Aumento da pressão garimpeira na Terra Indígena Yanomami (TIY) abre nova era de violência. Carta da Hutukara Associação Yanomami enviada à FUNAI e Polícia Federal denuncia recente disparos de garimpeiros contra a comunidade Hoyamoú, na região do Hakoma, Alto Rio Mucajaí
Com o preço recorde do ouro no mercado internacional e após três anos sem ação governamental para reprimir de maneira eficiente atividades ilegais na TI Yanomami, os garimpeiros começam a ameaçar diretamente as comunidades indígenas, aproximando-se de suas casas e pilhando suas roças.
Essa situação vem se agravando desde o início deste ano e relembra de maneira inquietante os antecedentes da corrida do ouro dos anos 1980 em Roraima, que matou 15% da população yanomami e culminou com o triste e célebre massacre de Haximu em 1993.
Em 26 de novembro último, a Hutukara foi informada por radiofonia que um grupo de guerreiros yanomami da comunidade Hoyamoú da região do Hakoma (coordenadas: N 2o 44’ 23,60’’ e W 63o 23’ 41,25’’) decidiram localizar um novo garimpo próximo à sua maloca após intensa movimentação de aeronaves nas imediações e a constatação de roubos recorrentes de comida em suas roças.
A cinco horas de caminhada da comunidade, às margens do Rio Mucajaí, o garimpo é abastecido por pelo menos dois vôos diários, por meio de uma pista de pouso coberta pelas copas das árvores, o que dificulta a localização por imagem de satélite ou sobrevôo. O grupo de guerreiros yanomami foi rechaçado das imediações do garimpo a tiros. A Hutukara encaminhou oficialmente a denúncia no dia 27 de novembro para a Funai e a Policia Federal pedindo novamente providências. (Leia aqui o documento).
Na semana anterior, em 18 de novembro, a Hutukara já havia encaminhado outro documento às mesmas autoridades denunciando a presença de garimpeiros próximos à comunidade do Maharaú, região do Papiú (coordenadas: N 2o 38’ 51,66’’ e W 63o 8’ 30,93’’). Segundo os Yanomami, as atividades garimpeiras estariam se desenvolvendo em áreas de roçado, às margens do Rio Couto Magalhães. (Leia aqui o documento da Hutukara sobre o garimpo do Papiú).
Neste ano , a Hutukara recebeu e encaminhou às autoridades competentes várias denúncias de reabertura de antigas pistas ilegais e intensa retomada de atividade garimpeira em vários locais na Terra Indígena Yanomami, com movimentação de aeronaves nunca vista desde os anos 1980. Segundo os Yanomami, as pistas em questão são:
Região de Hakoma (Alto Mucajaí):
Pistas Feijão Queimado (W 63,1538 N 2,91404), Bandeirante (W 63,4697 N 2,68847), Chimarrão (W 63,7393 N 2,49991) e Macapá.
Região da Maloca Papiú (Rio Couto de Magalhães):
Pistas Raimundinho (W 62,9626 N 2,60474) e Neto (W 63,07355 N 2,6296)
Região do Alto Catrimani:
Pistas do Hélio (W 62,8772 N 2,3178), Chico Veloso (W 63,2778 N 2,26099) e Raimundo Neném (W 63,3134 N 2,3556).
Ainda neste mês de novembro os Yanomami localizaram um avião monomotor em área próxima aos limites da TI, na região do Rio Ajarani (RR) que, segundo colonos locais , poderia ser uma das aeronaves que abastecem os garimpos em idas e voltas regulares a baixa altitude. A informação foi igualmente comunicada à Funai e à Polícia Federal pela Hutukara. Como nas denúncias anteriores a associação Yanomami não recebeu até hoje nenhuma informação sobre as ações eventualmente tomadas pelos órgãos governamentais.
Nos documentos sobre o aumento da atividade garimpeira ilegal dentro da TIY enviados à Funai e a Polícia Federal, a Hutukara insiste no fato de que a desintrusão da área indígena não deve se limitar a meras operações “agulhas no palheiro”, de busca de garimpeiros na Terra Indígena (que é do tamanho de Portugal) e seu transporte para a capital do Estado de Roraima. Tais operações, de alto custo para os cofres públicos, notadamente em diárias de funcionários, se revelaram de uma lastimável ineficiência.
Todas as autoridades relevantes (MPF, ANAC, PF, Funai, Ibama, FAB e Exército) foram alertadas repetidamente sobre a necessidade da realização de trabalho de inteligência a fim de paralisar efetivamente o abastecimento aéreo dos garimpos da TIY, por meio da identificação das aeronaves e das pistas de partida fora da TI e de estrangulamento de seus circuitos financeiros, com investigações sobre as compras de combustível e de material de garimpo bem como de repressão às redes de comercialização do ouro dentro e fora de Roraima.
Entretanto, para perplexidade de todos, os garimpos continuam prosperando, ano após ano, com midiáticas e dispendiosas operações “agulhas no palheiro”, totalmente inócuas. Um exemplo desta incompreensível situação pode ser ilustrado pela recente operação, pomposamente batizada de Escudo Dourado, realizada conjuntamente pelo Exército e pela Polícia Federal na TI Yanomami. Enquanto os índios apresentam seguidamente informações concretas da crescente invasão garimpeira em suas terras, a operação Escudo Dourado exibiu como principal resultado de sua suposta ação contra o garimpo a retirada de um jornalista da TV coreana, autorizado a ali estar pela Funai e os Yanomami, justamente para realizar uma reportagem sobre a reinvasão da TI pelos garimpeiros!
Finalmente, a operação Escudo Dourado não prendeu nenhum garimpeiro nem desativou definitivamente nenhum dos garimpos denunciados pelos Yanomami,conforme pode apurar a Hutukara por radiofonia.Tampouco parece haver indícios de qualquer investigação sobre o esquema que sustenta a atual reinvasão garimpeira. Considerando que o garimpo inúmeras vezes está associado ao tráfico de armas e de drogas, o combate efetivo desta atividade ilegal deveria ser uma prioridade, principalmente por se tratar de faixa de fronteira.
(ISA, 30/11/2009)