Empresa espera receber créditos de carbono para isso. Ambientalistas são contrários ao projeto.
Vista do alto, a península de Kampar, na Indonésia, se estende por vários quilômetros de densas florestas de árvores e arbustos. Uma das maiores florestas de turfa também é um dos maiores depósitos de dióxido de carbono, uma moeda potencialmente lucrativa à medida que os governos de todo o mundo tentam traçar um tratado climático global. O depósito, porém, está vazando.
Canais – legais e ilegais – vão dos rios ali perto até quase o centro impenetrável da península. Ao drenar e secar a turfa lentamente, eles contribuem para tornar a Indonésia a terceira maior emissora de gases de efeito estufa, após a China e os Estados Unidos. Os vazamentos eram evidentes para uma família de pescadores desta aldeia, logo ao sul da península, enquanto remavam em uma canoa.
"Sei que a turfeira está vazando porque a água aqui está ficando mais barrenta e ácida", disse Amiruddin, 31 anos. Como muitos indonésios, ele usa apenas um nome, enquanto sua mulher, Delima, 29 anos, pegava água cor de café do riacho para beber. Governos, cientistas, empresários e ambientalistas já estão discutindo sobre que tipo de florestas deveria se qualificar como redutoras de carbono e que tipo de projeto deve receber recompensas financeiras.
As discussões sobre Kampar se tornaram particularmente acaloradas, não apenas por sua importância ecológica, mas porque, até agora, o plano mais detalhado para impedir os vazamentos de turfa vem de uma fonte improvável: uma grande empresa de papel e celulose que, de acordo com seus críticos, tem sido uma das forças motoras do desmatamento na Indonésia.
A empresa, a Asia Pacific Resources International Limited, APRIL, quer criar um anel de plantações de árvores industriais em torno da península, a fim de preservá-la.
Além disso, ela espera receber créditos de carbono para isso, de acordo com um programa das Nações Unidas para recompensar países por conservarem florestas e reflorestarem áreas degradadas. O programa, chamado de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD, em inglês), deve fazer parte do novo tratado do clima.
Controvérsia
Grupos ambientalistas afirmam que as empresas, após anos degradando a Indonésia, não devem ser recompensadas pelo programa. "Foram elas que causaram os danos", disse Michael Stuewe, especialista em Indonésia do World Wildlife Fund. "Agora estão dizendo: 'Éramos os maus, agora somos do bem. Então nos deem dinheiro'".
As empresas argumentam que o programa da ONU poderia lhes oferecer incentivos financeiros para preservar florestas, mesmo enquanto elas expandem suas operações, um objetivo apoiado pelo governo indonésio, que vê a indústria de papel e celulose como um pilar para o desenvolvimento econômico do país
"Talvez nós possamos reduzir as emissões anuais da Indonésia em 5% apenas com este projeto", afirmou Jouko Virta, presidente do fornecimento de fibra da APRIL, referindo-se ao plano da empresa de cercar o centro da península. "É tão significativo. Um único projeto."
A maior parte da península continua desabitada por seres humanos, apesar de pequenos acampamentos de pescadores serem encontrados em seus riachos. Mais significativos são os madeireiros ilegais vistos operando em bases ao longo de alguns canais e rios. E a leste daqui, perto da aldeia de Pulau Muda, mais de uma dúzia de casas ladeiam um longo canal que vai dar na península, no que parece ser o maior assentamento em Kampar.
A terra encharcada de árvores e plantas decompostas algumas vezes tem até 15 metros de profundidade e armazena bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Uma vez seca ou desmatada, a turfeira libera muito mais dióxido de carbono do que as florestas úmidas; o fogo em uma turfeira queima por semanas e é a principal causa da nuvem que cobre periodicamente partes da Indonésia. A maioria dos especialistas acredita que, como as florestas úmidas, a proteção das florestas pantanosas de turfas será elegível para créditos de carbono pelo programa da ONU.
A península de Kampar é um dos últimos trechos de verde remanescentes na Sumatra central, onde as florestas foram derrubadas para dar lugar a plantações de dendê e de árvores para fins industriais, especialmente as da APRIL e de sua principal rival, a Asia Pulp and Paper, ambas pertencentes a conglomerados indonésios. De acordo com o World Wildlife Fund, aqui em Riau, a província onde as duas empresas têm seus principais moinhos e plantações, dois terços das florestas desapareceram nos últimos 25 anos.
Concessões
Com suas parcerias, a APRIL tem concessões do governo para explorar um terço de Kampar, e diz que seu anel de plantações de acácias em torno do centro vai impedir maior devastação, mas diz que precisa adquirir mais terra para completar o círculo. Nas plantações já em operação, a empresa usa uma sofisticada rede de canais e represas que minimiza o vazamento da turfa, reconhecem grupos ambientalistas.
Se a APRIL adquirisse o controle do centro da península, poderia ser paga para protegê-lo. A empresa acredita que pode, no mínimo, ser compensada pelo anel, metade do qual seria de plantações de acácias e metade ficaria como floresta natural ou "áreas de conservação".
"O carbono sendo armazenado nas áreas de conservação poderia ser financiado pelo REDD", disse Virta em uma entrevista no moinho de 1.700 hectares da APRIL, cerca de duas horas a oeste daqui de carro.
Agus Purnomo, diretor do Conselho Nacional de Mudança Climática do governo, disse que seriam necessários meses ou anos de negociações após a conferência do clima de Copenhague para determinar se o anel da April poderia receber créditos de carbono.
Muitas coisas dependerão da inclusão no acordo de estipulações contra a conversão de florestas naturais em plantações industriais. A Indonésia, como outros países possuidores de indústria de papel e celulose, contabiliza plantações de árvores para fins industriais como florestas.
Bill Barclay, diretor da Rainforest Action Network, disse que a prioridade na Indonésia deveria ser "deter a conversão de florestas naturais" e "maior drenagem da turfa". Entretanto, esse tipo de argumento tem pouco respaldo em um país cuja economia ainda está em desenvolvimento.
Purnomo, do conselho de mudança climática do país, afirmou que membros do governo temiam que a posição da Indonésia como terceiro maior emissor de gases de efeito estufa pudesse aumentar a pressão para reduzir emissões. "Vamos continuar subdesenvolvidos por causa disso?" perguntou.
(The New York Times / G1, 13/12/2009)