A maioria dos três mil moradores do distrito de Maniaçu, a 30 km de Caetité (757 km de Salvador), continua consumindo água captada na bica do chafariz público da localidade, mesmo com a interdição do local, desde o último dia 2. Sabendo que o bombeamento seria suspenso, a pedido do Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá), a população se antecipou e encheu reservatórios e tanques. De acordo com relatório do órgão, nesse chafariz foi encontrado o nível mais alto de radiação: 0,5 para alfa e 2,3 para beta. Os limites determinados pelo Ministério da Saúde são 0,1 e 1, respectivamente. Em níveis elevados, as duas radiações provocam câncer.
O distrito fica a pouco mais de 12 km da unidade mineradora de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB). A população, contudo, não demonstra temor. “Desde que o chafariz foi construído, em 1971,eu apanho águalá enunca adoeci, então acredito que não tenha problema. Vai ficar ruim é agora porque a água ficou escassa”, lamentou o lavrador Valter da Silva.
A dona de casa Rosa Maria Frota, que reside em frente ao chafariz,também lamentou a interdição. “Muita gente usa essa água pra beber, lavar casa, molhar lavouras e matar a sede da criação. É a única que a gente tem, contaminada ou não”, comentou.
Além das residências, a água da bica é usada no posto de saúde, mercado municipal, comércio e escolas. “A gente sempre viveu em paz, mas depois desse tal urânio a vida virou um inferno. Por isso que, mesmo lacrado, o povo ainda confia e dá um jeito de apanhar a água”, disse o gari Onésimo da Rocha Gomes.
Apesar da reportagem ter constatado que a população continua consumindo a água contaminada, o vigilante da bomba d’água, Florisvaldo Porcino da Silva, garante que ninguém mais tem acesso a água. “A prefeitura está mandando água, mas é pouco para a gente”, interveio o lavrador José Carlos Rodrigues.
Escolas Nodistrito de Juazeiro, próximo ao de Maniaçu, o chafariz continua servindo aos moradores, inclusive crianças do Colégio Municipal Bento Oliveira Lédo. Em novembro do ano passado, a análise da amostra de água apresentou contaminação cinco vezes acima do limite permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Desde o último dia 2, quando o Ingá detectou alto índice de radioatividade nas amostras de água da cacimba em frente à Escola Municipal Dom Eliseu Resende, no distrito de Lagoa Grande, zona rural de Lagoa Real, as aulas foram suspensas, deixando mais de 400 alunos sem aulas. A prefeitura informou que serão instalados dois reservatórios, um de sete mil litros, para atender à escola, e outro de 15 mil litros, para as famílias.
Nova coleta de amostras deve definir as causas do problema
Técnicos do Ingá começaram sábado (05/12) uma nova coleta de amostras nos poços e mananciais com suspeita de radiação. Dia 27 de novembro o órgão solicitou a suspensão do abastecimento de água em seis pontos onde foram detectados altos índices de radioatividade.
O diretor-geral do Ingá, Júlio Rocha, declarou que a nova coleta avaliará de forma precisa a qualidade das águas. “Caso seja comprovada responsabilidade da INB na contaminação, as outorgas serão revogadas”, sustentou.Rocha deixou claro que “se for comprovadoo nexo causal entre a contaminação das águas e a atividade industrial da INB, a empresa pode ser multada em até R$ 1 milhão”. A previsão é que os resultados sejam divulgados na primeira semana de janeiro.
INB
O coordenador de Comunicação Externa da INB, Mário Moura, procurado pela reportagem, disse que a empresa se manifestaria por meio de nota. O documento explica que “cinco dos seis pontos de água nos quais o Ingá detectou a presença alterada de radioatividade, ficam situados entre 13 e 23 km da mina operada pela INB em Caetité, sem qualquer possibilidade de contaminação pelas atividades da mina”. A nota contesta relação entre a contaminação e o vazamento de solvente, em 28 de outubro.
(Por Juscelino Souza, A Tarde / Blog do Greenpeace, 07/12/2009)