A Câmara Municipal de Porto Alegre concluiu na noite de ontem a votação da revisão do Plano Diretor. Após dois anos de tramitação e quase duas semanas de análise em plenário, os vereadores da Capital aprovaram o projeto de lei do Executivo. Adiaram, porém, definições de temas importantes como a aplicação da Área Livre Vegetada e a demarcação das Áreas de Interesse Cultural. Duas comissões devem ser criadas para tratar desses tópicos. As alturas foram reduzidas, mas menos do que o esperado.
Adiada há seis anos consecutivos, a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre finalmente vai sair do papel. Às 22h da noite de ontem, os vereadores da Capital concluíram a votação das mais de 150 emendas destacadas em plenário e, logo em seguida, aprovaram o projeto de lei do Executivo.
Em tramitação na Câmara Municipal desde setembro de 2007, a proposta da prefeitura sofreu diversas alterações ao longo do debate - algumas pontuais e outras mais abrangentes, como a possibilidade de transferência direta de potencial construtivo (Solo Criado) para Áreas de Interesse Cultural - o que na prática pode significar aumento da altura máxima das edificações nesses locais.
Ainda assim, em uma avaliação preliminar, as linhas gerais do projeto do Executivo foram mantidas. Nos próximos anos, os moradores de Porto Alegre poderão observar prédios mais baixos no miolo dos bairros considerados saturados (casos de Menino Deus, Moinhos de Vento e Petrópolis) e aumento dos recuos entre as construções.
Em contrapartida, a administração municipal sugeriu - os parlamentares acataram e em alguns casos até ampliaram - a flexibilização de mecanismos como o Solo Criado e os Projetos Especiais de Impacto Urbano. Entretanto, os vereadores da Capital não se posicionaram definitivamente sobre dois pontos importantes: a aplicação da Área Livre Vegetada e a demarcação das Áreas de Interesse Cultural (AICs).
Como havia muita controvérsia, o texto do Executivo para esses dois tópicos foi referendado. Porém, a Câmara decidiu criar comissões para revê-los posteriormente.
No caso das AICs, um grupo será formado em 90 dias e terá prazo de seis meses para concluir o reestudo. Essa comissão irá analisar as emendas que tratavam do tema e foram rejeitadas em plenário, como a 373, do vereador Reginaldo Pujol (DEM), que reduzia a superfície de 36 AICs e a 06, da bancada do PT, que resgatava o estudo feito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis.
Enquanto isso, fica valendo a proposta da Secretaria do Planejamento Municipal, que estabelece 134 áreas com regime urbanístico mais restritivo visando à preservação e a conservação do patrimônio histórico e cultural.
Sobre a Área Livre Vegetada, os parlamentares resolveram assumir a responsabilidade de elaborar um novo projeto de lei em 60 dias. A intenção é encontrar um meio-termo entre a proposta da prefeitura, que recebeu criticas do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), e a emenda do vereador Reginaldo Pujol, que restringia o mecanismo apenas a terrenos acima de 1 mil m².
Ainda na noite de ontem, foi aprovada a emenda do vereador Airto Ferronato (PSB), que prevê uma faixa mínima de preservação de 60 metros nas margens do Guaíba. A regra passa a valer para a parte da orla entre a Usina do Gasômetro e o limite do bairro Lami, na divisa com o município de Viamão. Nesse espaço, devem ser construídos prioritariamente equipamentos públicos com acesso à população, como ciclovias, praças e quadras esportivas, além de uma avenida.
Ajustes são aprovados depois de muita polêmica e sete anos de discussão
O Plano Diretor de Porto Alegre, aprovado pela Câmara Municipal em dezembro de 1999, está completando uma década. A lei, considerada avançada na época, previa avaliações periódicas, a cada quatro anos, para eventuais correções de rumo.
Mas antes mesmo da primeira conferência sobre o tema, programada para 2003, a população começou a sentir os efeitos da mudança na legislação, pela acelerada substituição de casas por prédios altos em bairros residenciais consolidados da região central, como Moinhos de Vento, Petrópolis, Menino Deus, Rio Branco e Bela Vista.
Isso ocorreu, em parte, pelo incentivo a construções nessa área, chamada de Cidade Radiocêntrica, onde o objetivo era concentrar mais população para aproveitar uma suposta infraestrutura urbana ociosa.
Com limites de alturas mais elevados e recuos menores, houve uma mudança no perfil de construções, considerada por associações de moradores como uma descaracterização dos bairros. A crítica deu margem a uma mobilização iniciada no Moinhos de Vento, onde surgiu o pioneiro movimento Moinhos Vive.
Isso aconteceu no segundo semestre de 2002. No final do ano, diversos outros bairros tinham seus movimentos Vive, caso de Petrópolis, Bela Vista, Três Figueiras e Menino Deus.
O resultado da união dos esforços dessas lideranças comunitárias deu margem ao movimento Porto Alegre Vive, criado em 2003. À reboque da mobilização popular - diferenciada da conhecida no Orçamento Participativo por ter um perfil de classe média -, a prefeitura da Capital se viu obrigada a agilizar a Conferência de Avaliação do Plano Diretor, que aconteceu em 2003.
Temas abordados por grupos de trabalho formados por técnicos do município para esta revisão evidenciam os ajustes e complementações necessárias à lei: alturas, áreas especiais de interesse cultural, adequação ao Estatuto das Cidades - que prevê Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) para os chamados projetos especiais -, e plano viário.
A conferência sinalizou a necessidade de ajustes e determinou uma série de estudos pela Secretaria do Planejamento Municipal (SPM) para avaliar o impacto na paisagem urbana das novas construções e verificar se a densidade resultante da concentração da população significaria, de fato, economia em infraestrutura.
Os urbanistas da SPM diagnosticaram que havia impacto na paisagem pelas modificações propostas pelo Plano Diretor e que, em alguns casos, a lei iria trazer prejuízo à cidade, por densificar bairros da região central em que a infraestrutura, ao invés de ociosa, seria sobrecarregada, causando mais gastos ao poder público.
A prefeitura de Porto Alegre, ainda na gestão de João Verle (PT), encaminhou no final de 2004 à Câmara, em vários projetos de lei, parte da revisão discutida. Mas no início de 2005, o prefeito José Fogaça (PMDB), retirou os textos, para enviar a sua proposta.
A matéria ficou engavetada dois anos, até que o então secretário do Planejamento, José Fortunati (PDT), apresentou uma proposta em fevereiro de 2007. Ela seguia a sugestão dos técnicos e previa, além das áreas culturais, sete níveis de altura na região central, entre 9 metros e 52 metros.
A sugestão foi derrubada no mesmo ano, quando o setor da construção civil venceu as votações, em polêmicas audiências públicas. No final de 2007, a prefeitura encaminhou um novo projeto de lei. É a proposta que passou agora, depois de dois anos de debates agora na Câmara, com redução menos significativa de alturas, que passaram para 33 metros, 42 metros e 52 metros na área central.
Mais uma vez, a discussão tangenciou a maior parte das sete estratégias do Plano, já que não focou a integração com a Região Metropolitana, o plano viário, nem a promoção econômica. O sistema de Planejamento e a Qualificação Ambiental tiveram poucos avanços. Discussão mesmo, só das regras para construir.
Mobilização foi intensa no último dia
Como era esperado, o último dia de votação do projeto de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre foi o mais tenso. Na pauta, dois dos temas mais polêmicos: aplicação da Área Livre Vegetada e demarcação das Áreas de Interesse Cultural (AICs). A polarização do debate se projetou nas galerias. Líderes comunitários e ativistas de organizações ambientalistas acompanharam desde as primeiras horas da manhã. As bancadas do PT, P-Sol e o vereador Beto Moesch (PP) distribuíram flores e fitas verdes para chamar a atenção para as questões ambiantais.
À tarde, representantes do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-RS) também estiveram na Câmara Municipal. Eles conversaram com os vereadores e reforçaram o posicionamento contrário à proposta da prefeitura sobre a Área Livre Vegetada. "Essa restrição certamente vai desvalorizar os pequenos lotes e trazer problemas para as construtoras", afirmou o presidente da entidade, Paulo Vanzetto Garcia.
(Por Helen Lopes e Guilherme Kolling, JC-RS, 01/12/2009)