Ao longo das últimas duas décadas, reuniões como as do G8, do Fórum Econômico em Davos e da Organização Mundial do Comércio (OMC) consolidaram-se como centro do enfrentamento entre movimentos de todo o mundo e os representantes do Estado Capitalista (que só muda de nacionalidade, mas mantém as mesmas características qualitativas). A luta anti-capitalista e anti-globalização ganhou muita força graças a esses acontecimentos.
Entretanto, as inúmeras conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) sempre gozaram de certo status de democracia. A presença de representantes de todos os países e a necessidade de consenso durante as negociações ainda são como pilares da democracia representativa. A voz dada às organizações não governamentais (normalmente grandes ONGs transnacionais) e a certa tolerância às manifestações públicas completam o teatro, com uma cereja de democracia direta.
Obviamente, toda esta encenação não teria suporte por muito tempo sem expor suas contradições. Alguns sintomas desta falência já vêm aparecendo: a desmoralização mundial diante da intransigência bélica estadunidense; a presença assustadora de grandes corporações do complexo agroindustrial nas Conferências de Biodiversidade; a ausência de prioridade das nações de capitalismo avançado sobre as Conferências da FAO.
Entretanto, a Conferência sobre as Mudanças Climáticas tem potencial para deixar marca como divisor de águas. Enquanto o espaço oficial está repleto de grandes corporações (Coca-Cola, Google, Microsoft, Mercedez-Benz e brasileiras como Vale, Odebrecht, entre diversas outras), os movimentos sociais e entidades comprometidas com os povos e o planeta sofrem com uma terrível guerra psicológica implementada pelo governo dinamarquês, anfritrião da conferência.
Há poucas semanas foi aprovado no parlamento Dinamarquês, em tempo absolutamente recorde, uma lei repressiva contra mobilizações. Para demonstrar a brutalidade da lei, alguns exemplos: caso os manifestantes não cumpram imediatamente a voz de dispersar, poderão ser multados em 80 euros; caso resistam, fiquem juntos ou desenvolvam qualquer outra forma de obstrução à repressão policial, podem ficar presos por 40 dias. E estas sanções se aplicam a cidadãos europeus! No caso de estrangeiros, a deportação é imediata e o retorno à União Européia é proibido sumariamente!
E a repressão não irá atuar apenas no momento das mobilizações. Desde a noite do dia 08/12, a fronteira entre a Dinamarca e a Alemanha está fechada para qualquer militante social - ou seja, para qualquer um que a Polícia considerar uma "ameaça". A região sul da Dinamarca está com vários destacamentos policias prontos para as grandes mobilizações do dia 12 e 16/12. O serviço de inteligência também está a todo vapor. Nas últimas semanas tem seguido militantes juvenis e feito ameaças. Ontem, dia 9/12, uma casa onde estão alojados jovens militantes europeus foi invadida sem qualquer justificativa e as pessoas ali alojadas levadas para a delegacia.
A Conferência das Mudanças Climáticas, por sua vez, permanece num silêncio retumbante. Isolada em um local distante da cidade, cercada por policiais e arames farpados, torna-se cúmplice do Estado Policial. Esta é a democracia capitalista referenciada pela ONU. Pergunta-se: há possibilidade de construir algo diferente a partir deste falido sistema?
(Por Luiz Zarref*, MST, 10/12/2009)
* Luiz Zarref é integrante da Via Campesina