A Justiça Federal determinou que a Tractebel Energia S/A realize auditoria ambiental, por meio de equipe multidisciplinar, durante dez meses, com objetivo de aferir a poluição e os danos causados ao meio ambiente, especialmente à saúde humana, devido ao funcionamento de uma usina termoelétrica. O custo da auditoria é avaliado em mais de R$ 1 milhão e, caso não seja realizada, a Tractebel terá que arcar com multa diária no valor de R$ 500.
A decisão, baseada em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, também determinou que a Fundação do Meio Ambiente (Fatma), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) cooperem e auxiliem na fiscalização da auditoria ambiental, com o objetivo de facilitar o acesso e a compreensão das normas legais e administrativas.
A ação foi proposta pelo procurador da República em Tubarão Celso Antônio Três, que quer, também, que a usina indenize as pessoas vitimadas por doenças em razão das emissões, além de impor a adequação dos níveis de poluição, hoje muito acima dos permitidos. Além da usina, o procurador arrolou como réus na ação, a União, a Aneel, a Fatma e o Ibama. Conforme a Justiça, a indenização às pessoas deverá aguardar a auditoria ambiental.
A Tractebel, que desenvolve indústria de fornecimento de energia elétrica com fonte de carvão mineral, considerada uma das atividades mais poluentes do mundo, atua com base em estudo de impacto ambiental (EIA) feito em 1986. Deficiente, desde aquela época, o MPF requeria, judicialmente, sua atualização e renovação.
Saúde afetada
O MPF, à época dos fatos, arrolou estudos que atestaram que a população desta região da usina apresentava índice médio de mortalidade por neoplasias (câncer) e doenças respiratórias (bronquites, sinusites, alergias, etc.) superior ao resto do território catarinense e nacional. Outro dado levantado na ação aponta que a mortalidade de crianças menores de 1 ano por doenças respiratórias, anomalias congênitas, notadamente no sistema nervoso, incluindo anencefalia (fetos sem cérebro) também são superiores ao resto do país.
Além disso, no sul catarinense, apenas os registros oficiais, apontam diversos casos de pneumoconiose (petrificação dos pulmões), moléstia típica causada pela poluição do carvão mineral. O gado, criado para consumo humano, também é contaminado com a deposição das cinzas nas pastagens.
Para o procurador da República Celso, em 2003, por exemplo, a Tractebel obteve lucro líquido de R$ 517 milhões. “Aos cidadãos restaram tarifa de energia exorbitante e poluição desmedida. Hoje, a Tractebel não sofre qualquer fiscalização, apenas autofiscalização”. Segundo ele, os relatórios elaborados são precários e “acriticamente acatados pela Fatma”, sem qualquer tipo de aferição do que e do quanto a usina polui, ou seja, o que efetivamente é lançado à atmosfera pelas chaminés.
Atualmente, o monitoramento do ar é feito em três postos próximos à Tractebel, nos municípios de Capivari, Bairros Vila Moema e São Bernardo de Tubarão. Esses postos diagnosticam o índice de dióxido de enxofre (SO2) e material particulado (MP), ou seja, partículas em suspensão, substâncias que não sedimentam, mantendo-se na atmosfera por vários meses ou anos, sendo que as menores de dez microns penetram nos pulmões das pessoas.
Conforme o estudo de impacto ambiental, foram previstos postos móveis de controle, além de um fixo, no centro de Tubarão – que também nunca foram exigidos pela Fatma. O EIA recomendou, ainda, controle da chuva ácida à distância de 300 km, porém também não há qualquer controle em relação a esse quesito. A Fatma autorizou a Tractebel emitir 156.671,17 toneladas/ano de dióxido de enxofre(SO2). Essa e as demais emissões ultrapassam em muito os limites da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 08/90. Violam também a Convenção da ONU sobre a Mudança do Clima, da qual o Brasil é signatário.
Conforme o procurador, poluentes altamente lesivos não são objeto de qualquer análise. Entre os exemplos citados por Tres, somada a poluição total em dez anos de atividade da usina, serão emitidos, entre outros elementos: Arsênio, mais de 22 toneladas (carcinógeno); Bário, 53 toneladas (altamente tóxico); Boro, mais de 320 toneladas; Chumbo, mais de 100 toneladas (afeta o desenvolvimento cerebral das crianças, causando distúrbios de atenção e desempenho escolar); Flúor, mais de 3.380 toneladas (causa morte da medula óssea e dos dentes); Selênio, mais de 40 toneladas (carcinógeno); Urânio, mais de 500 kg (radiativo).
Entre as providências mais óbvias que não foram impostas à Tractebel por parte da Fatma está a questão das chaminés, que deveriam possuir maior altura, a fim de facilitar a dispersão da poluição. Segundo ele, um terço de toda usina continua com chaminés de apenas 100 metros, o que leva a poluição, ao invés de espargir-se na atmosfera, a descender ao solo, diretamente sobre a população.
Entenda mais
A Jorge Lacerda foi inaugurada em 1957, com 100 megawtts/hora, e já era a maior termoelétrica da América Latina (857 mw/h). Porém, apenas quando iniciada a unidade IV (363 mw/h), em 1986, foi feito o EIA, que recomendava estudos epidemiológicos, jamais exigidos pela Fatma. Com a Jorge Lacerda IV, inaugurada em 1997, aumentada substancialmente a poluição, agravou-se o problema.
Visando à privatização, formou-se a Gerasul, privatizada em setembro de 1998. O controle acionário da empresa foi arrematado pela Tractebel, multinacional com sede na Bélgica. Com o passar dos anos, sua capacidade de geração de energia foi constantemente aumentada, contudo sem suficiente fiscalização ambiental.
(Ascom MPF/SC / EcoDebate, 10/12/2009)