e Ibama;
- Impedir a liberação da licença de operação ao Consórcio Foz do Rio Chapecó Energia;
- Solicitar que a Comissão de Direitos e Garantias Fundamentais da Assembleia marque nova audiência pública para apurar denúncias de abusos praticados pela empresa;
- Retomar o trabalho das comissões locais que discutem os problemas e apontam soluções;
- Exigir a revisão geral do Programa Novo Rumo;
- Aprovar na Assembleia e nas câmaras de vereadores da região requerimentos contendo as principais reivindicações. O documento deverá ser encaminhado aos ministérios e demais órgãos federais envolvidos;
- Expor ao Comando Geral da PM que a defesa da propriedade da empresa tem que estar abaixo da defesa do direito anterior, que é dos pescadores e agricultores;
- Pedir celeridade ao governo federal em reconhecer os pescadores como atingidos;
- Solicitar ao engenheiro Ênio Schneider que marque uma audiência e receba os movimentos com a pauta de reivindicações, antes do dia 28 de dezembro.
(Por Andréa Leonora, Ascom Alesc, 14/12/2009)