Ninguém confirma, mas é quase um segredo de polichinelo que o empresário Guilherme Leal foi convidado pela senadora Marina Silva para vice-presidente na chapa em que ela pretende concorrer à Presidência, em 2010, pelo PV. Não é por coincidência que Leal se filiou recentemente ao partido e tem sido visto ao lado de Marina em muitas das atividades pré-eleitorais. O paulista, de 59 anos, é um dos três co-presidentes da Natura e um dos 12 brasileiros na lista de bilionários da revista Forbes.
Eis a entrevista.
O Estado de S. Paulo - O senhor é candidato a vice-presidente na chapa da senadora Marina Silva?
Guilherme Leal - Não sou candidato a vice-presidente na chapa da senadora. Sou um forte apoiador e um entusiasta da candidatura de Marina Silva. A discussão sobre o futuro do País estava muito pobre, diante do momento de transição que o mundo vive. E o Brasil está no mundo. Precisa então, diante desse novo mundo, se pensar e olhar para a frente
O senhor ainda não é candidato ou o senhor não é candidato?
Leal - O processo dirá o papel que vou desempenhar. Eu assinei uma ficha do Partido Verde e, portanto, isto tem um significado político. Estou me disponibilizando para eventualmente vir a ser candidato. Para resumir: me coloco a serviço da candidatura de Marina.
O que o levou a se filiar ao Partido Verde e se colocar a serviço da candidatura de Marina Silva?
Leal - Reafirmo que minha intenção é contribuir para uma bela discussão de país. Avançamos muito nesses 20 anos para ficarmos parados e olhando para trás. Isso, infelizmente, é o que está acontecendo. Essa é a discussão que as lideranças atuais estão propondo. Fala-se em eleição plebiscitária e isso indica que muitos estão querendo discutir o passado porque o plebiscito olha para trás. Discutir quem fez melhor. Mas nós precisamos olhar para o futuro. Marina quer discutir o que será melhor daqui a 20 anos.
Olhando para trás, quem foi melhor?
Leal - Se não tivesse havido 1994 a 2002, não teria sido feito o que foi feito de 2003 a 2010. Aquilo foi uma pré-condição para ser feito o que veio depois. Mas, mesmo pensando assim, não acho que foi uma continuidade. Os que construíram as pré-condições não teriam feito o que foi feito a partir delas. Avançamos nos dois períodos. Estou reconhecendo como de fundamental importância o que foi feito. Mas será lastimável se ficarmos por aí, olhando para trás, discutindo o passado. Precisamos e merecemos muito mais.
Qual é a diferença, do ponto de vista da visão do futuro do Brasil, entre a senadora Marina Silva e o presidente Lula?
Leal - A diferença está em ver a questão ambiental como um empecilho ou uma oportunidade para o crescimento econômico. Marina vê como uma oportunidade. Lula vê como empecilho.
E que oportunidade a senadora Marina vislumbra?
Leal - As maiores economias do mundo estão investindo numa nova fronteira tecnológica, buscam desenvolver tecnologias que permitam reduzir e, enfim, eliminar a dependência do petróleo. Dizem que as transformações que isso propiciará serão maiores do que as ocorridos com o advento da Revolução Industrial. O Brasil ocupa, neste contexto, uma posição absolutamente privilegiada e dispõe de um patrimônio natural que os países desenvolvidos ou nunca tiveram ou já degradaram. Temos, então, condições excepcionais para transformar vantagens comparativas em vantagens competitivas.
Como se daria essa transformação?
Leal - Por exemplo, investindo numa matriz energética de boa qualidade, diversificada e não concentrada. Por definição, as matrizes energéticas do futuro serão diversificadas e isso significa dizer que nenhuma forma de energia de boa qualidade pode ser descartada, por menos que, no momento atual, possa contribuir. Energia eólica, solar, de biomassa e até nuclear, esta se bem resolvido o que fazer com os rejeitos, que hoje representam pouco nas matrizes energéticas, terão crescente peso e importância.
Haveria outras áreas a repensar?
Leal - Sim, as questões da malha logística terão de ser enfrentadas. Nossos sistemas de transporte estão muito longe do que se prevê para o século XXI, ou seja, sistemas que consomem menos energia. É preciso planejar tudo isso e o Estado brasileiro perdeu a capacidade de planejar.
Há carência de planejamento, de um lado, e de recursos para investimentos em todos esses campos, de outro. De onde viriam esses investimentos?
Leal - Virão de parcerias entre o Estado e o setor privado. Mas, para que isso aconteça, é necessário, antes, que exista planejamento. Os problemas de implementação começam com a falta de projetos de boa qualidade.
Na sua concepção, essas parcerias seriam mais num modelo de concessão ou mais num modelo de partilha, ou seja, sem ou com a presença direta do Estado?
Leal - É difícil falar de modo tão genérico. Eu não sou contra o modelo de partilha num caso como o do pré-sal. É uma tendência mundial quando estão bem definidos os ativos a serem explorados e o risco é muito baixo. Mas não sou a favor de um Estado fortemente empreendedor. Vejo o Estado menos como empresário e mais como indutor e regulador.
Na sua opinião, quem é mais sinceramente preocupado com as questões ambiental: a ministra Dilma Rousseff, o governador José Serra ou nenhum dos dois?
Leal - Difícil dizer. Aparentemente, os dois se tornaram, recentemente, mais preocupados com as questões ambientais.
O senhor diria que essa adesão não é sincera?
Leal - Fico feliz com fato de que, aparentemente, nos últimos tempos, ambos estejam se tornando mais preocupados com as questões ambientais.
O agronegócio é insistentemente acusado por ambientalistas de agredir o meio ambiente. Concorda com essas críticas?
Leal - Acho que não dá para generalizar. Toda generalização leva a grandes injustiças. O agronegócio é absolutamente relevante para a economia brasileira, mas há, sim, os predadores em seu meio, e, no geral, o que precisamos é melhorar as práticas do agronegócio. Precisamos de um agronegócio responsável. Aliás, se não for assim, o agronegócio brasileiro logo começará a ser penalizado pelo próprio mercado.
O agronegócio brasileiro ainda não entendeu esse ponto?
Leal - Ainda precisa evoluir em termos das práticas sociais e ambientais. Tem gente nessa tendência mais moderna, mas ainda tem gente com trabalho escravo. Temos de tudo e precisamos fazer avançar. Temos, sim, ameaças vindas do agronegócio, uma pressão para fazer regredir a legislação ambiental, o que é um perigo muito grande, para o próprio agronegócio.
E o MST?
Leal - Também tem evoluído. Uma parte do movimento já se conscientizou de que, se não incorporar a questão ambiental, estará totalmente isolado no mundo. Mas tem partes ainda estagnadas e cada vez mais isoladas, nos contextos político, social e econômico. Essa parte corre o risco de perder o bonde da história.
A reforma agrária já perdeu o bonde da história?
Leal - Essa é uma discussão ainda a ser aprofundada. É preciso trazer para a mesa a combinação do agronegócio com a agricultura familiar e jogar mais luz nessa questão. A geração de divisas vem do agronegócio, mas a geração de emprego ainda vem em grande parte da agricultura familiar. Precisamos de uma discussão menos apaixonada. Uma reforma agrária, no lado da agricultura familiar, pode ser útil em algumas áreas.
O Bolsa Família é um programa assistencialista?
Leal - Tenho convicção de que programas de transferência de renda, num país como o Brasil, são indispensáveis. São um instrumento necessário desde que aplicado de modo integrado com as políticas estruturantes que impeçam a sua perpetuação. Políticas de renda e educacionais mais contundentes teriam de ser adotadas para que se possa reduzir a dependência dos beneficiários. Em muitos casos, marginalmente, há mesmo uma dependência e uma acomodação.
O senhor deu uma volta ao mundo para dizer que, como está sendo aplicado, o Bolsa Família é assistencialista. O que deveria ser feito e que este programa não faz?
Leal - Sim, do jeito que está, considero assistencialista. Não tenho receitas prontas, mas tem de ser a cenoura e a saída.
Conferência sobre o clima de Copenhague. Como está o Brasil nessa história?
Leal - Demorou para o Brasil assumir uma posição de maior protagonismo, como se esperava e se exige do Brasil. A meta brasileira, afinal anunciada, está sendo questionada sobre seu real significado, os percentuais de redução das emissões estariam um pouco inflados, seriam para inglês ou dinamarquês ver. O que a Marina está tentando colocar é algo menos etéreo.
O que seria “algo menos etéreo”?
Leal - Menos etéreo seria fixar metas em cima de uma base mais palpável. A meta anunciada varia de 36% a 39%, em 2020. Mas qual é a base? Marina está propondo um compromisso em cima do inventário de 2005, como fez São Paulo na fixação da sua meta. Pode não ser o mais ousado, mas é concreto.
Como o senhor se posiciona diante das questões de foro íntimo da senadora Marina Silva, como é o caso da condenação do aborto?
Leal - Eu me coloco com muita tranqüilidade porque eu vejo Marina colocando as questões exatamente como questões de fora íntimo, separando completamente o posicionamento pessoal da definição de políticas públicas, não misturando as coisas.
Um governo de Marina Silva poderá então adotar políticas pró aborto, mesmo quando o presidente é contra?
Leal - Tudo o que o pude perceber de Marina até hoje é nessa direção. Ela pessoalmente é contra o aborto, mas não acha que o Executivo deveria ter uma posição, deveria haver uma consulta mais ampla e ela respeitaria a posição majoritária com muita serenidade. No caso do aborto, poderia até haver um plebiscito e, tenho certeza, o resultado, com Marina na presidência, seria respeitado. E assim seria em outras questões da mesma natureza.
O Partido Verde é um saco de gatos, reúne gente de direita, de esquerda, gente com comportamento ético e gente nem tanto. Como se sente no PV?
Leal - Eu me sinto num partido imperfeito como todos os demais e em processo de revisão e aperfeiçoamento. Para mim, é uma experiência nova essa de me filiar a um partido político. Marina lida com muita maturidade também com essa questão. Ela não se coloca como vestal. Não somos perfeitos, mas buscamos o aperfeiçoamento constante.
Até que ponto o discurso ambientalista não é um discurso cínico, apenas mercadológico?
Leal - Pode ainda existir muito uso mercadológico sim, mas o processo de mudança verdadeira é mais forte, até porque não tem outro jeito. Sustentabilidade faz parte do negócio, é uma nova fronteira tecnológica. Não é só bom-mocismo, é questão de inteligência. Se as empresas não mudarem e o Brasil também não mudar a agenda, tomar a pulso a questão sócio-ambiental, vão perder a sua oportunidade. Não é oportunismo político ou marketing barato. Se não for por ética ou coração, é por inteligência. Vai mudar, inexoravelmente.
Os ambientalistas, com a senadora Marina Silva na linha de frente, falam em mercado ético. O mercado pode ser ético?
Leal - Mercado é um instrumento precioso, inventado pelo engenho humano para atender às necessidades dos homens. Ele precisa da ética para balizá-lo. Para bem funcionar, o mercado precisa da confiança das pessoas, de instituições que limitem e balizem seu funcionamento. A sociedade, portanto, tem de limitar o mercado. A minha visão de mercado, que acredito ser perfeitamente aderente com a de Marina, é essa. Precisa de mercado? Sim. Algo substitui o mercado, uma economia centralizada, por exemplo? Não, o mercado é fundamental. Mas, o mercado não opera sozinho. Precisa de balizamentos, principalmente balizamentos éticos. O bem coletivo deve estar acima de qualquer outro.
O mercado distribui bem a riqueza produzida pela sociedade?
Leal - O mercado é muito eficiente, querer substituí-lo não faz sentido. Mas, sobretudo na distribuição, é imperfeito e precisa ser complementado com políticas que assegurem acesso à riqueza e distribuição de oportunidades.
O senhor, como vice-presidente, dará continuidade à luta do atual, José Alencar, contra os juros altos?
Leal - Muita coisa terá de acontecer antes de eu, supostamente, ter esse problema… Mas concordo que os juros podem baixar bem mais. Este é um dos principais custos de produzir no Brasil.
O mercado cambial é um mercado como outro qualquer e, conforme sua opinião, deve ser balizado ou o correto, por ser o regime de câmbio flutuante, é deixá-lo correr solto?
Leal - Algum tipo de proatividade tem de ter. Agora, se reunirmos dez economistas, teremos umas quinze opiniões diferentes de como deveria ser essa proatividade. De todo modo, eu acho que não dá para gastar todas as reservas na tentativa de levar a cotação do dólar a R$ 2, nem deixar a cotação descer a R$ 1,50 e ficar só olhando…
(Por José Paulo Kupfer, O Estado de S. Paulo / IHUnisinos, 01/12/2009)