Em uma iniciativa que se torna pouco comum no âmbito da Igreja Católica, os bispos da Patagônia, de ambos lados da fronteira argentino-chilena, emitiram um documento conjunto dirigido ao Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, em que denunciam a “grave crise” que se vive em todo o planeta com relação ao uso irresponsável dos recursos aquíferos, reivindica-se um “plano mundial da água”; solicita-se que “as bacias hidrográficas, as glaciais e as águas subterrâneas” sejam declaradas “bens comuns” da humanidade e, em consequencia, sejam gerados os mecanismos necessários para sua proteção.
O documento, que aparece de forma coincidente com a celebração do 25º aniversário do Tratado de Paz e Amizade entre Argentina e Chile que encerrou o conflito do Beagle, mediante a mediação vaticana e motivo pelo qual as presidentes dos dois países viajaram para Roma, está assinado por dois bispos chilenos e oito argentinos. Entre os últimos, encontra-se o titular da diocese de Comodoro Rivadavia, Virginio Bressanelli, quem, há poucas semanas, apresentou outra declaração denunciando os estragos que a mega-mineração ocasiona na província de Chubut.
A declaração se titula “Clamor da Patagônia” e foi produzida em forma de carta ao Secretário Geral das Nações Unidas, solicitando que o tema da água seja incluído na agenda da cúpula do máximo organismo internacional que se realizará em Copenhague de 7 a 18 de dezembro próximo. Ao mesmo tempo, os bispos católicos pedem que as considerações sobre a água tenham também “uma importância relevante nos tratados pós-Kyoto (2012)”.
Os dez bispos fazem o chamado “conscientes da enorme responsabilidade das decisões das autoridades políticas (...) em relação com a paz social, o desenvolvimento dos povos, o presente e o futuro da história, a mudança climática, a energia, o meio ambiente e, em especial, da água” e “agradecidos e satisfeitos por viver na Patagônia”, se bem que “sensivelmente preocupados com as ameaças” que sofre essa região pelos “projetos mineiros, hidroelétricos, aquícolas, florestais e até de resíduos nucleares, que feririam grave e irreversivelmente a natureza e a vida humana”. Em suas considerações, as autoridades eclesiásticas assinalam que a água doce é “um elemento vital e fonte de vida que não se pode substituir” e “um dom de Deus, como toda vida e fonte de vida (terra, ar, água, luz)”.
Na carta a Ban Ki-moon, os bispos afirmam que a água doce é um direito humano, patrimônio comum da humanidade, que, portanto, “não pode ser privatizada” e menos ainda mercantilizada, “porque é um elemento vital não só para a vida, mas também para as culturas, as religiões, a economia e a política”. Por tudo isso, acrescentam, “deve ser motivo de solidariedade, justiça e equidade entre os povos”.
Os assinantes denunciam que as reservas de água doce “sofrem uma grave crise em todo o planeta, limitando a produção de elementos, aumentando doenças e a atroz morte de milhares de crianças, provocando uma crescente pobreza por mal uso, contaminação, falta de água potável, mercantilização (frequentemente de monopólios), uso exagerado em setores consumistas”.
Advertem também que a água já é “fonte de importantes conflitos em muitos países e entre países em todo o planeta, pondo em sério risco a paz social” e é “motivo de responsabilidade humana, ética, moral e política dos líderes mundiais para a atual e para as futuras gerações”.
No momento das propostas, solicitam que “se viabilize em tempos relativamente breves um plano mundial da água” e que “se promova, em todos os países, a gestão da água com participação do setor público, do setor privado e das comunidades e organismos locais”, destacando que devem se considerar as bacias hidrográficas, os glaciais e as águas subterrâneas como “bens comuns”. Ao mesmo tempo, pede-se que “a ONU coopere em impulsionar e promover mais uma incisiva cultura da vida e da austeridade com os bens, sobretudo onde a cultura consumista é mais depredadora”.
Os bispos da zona mais austral do continente americano se comprometem eles mesmos a colaborar na tomada de consciência “para que a água não chegue a ser o símbolo e o meio de novas colonizações e escravidões do século XXI”.
Em sua carta, dizem que “estes clamores e propostas as confiamos em sua consideração para que cada qual assuma as responsabilidades que lhe correspondem, frente ao juízo da vida e da história”. Assinam os bispos chilenos Luis Infanti de la Mora (Aysén) e Bernardo Bastres Florence (Punta Arenas), e os argentinos Marcelo Melani (Neuquén), Néstor Navarro (Alto Valle), José Pozzi (emérito de Alto Valle), Esteban Laxague (Viedma), Fernando Maletti (Bariloche), José Slaby (Esquel), Virginio Bressanelli (Comodoro) e Juan Carlos Romanín (Río Gallegos).
(Por Washington Uranga, Página/12 / IHUnisinos, com tradução de Vanessa Alves, 01/12/2009)