Nos vagões do circo Ringling Bros. vive um grupo de elefantes asiáticos e outro de tigres de bengala. O espetáculo americano, que se apresenta pela primeira vez na Espanha, instalou-se esta semana em Madri.
Tom Rider, um antigo empregado do circo, encarregado de cuidar dos elefantes no fim dos anos noventa, esperava a companhia circense. O tratador veio denunciar o “abuso sistemático” que sofrem os animais, que presenciou enquanto trabalhava no Ringling Bros. “Todo dia batiam nos animais com umas varas com ganchos”, explicou Rider. “Quando perguntei o motivo, disseram que isso era disciplina”.
O ex-empregado se uniu a associações americanas em defesa dos animais e levou aos tribunais os responsáveis do Ringling Bros., um dos circos mais antigos do mundo, acusados de maus-tratos aos elefantes e de não cumprir a lei ambiental de espécies protegidas dos Estados Unidos. O caso ainda não foi julgado. A associação espanhola em defesa dos animais AnimaNaturalis, apoiada pela associação americana PETA, entregou uma carta ao prefeito de Madri, para que fosse impedida a entrada do polêmico espetáculo na cidade. Mas o circo se instalou na última quinta-feira (26) no Espaço Telefonica Arena. “Não se pode impedir a apresentação de um espetáculo se não existe uma denúncia”.
Os responsáveis pelo circo asseguram que a companhia “é uma grande empresa”, onde “as normas e os controles são exaustivos”, e afirmam que “nunca cometeram uma infração”. Negam, portanto, a extensa lista de irregularidades que enumera a associação americana PETA, incluindo dezenas de casos de mortes e maus-tratos de animais, e outras tantas investigações do circo pelo Departamento de Agricultura americano.
O Ringling Bros. explica que suas técnicas de adestramento com os animais são “totalmente naturais”. Janice Arias, responsável por um centro para a conservação e criação de elefantes que o circo mantém na Flórida, nos Estados Unidos, explica que o adestramento é baseado no comportamento dos paquidermes quando são pequenos, para lhes ensinar os truques.
Diante do julgamento do circo nos Estados Unidos, a visita do Ringling Bros. a Madri reacendeu a polêmica sobre o uso de animais nesses espetáculos. “Manter animais selvagens em um espaço que imite o espaço que teriam em liberdade dentro de um circo é praticamente impossível”, opina Alberto Díez, porta-voz da ONG Infocircos, uma coalizão de associações ecologistas que se uniram para acabar com a utilização de animais em circos. A Associação de Artistas e Amigos das Artes Circenses, ainda que evite entrar no debate, se mostra a favor de manter a tradição, “desde que os animais sejam mantidos como se deve”.
O Ringling Bros. instalou quatro tendas em Madri, onde atuam animais selvagens. Uma de suas estrelas, que adorna os cartazes publicitários nas estações de metrô, é chamada de “O Urso Humano”. Diante dos holofotes, depois que uma voz convida o público a adentrar em um mundo “onde os sonhos se tornam realidade”, um urso pardo demonstra suas habilidades: dá piruetas, toca trompete, se senta em uma cadeira, planta bananeira e até corta mangas para o público. Fora dos holofotes, em uma pequena tenda instalada no descampado que rodeia o circo, em meio aos vagões, quatro elefantes africanos, amarrados pelas patas, esperam sua vez de se apresentar.
“Para os animais esse tipo de vida envolve um sofrimento mais mental que físico”, segundo Guillermo Bustelo. E fala com conhecimento de causa. É o diretor do centro de recuperação de primatas Rainfer, localizado em Madri. Um lugar que acolhe vinte chimpanzés, a maioria proveniente de circos.
Maxi e Ivan foram os últimos a chegar, há alguns meses. Podem ser considerados os últimos chimpanzés de um circo espanhol. “Já não existe nenhum grande primata nos circos da Espanha”, explica o porta-voz de Infocircos. “Não há nenhuma legislação, mas foi um movimento estratégico dos circos para limpar sua imagem”, diz. Maxi e Ivan passaram quase quarenta anos patinando com trajes de flamenco e saltando sobre fogo. Deixaram milhares de crianças maravilhadas durante seus anos de viagem pela Espanha e Europa. Em troca, passaram a vida reclusos em uma jaula de dois metros, de onde só saíam durante dez minutos ao dia, o tempo que durava a apresentação. Quando chegaram ao centro de recuperação, estavam com falta de pelos, falta de coloração na pele e com deformações ósseas por causa do raquitismo que adquiriram pela falta de mobilidade e má alimentação. Maxi, com 37 anos, tem o tamanho de um chimpanzé de quatro anos.
“Podem levar até um ano para se adaptarem a um grupo de sua espécie”, explica o tratador. “Nunca poderão se adaptar a viver em liberdade, mas pelo menos terão uma boa aposentadoria”, sorri Bustelo enquanto contempla os chimpanzés recuperados dos circos, que caminham pelas instalações do centro de recuperação.
Várias cidades espanholas proíbem a utilização de animais em circos, assim como alguns países como Canadá, Suécia e Dinamarca.
O Conselho Municipal de Madri rejeitou uma proposta feita pelo grupo Esquerda Unida sobre o assunto. “Os circos atentam contra os direitos dos animais e levam às crianças uma visão equivocada do mundo em que vivem”, disse Raquel López, porta-voz da Esquerda Unida.
“Por trás de tudo isso existem os ensaios onde se empregam métodos de persuasão agressivos”, opina Pedro Pozas, porta-voz do Projeto dos Grandes Primatas, que participou de vários resgates de animais maltratados. “Nos circos, as crianças veem comportamentos que não são normais nas espécies”. Como conseguem que o rei da selva salte pelo fogo que o aterroriza? O que fazem para os tigres, animais solitários, atuarem em grupo? Jennifer Berengueras, da Fundação para a Adoção, Apadrinhamento e Defesa dos Animais (FAADA), reitera: “Não existe um reforço positivo que consiga algo assim”.
(Por Raquel Soldera, ANDA, 01/12/2009)