Movimentos sociais consideram que Justiça deveria ocupar-se dos mais de 600 assassinatos por disputas agrárias no Pará
Ações de reintegração de posse de áreas griladas no Pará estão entre os alvos de um mutirão fundiário anunciado nesta sexta-feira (04/12) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O mutirão pretende avaliar ações de proprietários de grandes áreas ocupadas, em sua maioria, por agricultores sem terra. O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes - que na sexta-feira (04) esteve em Marabá para dar início ao mutirão do Judiciário -, espera que sejam conduzidas conciliações para evitar novos conflitos em uma das regiões mais violentas do país, o sul e o sudeste paraenses.
Várias das áreas em que o CNJ quer promover conciliação são grandes propriedades em que historicamente são promovidas ocupações por agricultores sem terra. Pelo menos uma dessas fazendas pertence ao banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e outra já foi flagrada empregando pessoas em regime de trabalho análogo à escravidão. O Instituto de Terras do Pará (Iterpa) confirmou à reportagem da Rede Brasil Atual que há diversas áreas griladas incluídas no mutirão.
Além da violência por conflitos de posse, não foi por acaso que o estado foi escolhido pelo CNJ para a abertura dos trabalhos. Gilmar Mendes, que mais de uma vez criticou ações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pressiona abertamente para que a governadora Ana Júlia Carepa (PT) acelere o cumprimento das ações de reintegração de posse.
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Pará decidiu enviar ao STF os casos de disputas agrárias locais, o que gerou polêmica nos bastidores do Judiciário e do governo estadual. A Casa Civil e o procurador Geral do Estado apressaram-se em negar desconforto e garantiram não se tratar de uma intervenção federal no estado.
O foco do governo foi lembrar que as liminares de reintegração têm sido cumpridas sempre que fica comprovada a legalidade da terra, ou seja, que as propriedades não são griladas, que a função social da área é cumprida e que não há desrespeito à legislação trabalhista. Além disso, o estado afirma que a política de enfrentamento aos conflitos fundiários passa pela incorporação de um milhão de hectares já destinados a 11 assentamentos de trabalhadores rurais.
Coincidência ou não, nesta sexta-feira a Procuradoria-Geral do estado entrou com ações para que sejam revogadas as reintegrações de posse de duas fazendas cujos títulos eram grilados – as áreas são patrimônio estadual.
O presidente do Iterpa, José Heder Benatti, manifesta preocupação com a possibilidade de o mutirão promover a reintegração de áreas ilegais. A Secretaria de Segurança Pública do estado mobilizou efetivos policiais que estarão à disposição para promover o cumprimento de liminares. Benatti não está seguro de que o evento promovido por Gilmar Mendes terá efeitos positivos. "Por que razão o Judiciário vai reintegrar uma propriedade que não cumpre a função social? Movimenta-se todo o aparato e a pessoa não tem título de propriedade. Essa questão precisa ser analisada", pondera.
A julgar pela nota oficial do CNJ sobre o mutirão, o foco será mesmo a reintegração de posse. "Há 16 liminares não cumpridas no município. Nosso objetivo é fazer uma remoção pacífica, deslocando os ocupantes das terras para outro imóvel", afirma o coordenador das ações, Marcelo Berthe, no comunicado do conselho.
O Ministério Público Federal informou à reportagem que, de acordo com os dados levantados junto à Justiça Federal, não há qualquer reintegração pendente na região de Marabá. O procurador da república André Casagrande Raupp, que entende não haver motivo para o envio dos casos ao Judiciário Federal, aponta que o principal esforço deveria ser pela conciliação, já que a região é de expansão da fronteira agrícola brasileira, o que potencializa a ocorrência de conflitos.
“Na questão de reintegração, o que não pode haver é descumprimento da ordem judicial. Deve ser executada com rapidez. Uma segunda questão é ver se de fato a posse é ilegal”, aponta.
Manifestações
Durante o ato de lançamento do mutirão, representantes de movimentos sociais distribuíram um manifesto no qual protestam contra o benefício dado a "fazendeiros e grileiros de terras públicas". O texto destaca que a crescente migração de famílias pobres para a região agrava as tensões graças à ausência de políticas públicas e que o Pará tem 6 mil títulos falsos de terras.
José Batista Afonso, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Marabá, alerta que o CNJ espera reintegrar a proprietários privados terras que são de domínio público e sobre as quais já houve até decisão judicial. Para ele, o ministro Gilmar Mendes desrespeita a Constituição, em especial naquilo que diz respeito à definição de áreas improdutivas.
"Em síntese, entendemos que fazer mutirão para exigir cumprimento de liminar é desconhecer os problemas graves do conflito no campo, em especial nessa região do estado. O CNJ deveria focar nas causas geradoras dos problemas. Um ponto é o combate à impunidade. Além dos títulos falsos de propriedade, são mais de 600 assassinatos apenas nessa região, e nenhum mandante de crime foi condenado", lamenta.
(Por João Peres, Rede Brasil Atual, 04/12/2009)