Nesta quinta (26/11) eu e Diacísio, da CPT, participamos de uma reuniâo, onde o Instituto de Gestâo de Águas da Bahia (INGA) confirmou que a última análise de amostras de água coletadas no entorno da mineraçâo de urânio, em Caetité (BA), detectou radioatividade acima do normal, “em alguns” dos 15 pontos examinados. A informaçâo foi dada por dirigentes do INGA em reuniâo da Procuradoria Geral do Estado que tratou do cumprimento da liminar concedida em janeiro deste ano, pelo Juiz de Direito de Caetité, à Açâo Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual contra o Estado da Bahia, prefeituras de Caetité e Lagoa Real e Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
Mas o INGA nâo divulgou o resultado desse monitoramento, como está sendo esperado, com muita ansiedade, pela populaçâo da regiâo, especialmente as comunidades do entorno da unidade de extraçâo e beneficiamento de urânio, operada pela INB no distrito de Maniaçu, onde, em lugar de um informe, há mais de 15 dias, circula a notícia de contaminaçâo em sete pontos analisados, gerando insegurança e medo entre os potencialmente atingidos pela situaçâo.
Na reuniâo com representantes das Secretarias de Sáude, Meio Ambiente e Agricultura, convocada pela Procuradoria Geral do Estado, a dra. Fabiana Araújo chamou a atençâo para a necessidade de se cumprir as determinaçôes da Justiça. Segundo ela, a multa diária arbitrada pelo Dr. Eduardo Brito, é pesada (R$5.000,00), e enquanto nâo for resolvida a questâo da competência da Justiça Estadual arrolar o Estado da Bahia, como réu na açâo, a liminar deve ser cumprida para evitar o pagamento da multa, mas também para o Estado ir respondendo às demandas da comunidade naquilo que é da sua responsabilidade.
As populaçôes da regiâo, que cobram o cumprimento das determinaçôes da Justiça, desde julho passado, esperam que, após esta açâo da Procuradoria Geral, o Estado venha a traçar uma estratégia que garanta o cumprimento de fato da liminar e o atendimento das reivindicaçôes apresentadas na reuniâo por representantes da sociedade civil, em carta aberta ao Governo do Estado e Prefeituras de Caetité e Lagoa Real. Abaixo reproduzimos o documento.
Zoraide Vilasboas
Ao Governo da Bahia (Sesab, IMA,INGA), IBAMA e Prefeituras de Caetité e Lagoa Real
Considerando que a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que opera a unidade de extraçâo e beneficiamento de urânio em Caetité, a 750 km de Salvador, é acusada de irregularidades trabalhistas e crimes ambientais que afetam a saúde pública, mais diretamente seus trabalhadores e os moradores do entorno da mineraçâo, no distrito de Maniaçu;
Considerando a evidência de falhas e contradiçôes na inspeçâo que o IBAMA e o Instituto Gestor de Águas da Bahia (INGA) fizeram, em 18 deste mês, no complexo mínero-industrial denominado URA/Caetité, as populações da regiâo, representadas pelas entidades abaixo-firmadas, vem perante os órgãos federais, estaduais e municipais de fiscalização e repressão aos crimes ambientais expor:
1. O relatório da vistoria do IBAMA peca pela superficialidade da investigação ao decretar o desabamento na cava da mina, ocorrido no dia 14 p.p., como de “pequena proporçâo”. Sabemos que parecer de 2004, dos fiscais da Coordenação de Instalações Nucleares da Comissâo Nacional de Energia Nuclear (CNEN) indicaram o risco desses desabamentos, apontando 25 irregularidades, três delas impeditivas da continuidade da mineraçâo, se nâo fossem adotadas imediatas providências:
1. correção do ângulo do talude (corte dentro da mina para a retirada do minério) para evitar desabamentois;
2. estudos da movimentaçâo do solo (hidrogeólogico) para avaliar a contaminaçâo do lençol freático;
3. ampliação da capacidade das bacias de contençâo da água radioativa gerada na mineraçao.
A CNEN desconsiderou o parecer dos fiscais, que acabaram pedindo demissâo dos cargos de confiança. Além disto, baseado em avaliação de um consultor que esteve na área no dia 13 deste mês, o Ministério da Indústria e Comércio informou que ao longo daquela semana ocorreram “movimentações de terra na cava da mina, seguidas de deslizamento, barulho e poeira”. Tendo estado na área, um dia antes, o consultor nâo presenciou o desmonoramento, cujo barulho foi ouvido a km de distância, nem o tremor de terra sentido nas redondezas, o que faz supor que o evento pode ter sido mais grave do que o admitido pela INB e aceito pelo IBAMA e INGA;
2. Está provado que, apesar do altíssimo valor a que podem chegar, as multas sâo ineficazes no combate aos crimes ambientais. Fazem parte de um teatro no qual se pretende que as vítimas dos crimes façam apenas o papel de palhaços. Já os criminosos, contam com inúmeras manobras protelatórias na Justiça e com a falta de estrutura, alegada pelo IBAMA, para obrigar os infratores a pagar pelos seus crimes. Levantamento divulgado recentemente, mostra que menos de 1% do valor total das multas fixadas por órgãos ambientais no Brasil foi efetivamente pago, na última década. Desde 1998, a União recebeu apenas 10% das multas aplicadas. A própria INB já teve uma multa, também lavrada pelo IBAMA-BA, “perdoada”, há cerca de um ano, pelo IBAMA-BSB.
Portanto, para nós, a simples autuaçâo da INB, com multa “milionária” (R$ 1 milhâo), nâo responde às dúvidas e questionamentos sobre os impactos que a mineraçâo está causando na regiâo. Nâo compactuamos com a farsa desta puniçâo. Ela nâo substitui a vistoria independente que a sociedade está exigindo dos poderes públicos, desde o grande acidente do ano 2000, quando 5 milhôes de litros de licor de urânio vazaram para o meio ambiente e a CNEN e INB só admitiram o fato 3 anos depois;
3. As informaçôes do relatório, divulgadas em release do IBAMA, também levantam uma série de dúvidas sobre o vazamento de liquido radioativo, ocorrido no dia 28 de outubro e mantido em sigilo pela INB por quase um mês, como tem sido recorrente. Como em eventos anteriores, o IBAMA limitou-se a exigir que a empresa apresente a análise dos efeitos decorrentes do transbordamento, das medidas de controle e do monitoramento do ocorrido;
4. Chama a atençâo a omissâo sobre a construção ilegal das galerias da lavra subterrânea, iniciada em outubro do ano passado, sem a licença ambiental e, ao que tudo indica, já concluída, apesar da ilegalidade ter sido informada a tempo ao IBAMA.
Diante da gravidade destes fatos, requerem:
1. Em janeiro deste ano, o Juiz de Direito de Caetité, dr. Eduardo Brito determinou à INB, ao Estado da Bahia e aos municípios de Caetité e Lagoa Real que adotem providências urgentes para garantir o fornecimento de água potável às famílias que vivem no entorno da mina e investiguem a relação entre a exploração de urânio e a contaminação radioativa da água, requeremos de todos os entes acionados o imediato cumprimento das determinaçôes constantes na medida liminar do dr. Eduardo Brito, concedida à Açâo Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado da Bahia;
2. O EIA-Rima da INB indicava que o meio físico seria fortemente agredido pela mineraçâo e, entre outros impactos, previa a alteraçâo dos indicadores de saúde, com aumento da incidência de câncer, exigimos urgente ação articulada entre os órgãos federais, estaduais e municipais das áreas de saúde, meio ambiente, trabalho para agilizar as providências necessárias à instalação, no âmbito do SUS, de um serviço de prevenção na identificação de doenças do trabalho e para estruturar um sistema de vigilância epidemiológica, toxicológica e radiológica para identificação de enfermidades decorrentes de radiações ionizantes;
3. O índice de morbi-mortalidade por câncer é crescente na regiâo de Caetité, onde nâo existe um ma-mógrafo. O Ministério da Saúde anunciou o investimento de R$85 milhôes, este ano, para a realizaçâo de mamografias, possibilitando a prevençâo de câncer de mama em mulheres acima de 40 anos, requeremos que seja atendido o abaixo-assinado que a populaçâo da regiâo protocolou na Sesab (nº.03000.90508346) e Ministério da Saúde (nº. 2500.645677/2009/49) requerendo a implantaçâo de um mamógrafo na estrutura do SUS, em Caetité e Lagoa Real;
4. O Art. 214, da Constituição baiana obriga os Poderes Executivos Estadual e Municipal, através de seus órgãos da administração direta e indireta, a: … “II – garantir o amplo acesso da comunidade às informações sobre as fontes e causas da poluição e degradação ambiental e informar sistematicamente à população a qualidade do meio ambiente, os níveis de poluição, a presença de substâncias potencialmente danosas à saúde nos alimentos, água, ar e solo e as situações de riscos de acidente”, requeremos que o IMA e o INGA façam a avaliaçâo da água, do ar, do solo e dos alimentos no distrito de Maniaçu, onde se localiza a URA/Caetité, com imediata divulgaçâo do resultado do monitoramento à populaçâo;
5. O Art. 214, da Constituição baiana obriga os Poderes Executivos Estadual e Municipal, através de seus órgãos da administração direta e indireta, a: … “IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”…
requeremos que o IMA exija à INB, a realizaçâo de estudo de impacto ambiental e que seja feita a avaliaçâo de todos os aspectos referentes ao funcionamento da mineradora nesses 9 anos de atividade;
6. O IBAMA não atendeu a recomendação da Audiência Pública de 2005, quando os poderes públicos e organizações da sociedade de Caetité e Lagoa Real exigiram que a renovação da Licença de Operação, só fosse decidida após uma inspeção por uma equipe multidiscipinar, multi-institucional e independente para avaliar as atividades daquela indústria;
exigimos que, antes de conceder a licença de duplicação da produção e conversão da mina a céu aberto para subterrânea, o IBAMA apresente o EIA-RIMA em Audiência Pública, em Caetité, e acate as deliberaçôes do MPF, que, em Açâo Civil Pública, requereu a interrupçâo das atividades na INB, até que seja garantida a segurança da populaçâo e do meio ambiente, que suspenda a atual licença ambiental e nâo conceda outra enquanto nâo forem atendidos todos os pedidos dessa Açâo.
7. Já é do conhecimento da populaçâo de Caetité, que a última análise de amostras de água no entorno da mina, encomendada pelo INGA, identificou altas concentraçoes de urânio em diversos pontos pesquisados; requeremos a imediata divulgaçâo do laudo técnico deste estudo e que o poder público adote as providências que se fizerem necessárias para garantir a segurança de abastecimento e alimentar das comunidades que eventualmente estejam consumindo a água contaminada.
Exigimos, por fim, a imediata suspensão das atividades da URA/Caetité, já que descumpre as condicionantes e opera na ilegalidade, lembrando que o Ministério Público Federal, em Ação Civil Pública, proposta em julho deste ano, requereu essa interrupçâo até que seja garantida a segurança dos trabalhadores, da população e do meio ambiente.
Salvador, 25 de novembro de 2009
Comissâo Paroquial de Meio Ambiente de Caetité
Cáritas Brasileira / Regional Nordeste 3
Comissâo Pastoral da Terra
Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Pindaí
Sindicato de Trabalhadores Rurais de Pindaí
Associação Ação Ilhéus
Associação Comunitária dos Moradores do Municipio de Lagoa Real e Adjacencias
(Por Zoraide Vilasboas*, Movimento Paulo Jackson / EcoDebate, 27/11/2009)