Além de provocarem mortes, destruição e medo, os recentes temporais que abalaram o Estado também lançaram nuvens negras de preocupação sobre o futuro. Estudos recentes e avaliações de especialistas indicam que mudanças climáticas tendem a multiplicar a ocorrência de chuvaradas e vendavais em solo gaúcho, fazendo de novembro de 2009 um alerta sobre as possíveis consequências dessas alterações.
Embora o aquecimento das águas do Oceano Pacífico (o chamado El Niño) seja apontado como a principal razão dos temporais que castigam o Rio Grande do Sul desde o começo da primavera, outros fatores podem estar contribuindo para a surpreendente fúria da natureza. Um deles é a escalada da temperatura média no Estado – que aumentou, em média, 0,5°C em um período de três décadas, e a tendência de as chuvas se concentrarem em meses mais quentes.
Uma comparação entre a precipitação registrada por 24 estações meteorológicas gaúchas entre 1975 e 2004 mostra que, nesse período, choveu 8% a mais no Estado do que nas três décadas anteriores (veja ilustração na página ao lado). Esse crescimento, porém, foi maior no outono, na primavera e no verão do que no inverno.
– A migração da chuva para os períodos mais quentes, associada à tendência de aquecimento, significa que a formação de grandes nuvens convectivas acompanhada de chuva, vento e granizo poderá se intensificar – afirma o professor de Climatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Francisco Eliseu Aquino.
Esse cenário é mais preocupante porque o Rio Grande do Sul se localiza em uma região historicamente suscetível a temporais formados pela combinação de grande umidade com temperaturas elevadas (chamados tecnicamente de complexos convectivos de mesoescala). Esse fenômeno resulta na formação de grandes aglomerados de nuvens, capazes de gerar chuva torrencial, ventos superiores a 100 km/h e queda de granizo – a terrível combinação experimentada pelos gaúchos nas últimas semanas.
Estado está no corredor de tornados
Um estudo norte-americano publicado este ano no International Journal of Climatology demonstra que os temporais desse tipo formados na região entre o sul do Brasil, o norte da Argentina e o Paraguai estão entre os maiores e mais intensos do mundo – enquanto nos Estados Unidos (outra área de tempestades frequentes) eles abrangem até 164 mil quilômetros quadrados de área e duram cerca de 10 horas, nas proximidades do Estado eles alcançam, em média, 256 mil quilômetros quadrados (quase a área total do Rio Grande do Sul) e duram 14 horas.
Além disso, em uma comparação com um trabalho similar referente ao início dos anos 80, o estudo apontou dimensão e duração crescentes desses fenômenos. No período entre 1998 e 2007, eles foram em média 27% maiores e duraram duas e horas e meia mais do que entre 1981 e 1983.
Como resultado, o Rio Grande do Sul também se firma em meio ao chamado “corredor de tornados” da América do Sul. Outro estudo norte-americano, divulgado no começo dos anos 2000, indica que o eixo entre o Paraguai, o norte argentino e o sul do Brasil está entre os mais favoráveis do mundo para a ocorrência desse tipo de fenômeno – perdendo apenas para a região central dos Estados Unidos. Um motivo a mais para os gaúchos se engajarem na luta contra as mudanças climáticas.
(Por Marcelo Gonzatto, Zero Hora, 06/12/2009)