Gravação entregue pelos indígenas ao MPF mostra ação da PM, que agiu sem ordem judicial de reintegração de posse. MPF pediu abertura de inquérito à Polícia Federal
Um vídeo e áudio gravado pelos indígenas da Terra Indígena Buriti, no Mato Grosso do Sul, foi entregue ao Ministério Público. A gravação foi feita durante ação da Polícia Militar (PM) na desocupação da fazenda Querência São José, em Dois Irmãos do Buriti, sudoeste do estado, em 19 de novembro.
O áudio revela conversa entre um grupo de fazendeiros e índios, em que os primeiros afirmam que, “se não houver desocupação, haverá embate”. O vídeo mostra a tropa de choque da PM avançando pelo terreno, em direção aos indígenas, seguida pelos fazendeiros. A ação resultou em pelo menos dois índios feridos e na desocupação da fazenda. Os índios afirmam que foram impedidos de levar pertences pessoais e utensílios domésticos, entre eles um freeezer vertical, que foram deixados na área. Eles ocuparam a fazenda por 32 dias, antes de serem desalojados.
O material em áudio e vídeo foi entregue ao procurador da República Emerson Kalif Siqueira e, após sua reprodução, foi encaminhado à Polícia Federal (PF) para ser incorporado ao inquérito que investiga essa e uma outra ação anterior da PM, ocorrida em 20 de outubro. Naquele dia, os indígenas da Terra Indígena (TI) Buriti resistiram a uma tentativa de desocupação da área pela PM, quando dois deles foram baleados com artefatos de borracha (Alegarde Alcântara e Juarez da Silva Figueiredo).
O inquérito tem como objeto de investigação os crimes de lesão corporal dolosa e abuso de autoridade, podendo abarcar, durante o seu desenvolvimento, outras condutas delitivas eventualmente constatadas. Testemunhas foram ouvidas e as vítimas passaram pelo exame de corpo de delito.
Para o MPF, as gravações desmentem nota da PM, que afirmou que a ação em 19 de novembro era para “evitar qualquer animosidade dos produtores rurais contra os indígenas” e que a fazenda teria sido desocupada porque os indígenas ficaram “assustados”.
Terra Indígena Buriti
Os indígenas da TI Buriti reivindicam uma área de 15,2 mil hectares, na região de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, no sul do estado. A área atual da terra indígena é de dois mil hectares, onde vivem 4,5 mil pessoas, em nove aldeias. A área reivindicada já foi considerada por perícia judicial antropológica e histórico-arqueológica como terra de ocupação tradicional indígena.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) havia cassado uma decisão liminar de 1ª instância e considerou válidos os estudos demarcatórios que ampliam a área da na TI Buriti - que engloba a fazenda Querência São José - mas o processo de demarcação foi interrompido por um recurso judicial dos proprietários da área. Embora o recurso impetrado pelos proprietários não tenha o poder de impedir o processo de demarcação, a Fundação Nacional do Índio (Funai) decidiu esperar pela decisão final da Justiça.
O recurso terá que ser julgado em uma sessão (por 12 desembargadores), mas está há dois anos sem qualquer andamento, o que levou os indígenas a organizar interrupção da BR-163, em Campo Grande, em 6 de novembro, para pedir agilidade no julgamento.
Número do Processo no TRF-3: 2000.60.00.001770-9
(Ascom MPF/MS / Procuradoria Geral da República, 09/12/2009)