Um “bombardeio” deliberado? É muito suspeito o caso de intoxicação coletiva que atingiu mais de 200 índios Ava-Guarani, habitantes da região oriental do Alto Guarani, no Paraguai. O caso remonta a uma semana atrás e se refere a cinco comunidades da população de Santo Tomás Ytakyry. Os intoxicados sofrem de cefaleia, vômitos, náuseas e diarreia depois de ter inalado um coquetel de agroquímicos. A questão é que não se trata de um acidente: parece justamente que as terras e vilarejos guaranis foram deliberadamente “fumigados”, um capítulo terrível da disputa com uma empresa agroindustrial que está de olho em suas terras para ali cultivar soja (transgênica).
O fato foi reconhecido pela ministra da Saúde do país, Esperanza Martinez. O ministério do Meio Ambiente e o de Assuntos Indígenas confirmaram, em comunicados separados, que mais de 2.500 hectares foram fumigados (mesmo que não sejam atualmente cultivados) para tentar desalojar as populações indígenas da região, que exigem essas terras por direito ancestral. Indicam ainda que os tratores da fazendo destruíram um cemitério tradicional, um centro de culto (Jeroky Aky) e uma escola de Ensino Médio, com o objetivo evidente de desfazer a presença indígena na região.
Cinco pessoas foram hospitalizadas, em condições graves. “Preferimos morrer aqui nas nossas terras do que pedir esmolas nas ruas da cidade”, declarava um jovem guarani ao repórter do jornal El Ciudadano (www.elciudadano.cl). Um dirigente da associação dos agricultores do Alto Paraná denunciou a “máfia da soja que usa venenos para afugentar as pessoas com a cumplicidade das autoridades”. E afirmou que, para fumigar a população indígena e destruir seus cultivos, foi usado um avião do latifundiário Titté Alfonso. As autoridades ambientais, por ordem do próprio presidente Lugo, abriram um processo imputando dois brasileiros do delito “de ecocídio e uso de substâncias tóxicas não autorizadas”.
A disputa por essas terras dura muito tempo. Os fazendeiros brasileiros e as companhias da soja adquiriram, no início dos anos 80, com enganos e subornos aos políticos da região, as terras indígenas para cultivar soja transgênica. Há seis meses, os Ava-Guarani ocuparam essas terras, que consideram como ancestrais, defendidos nisso por um título agrário de 1995. Instalaram acampamentos e começaram a cultivar vegetais, mandioca e milho para consumo próprio. Os fazendeiros brasileiros, que não conseguiam fazer com que fosse aplicada a ordem de despejo ditada por um tribunal local – melhor, foram “agredidos” com flechas e lanças pelos agricultores guaranis – decidiram bombardeá-los com agrotóxicos.
No começo desta semana, uma comissão parlamentar encarregada de investigar o ecocídio foi mandada embora porque, segundo os representantes guaranis, “são cúmplices das autoridades judiciais locais e só fazem política. O que queremos é que nos deixem viver em paz e que parem de nos caçar como animais”.
Por outro lado, no outro extremo do Paraguai, nas florestas tropicais de uma das comunidades indígenas amazônicas dentre as mais isoladas, os todobiegosode, começou o desmatamento por parte da empresa brasileira de rações bovinas Yaguarete Pora Sa. A denúncia é da ONG Survival, com base em fotos de satélite, que informa que árvores estão sendo cortadas ilegalmente para dar espaço aos pastos bovinos – apesar de que, há alguns meses, o ministério do Meio Ambiente revogou a essa empresa a permissão de extração de lenha.
(Por Fulvio Gioanetto, Il Manifesto / IHUnisinos / EcoDebate, com tradução de Moisés Sbardelotto, 28/11/2009)