Almirante Maximiano, que concentrará pesquisa na Antártida, teve pane em equipamento e precisou voltar à Argentina. Embarcação tem internet café, academia de ginástica e hangares climatizados; laboratórios de pesquisa ainda não ficaram prontos
O Almirante Maximiano, novo navio do Programa Antártico Brasileiro, teve de retornar mais cedo de sua primeira viagem ao continente gelado. Com problemas no sistema de bordo que transforma água salgada em doce, o "Tio Max", conforme foi apelidado, teve de regressar a Ushuaia, na Argentina, onde também vai se reabastecer. Como o outro navio do programa, o Ary Rongel, também teve de voltar, pesquisadores estão trabalhando agora sem o apoio das embarcações.
Esta foi a primeira temporada do programa antártico em que a Marinha levou dois navios ao continente gelado. A compra do novo navio foi autorizada em 2008, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a Estação Antártica Comandante Ferraz, base brasileira na ilha Rei George, litoral da península Antártica. Após ser selecionado entre outros candidatos, o Maximiano, construído em 1974, foi adquirido por R$ 80 milhões.
Antes de ser reformado para servir ao Brasil, o navio de 93,4 metros, com capacidade para acomodar 106 pessoas, foi embarcação de apoio a plataformas de petróleo dos EUA em alto-mar. Depois operou como fábrica ambulante da indústria pesqueira da Noruega. Os porões da configuração atual -o custo do navio já inclui todas as obras de remodelação feitas pela Marinha do Brasil na Alemanha durante seis meses- eram onde funcionárias russas preparavam todo o pescado, que saía praticamente embalado para a terra.
"Enterprise"
Mesmo com o problema que abreviou sua viagem de estreia, o navio parece estar agradando aos integrantes do programa antártico. Pesquisadores acostumados com o veterano NApOc (Navio de Apoio Oceanográfico) Ary Rongel, que embarcaram no Max pela primeira vez na semana passada -já com paisagens antárticas na janela- gostaram do que viram. A chamada praça d'armas, onde ficam o refeitório e a sala de estar, é ampla. Para o lazer, há uma TV de plasma e vários filmes e discos à disposição.
Nas quatro refeições, café, almoço, jantar (18h) e ceia (21h), nada de sentar-se à mesa em frente ao relógio. O lugar, como manda a tradição naval, está reservado ao comandante. Do ponto de vista técnico, a grande novidade é o passadiço do navio. A sala de controle, entre os oficiais da marinha, já ganhou um apelido, "Enterprise", mesmo nome da nave do seriado "Jornada nas Estrelas". Além de controles modernos -que permitem ao navio ficar parado no mar sem necessidade de jogar a âncora-, a visão do alto é de 360 graus.
Nos fundos, sobre o convés, outra novidade: um hangar climatizado para dois helicópteros. A instalação tirou um pouco espaço dos laboratórios, o que foi objeto de reclamações de cientistas -já que, afinal, trata-se de um navio de pesquisa. Mas, segundo a Marinha, a possibilidade de abrigar duas aeronaves ajudará nas operações antárticas, transportando pessoas e equipamentos e chegando a locais de difícil acesso.
Ciência adiada
Quem visita o Max agora começa a perceber seus problemas após passar pelo internet café e pela suntuosa academia de ginástica que ele abriga. Nenhum laboratório ficou pronto para uso. Segundo a Marinha, o problema já estava previsto, pois o tempo para zarpar para a primeira viagem era curto.
Marinheiros afirmam que, se o navio demorasse demais neste ano, não seria possível navegar pela turbulenta passagem de Drake, entre América do Sul e Antártida, num "mar de almirante" -ou seja, em águas tranquilas. Mesmo com o Max tendo uma estabilidade razoável, a viagem teria muito balanço e possivelmente algum susto. Ainda assim, a navegação foi desconfortável perto das Malvinas. O navio quebrou antes disso, e ficou mais de uma semana parado em Montevidéu.
Para os cientistas, na prática é só no ano que vem que o navio polar oceanográfico (termo usado pela marinha para indicar que a embarcação fará efetivamente pesquisa na região polar, podendo inclusive navegar por campos de gelo fino) será definitivamente testado. Estarão então a bordo do Max guinchos, estação meteorológica e todo um conjunto de equipamentos essenciais para a pesquisa de ponta.
Uma estrutura de 12 toneladas será acoplada ao casco do navio e ficará submersa. Nela serão instalados, entre outros equipamentos, um ecobatímetro (aparelho que mede a profundidade do mar), um perfilador de correntes (que registra o fluxo de água em várias profundidades) e outros sensores.
Marinha diz que não vale a pena investir em navio quebra-gelo
Nem o Ary Rongel nem o Almirante Maximiano são capazes de operar no mar congelado. Os navios polares brasileiros, porém, podem operar em condições amenas de gelo, com banquisa fragmentada e com até 40 cm de espessura. A Marinha diz que, por causa da localização da estação brasileira, não vale a pena investir num quebra-gelo. Ainda assim
Ary não é um navio com "vocação" para oceanografia. Ele serve apenas de apoio às pesquisas em curso na Antártida.
Pane atrasa realização de pesquisas
Desde sexta-feira passada, com a ida do Max para a Argentina, o Brasil está sem navios na Antártida. O veterano Ary Rongel teve problemas de motor e precisou regressar a Punta Arenas, no Chile, onde ficará em reparo até o início da semana que vem. Muitos equipamentos ainda estão em seus porões, o que atrasará algumas pesquisas. Os cientistas, porém, consideram o atraso comum.
É preciso levar em conta que máquinas às vezes falham, claro. Mas, em se tratado de regiões distantes, as panes podem comprometer trabalhos de meses, algo que já ocorreu em outras temporadas. Amostras inteiras foram perdidas quando uma câmara frigorífica do navio se desligou. E o mecânico mais próximo fica em outro continente.
(Por Eduardo Geraque, Folha de S. Paulo, 29/11/2009)