Uma nova desgraça foi acrescentada aos futuros malefícios do aquecimento global. Além de poder causar declínio na produção de alimentos e aumentar o nível do mar, a mudança no clima também vai incentivar mais guerra na África.
Baseado na história recente de conflitos e temperatura, um estudo feito por pesquisadores nos Estados Unidos indica que em 2030 a incidência de conflito na África ao sul do deserto do Saara será 54% maior, resultando em adicionais 393 mil mortes em combate.
"Nós certamente não alegamos que todas as guerras estão vinculadas ao clima, ou que o clima é a causa única de qualquer guerra. Tudo que dizemos é que, em média, as guerras civis na África historicamente têm muito mais probabilidade de ocorrerem em anos quentes, e que o aquecimento futuro poderá aumentar a probabilidade dessas guerras", disse à Folha o principal autor do estudo, Marshall Burke, da Universidade da Califórnia em Berkeley.
O artigo, publicado na última edição da revista científica "PNAS", baseou-se nos conflitos ocorridos entre 1981 e 2002 e que tenham causado cada um ao menos mil mortos em batalhas. Incluindo os desastres humanitários provocados pelas guerras, como os deslocamentos de refugiados, menos comida e mais doença, as mortes são contadas aos milhões.
Crise no campo - Mas como o calor ajudaria a causar guerras tão diferentes entre si como a luta entre tutsis e hutus em Ruanda ou a guerra civil no Sudão?
"Nós acreditamos que o mecanismo ligando clima e conflito seja a produtividade agrícola. A maioria dos estudos recentes sobre causas de conflito mostrou que o conflito está intimamente relacionado com crise econômica; na África, as economias estão diretamente ligadas à produtividade agrícola; e nós sabemos que a produtividade agrícola é muito sensível a mudanças na temperatura", argumenta Burke.
A equipe de cinco pesquisadores lembra no artigo que a agricultura responde por mais de 50% dos produtos internos brutos dos países africanos e é responsável por até 90% dos empregos em muitos deles. E para cada grau Celsius de aumento de temperatura, a produtividade de culturas básicas diminui entre 10% e 30%. Eles notaram que, no período estudado, cada grau de aumento na temperatura correspondia a um aumento de 4,5% nos conflitos no mesmo ano.
"Declínios na produtividade agrícola induzidos pela temperatura devem estar associados com aumento de conflito. Isso é apoiado por evidências subjetivas em boa parte da África, como os conflitos no Mali, Níger e partes do Chifre da África a leste, mas, repito, não queremos atribuir nenhuma guerra em particular a apenas uma causa", continua o pesquisador.
Entre os cenários contemplados no estudo está um mais "otimista", que também inclui no modelo um crescimento econômico per capita de 2% e níveis de democratização semelhantes aos do período estudado. "Nós descobrimos que nenhum dos dois é capaz de superar os grandes efeitos do aumento de temperatura na incidência de guerra civil", escreveram os autores no artigo na "PNAS" (www.pnas.org).
"O último elemento em nossa defesa é que nós tentamos controlar cuidadosamente as características individuais de cada país - quão ricos ou pobres eles são, quão democráticos são - e, mesmo controlando essas variáveis, o forte sinal da temperatura permanece", afirma Burke.
(Folha Online / AmbienteBrasil, 07/12/2009)