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pensamento de esquerda marina silva Partido Verde
2009-12-09

“Marina Silva pode se construir como alternativa, com a chama mudancista, aplicando a medida correta da intransigência em relação a certos princípios e valores que o PT abandonou”, relatou Chico Alencar, em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail, com o apoio dos nossos parceiros do CEPAT. O deputado federal pelo RJ falou sobre o escândalo do “mensalão do DEM” e as consequências desse novo episódio de corrupção para as eleições presidenciais que ocorrem no segundo semestre do próximo ano. Além disso, Alencar refletiu sobre a candidatura de Marina e as possibilidades de o PSOL apoiá-la.

“O PSOL decidiu, em seu Diretório Nacional, que só definirá sua tática eleitoral em março de 2010, numa conferência com representantes do partido de todo o país. Até lá, já estamos fazendo debates na militância, claro, e dialogando, a partir de pontos programáticos, com os movimentos sociais, com a pré-candidatura própria já colocada, a de Plínio de Arruda Sampaio, com outras que possam ser apresentadas, com os aliados da disputa nacional anterior, de 2006, PCB e PSTU, e também com a pré-candidatura de Marina Silva, do PV”, acrescentou.

Chico Alencar é formado em História pela Universidade Federal Fluminense e é mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas. É professor licenciado de Prática do Ensino de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2002, foi eleito Deputado Federal pelo PT, e, em 2006, foi reeleito pelo PSOL.

Confira a entrevista.

IHUnisinos – Como o senhor avalia o mais recente escândalo de Brasília?
Chico Alencar –
Há duas novidades, sempre lamentáveis, nesse novo escândalo conhecido como ‘mensalão do DEM’: é o mais bem documentado esquema de corrupção já visto neste país, envolvendo figuras públicas do Executivo, do Legislativo e do mundo empresarial. Há também suspeitas sobre membros do Judiciário. ‘As cenas não falam por si’, disse Lula: sim, elas gritam, ululam! E ainda tem a “oração da propina”, aquela ‘benção’ que os bandidos se dão, agredindo o sentimento religioso de nosso povo. O outro ineditismo é o protagonismo do DEM, que desde que mudara de nome, deixando de ser PFL, vinha buscando afirmar-se com marca de partido renovado, ético. Pura balela. Quem acompanha mais de perto a vida política sabe que o patrimonialismo, o coronelismo, o clientelismo e todos os métodos que acompanham estas concepções políticas são inerentes ao DEM/PFL. Eles usam o nome “democratas” em vão.

Quais são as implicações desse escândalo para as eleições de 2010?
Alencar –
O discurso ético, da defesa da moralidade pública, vai perder espaço na campanha de 2010. O roto não poderá falar do esfarrapado!  Todos os grandes partidos são investigados por esquemas pesados de corrupção: o PSDB, pioneiro com o ‘mensalão mineiro’ do então governador e hoje senador Eduardo Azeredo; o PT, com seu ‘mensalão delubiano’; o PMDB de Jader Barbalho, Renan Calheiros, Sarney etc; o DEM/PFL de Arruda e comparsas – por sinal, PSDB e PPS tinham grande força na administração brasiliense.  Mas é claro que essa cumplicidade de assemelhados espúrios não representa a sociedade brasileira inteira: haverá demanda para propostas alternativas à falsa polarização PT e aliados X tucanos e sócios. O PSOL não abre mão de se diferenciar, propositivamente. Mas o desencanto com a política, crescente, vai estar presente.

O senhor acredita que a candidatura de Marina Silva pode ocupar o lugar da utopia que um dia foi do Lula?
Alencar –
Marina Silva pode se construir como alternativa, com a chama mudancista, aplicando a medida correta da intransigência em relação a certos princípios e valores que o PT abandonou. Seu rompimento, não previsto, com o PT e o governo, é positivo. Quanto a ser uma alternativa real, é uma possibilidade. O primeiro passo é revelar a propalada ‘refundação do PV’, que até agora não se viu. O partido é mais furtacor, no sentido da sua geleia ideológica – apoia Lula, Serra, Kassab, por exemplo – do que verde, ecológico.

O segundo passo é Marina mostrar um perfil mais definido, menos diluído nos seguidos elogios à gestão dos últimos 15 anos, de FHC e Lula. Ela aprova este modelo econômico?  Este sistema político? Será apenas a continuação, ‘melhorada’, de tudo o que está aí? O que é exatamente ‘desenvolvimento sustentável’, que hoje absolutamente todos defendem, até megaempresários, sem necessidade de praticá-lo? O PSOL tem dialogado com esta pré-candidatura, buscando essa nitidez.

O PSOL lançará candidatura própria à presidência ou apoiará Marina Silva?
Alencar –
O PSOL decidiu, em seu Diretório Nacional, que só definirá sua tática eleitoral em março de 2010, numa conferência com representantes do partido de todo o país. Até lá, já estamos fazendo debates na militância, claro, e dialogando, a partir de pontos programáticos, com os movimentos sociais, com a pré-candidatura própria já colocada, a de Plínio de Arruda Sampaio, com outras que possam ser apresentadas, com os aliados da disputa nacional anterior, de 2006, PCB e PSTU, e também com a pré-candidatura de Marina Silva, do PV.  É nesse campo que estamos nos movimentando, e já há uma profusão de documentos defendendo, com rica argumentação, todas essas hipóteses. Mas a decisão final será da militância, na Conferência Eleitoral. Estou até sugerindo a possibilidade de uma consulta direta a todos os nossos filiados. Seria o mais democrático, ao meu juízo.

O senhor defende o apoio à Marina ou à candidatura própria?
Alencar –
Defendo uma aliança nacional com Marina, mas com condições: a de ela assumir uma postura crítica ao modelo econômico e político que FHC e Lula implementaram, inclusive com auditoria da dívida e defesa de uma Reforma Política radical; postura claramente contrária à corrupção sistêmica que envolve todos os grandes partidos e a maioria dos pequenos; sinais claros da ‘refundação do PV’, escoimando o seu partido de fisiológicos e oportunistas; e maior definição da centralidade da questão ambiental, que implica em problematizar as possibilidades do sistema capitalista ser ecologicamente sustentável.

Tenho dúvidas de que ela possa ou mesmo queira avançar na direção desses pontos, mas temos a obrigação de tentar, no diálogo respeitoso. O PSOL faz alianças, e alianças são sempre com os diferentes de nós, com escopo programático mínimo. Aliás, o debate que estamos fazendo com essa e outras forças políticas também serve para montar as bases do nosso programa de governo, indispensável para a alternativa de candidatura própria, que pode vir a ser uma necessidade.

O PSOL já tem cinco anos de vida, porque o partido não cresce?
Alencar –
O PSOL, por ser um partido de orientação socialista e, portanto, estratégico, não quer crescer como plantação de alfaces, e sim como cultivo de jabuticabeira, aliás, a única fruta autenticamente brasileira: devagar, mas com raízes e longa vida. A esquerda não-lulista continua muito fracionada e, é verdade, ainda não realizamos nossa pretensão de reaglutiná-la. Mas já estamos com 50 mil filiados, e os critérios para a vinculação ao partido não são frouxos, como nos outros, que têm cerca de um milhão de fichas assinadas...

Há, no Brasil e no mundo, uma grave crise de participação política, induzida pelo sistema do mercado total e do individualismo, e nós sofremos também seus efeitos. Temos também um “internismo” demasiado, uma tentação de nos satisfazermos com as disputas ideológicas no interior do partido, que ainda é mais de correntes do que uma organização com correntes. Tudo isso nos debilita, mas não tira, de modo algum, o imperativo da nossa existência, construção e crescimento. O PSOL continua sendo uma necessidade histórica para os setores populares. Mas isso, por si só, não garante nossa permanência.

O governo Lula caminha para o seu final. Qual o balanço que o senhor faz?
Alencar –
Lula enfraqueceu a politização do nosso povo, desconstituiu o PT como referência de luta política progressista, reforçou o personalismo e consolidou, no senso comum, a ideia de que só se faz política com ‘pragmatismo’ e um certo grau de esperteza. Sua era assemelha-se à de FHC, mas não é idêntica: por sua origem e formação, Lula, percebido pelo povo como um Silva, um ex-pobre, sobrevivente da grande tribulação, imprimiu a marca de ‘sensibilidade social’ com seus exitosos programas assistencialistas. Na política externa, houve avanços, inclusive na boa relação com governos efetivamente de esquerda e de mobilização social em ‘nuestra América’.

Trata-se de um governo de muitas ambiguidades: transitamos no neoliberalismo puro e duro, da privataria absoluta, para um governo social-liberal. Mas os grandes conglomerados, baseados nas seguidas megafusões, nos fundos de pensão e nos financiamentos estatais do BNDEs, estão a pleno vapor.  No setor financeiro, industrial, tecnológico, energético, de alimentos e varejo, toda semana há notícias dessa neomonopolização. O capitalismo brasileiro ganha nova fisionomia, e o governo Lula tem papel importante nesse processo.  Não por acaso, Delfim Netto recém disse que “Lula salvou o capitalismo no Brasil”.  E não por acaso Maluf complementou: “Lula, Sarney, Collor e eu não temos grandes diferenças de visões e ideologia”.

O sociólogo Rudá Ricci afirma que a Era dos movimentos sociais no Brasil acabou, que os mesmos se transformaram em organização, com hierarquia, recursos, equipamentos. Qual é a sua visão como historiador?
Alencar –
Li o artigo de Rudá e concordo em boa parte com sua reflexão/denúncia. Mas não absolutizaria, afirmando que “a era dos movimentos sociais acabou”.  Ao contrário, vejo – no MST, por exemplo – um certo incômodo com essa institucionalização, essa oficialização, essa domesticação. Alguns movimentos, em especial os sindicais, ficaram de fato prisioneiros das estruturas mantenedoras do Estado. Mas movimentos sociais autônomos, questionadores e organizadores do povo com independência política continuam sendo fundamentais para constituirmos aqui uma democracia de alta intensidade, uma República digna do nome: participativa, com políticas públicas universais redutoras das desigualdades sociais.

O senhor sempre foi identificado como cristão e participa do Movimento Fé e Política. Qual é a sua avaliação dos rumos da Igreja no Brasil?
Alencar –
As Igrejas – tanto a Católica quanto outras denominações com tradição histórica – vivem, no Brasil e no mundo, uma inflexão conservadora um tanto fundamentalista. Talvez como reação ao notável crescimento das evangélicas de recente formação, que infantilizam ao extremo a fé da nossa gente, numa perspectiva salvacionista e individualista. Mas há movimentos de base vivos, na linha da Teologia da Libertação, que seguem sendo fundamentais: uma nova maneira de ser Igreja é possível e necessária.  Incorporando, inclusive, a questão ambiental, do cuidado com o planeta, do dever cristão de evitar o envenenamento planetário, o ecocídio. Conversão, agora, para além da pessoal, é também no nosso modo de conviver, de produzir e de consumir.  As Igrejas sempre tiveram contradições. A duas horas da suntuosa Roma do poder está Assis, a do pobrezinho, a do cântico das criaturas. A História nos ajuda: trata-se agora de viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver.

O senhor é candidato ao governo do Rio em 2010?
Alencar –
Não! Nosso entendimento é de que o PSOL precisa ter presença institucional, inclusive para reforçar, através dessa presença, a luta popular, pois pouquíssimos a reverberam nas instâncias estatais, no parlamento. Então, o pleito de 2010, a meu ver, deve ter para nós o objetivo de ampliar mandatos parlamentares.  Não acumulamos força suficiente para disputar com chances reais de vitória eleitoral nenhum governo estadual.  Estaremos na disputa, fazendo o contraponto com os grandes partidos e seus esquemas milionários, ‘mensaleiros’.

Mas a orientação predominante é colocar na disputa proporcional, para deputados, os nossos quadros mais conhecidos, com mais chances de vitória.  Tanto que Heloísa Helena tentará voltar ao Senado por Alagoas, enfrentando as poderosas oligarquias de Renan Calheiros e Collor. Nada está definido, mas, no Rio de Janeiro, há uma opinião predominante de que eu deva, para ajudar o partido, tentar mais um mandato de deputado federal. Por mim, caso isso aconteça, será o último. Afinal, há muitas maneiras de contribuir para a organização do povo em busca de outra sociedade igualitária, participativa, socialista.

(IHUnisinos, 08/12/2009)


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