Ainda não é possível conhecer as causas dos extremos climáticos que têm ocorrido no Brasil recentemente, como as fortes chuvas que provocaram estragos e causaram a morte de 135 pessoas e deixaram milhares de desabrigados em Santa Catarina em novembro de 2008. Ou, do lado oposto, a seca que, em maio deste ano, atingiu o Rio Grande do Sul e levou mais de 160 cidades a decretar estado de emergência por falta de água.
Esse foi um dos diagnósticos apresentados durante o seminário “Eventos extremos no Brasil: causas e impactos”, realizado nesta quinta-feira (26/11) na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). O evento foi iniciativa do Instituto de Estudos Avançados da USP, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, da Fundação Bunge e do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
No seminário, mediado pelo professor Jacques Marcovitch, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, os palestrantes discutiram a seca no Sul do país, as chuvas causadoras de deslizamentos e inundações em Santa Catarina e também as cheias e inundações nas regiões Norte e Nordeste.
Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do PFPMCG afirmou que, por enquanto, o que existe são questões sem respostas. “Mas é de extrema importância debatermos o assunto”, disse. “Ainda não temos respostas sobre as causas dos extremos climáticos que vêm ocorrendo no Brasil – e também no mundo. Não sabemos ainda se as fortes chuvas que atingiram Santa Catarina foram causadas por um extremo normal do clima característico da regional da América do Sul que sofre influência do oceano Atlântico ou se isso é um precursor da mudança climática”, apontou
O pesquisador apontou alguns aspectos e dados do relatório técnico elaborado pelo Inpe no fim do ano passado e início de 2009, logo após as chuvas que afetaram a região do Vale do Itajaí, principalmente os municípios de Blumenau, Ilhota, Gaspar e Itajaí, em Santa Catarina.
Segundo Nobre, o mais importante é tentar entender o que é mudança climática e, principalmente, entender como a mudança climática devido ao aquecimento global exacerba a variabilidade do clima. “Essa é a questão mais difícil”, disse. “As pesquisas voltadas para o estudo das mudanças climáticas indicam com clareza que a principal maneira pela qual essas alterações vão afetar o clima não é criando fenômenos novos, como o furacão Catarina, que não podemos dizer que seja ‘filhote’ do aquecimento global. Mas podemos imaginar que o aquecimento global pode e já vem causando fenômenos inusitados”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, a maneira como o aquecimento global vai afetar mais a vida da população é por meio da modificação das probabilidades de ocorrência dos fenômenos extremos conhecidos.
Itajaí reconstruído
O Vale do Itajaí, em Santa Catarina, foi destacado pelos especialistas presentes no seminário como particularmente propício a desastres naturais. “Sua forma côncava cria uma condição muito propícia para concentração de chuvas, uma espécie de grande coletor atmosférico de umidade”, disse Nobre sobre a região costeira cercada pela Serra do Mar.
“Naturalmente, sem nenhuma outra explicação já seria possível imaginar que se trata de uma região vulnerável onde poderiam acontecer fenômenos intensos. O Vale do Itajaí é um coletor natural de chuva que pode ser amplificado pelos mecanismos de fluxos atmosféricos”, disse, destacando que a vulnerabilidade da região foi exacerbada pelos usos da terra e desflorestamento descontrolado.
Mas, segundo Nobre, o caso do Vale do Itajaí precisa ser aprofundado. “É uma combinação de populações fugindo do risco da inundação do rio Itajaí e ocupando as encostas. E o desmatamento dessas encostas acaba criando outra vulnerabilidade, que é o risco de deslizamento”, destacou.
Os demais palestrantes abordaram extremos climáticos em outras regiões do país. Prakki Satyamurty, do Inpe, apresentou dados das cheias e inundações no Norte e Nordeste, enquanto Gilberto Diniz, da Universidade Federal de Pelotas (RS), abordou o fenômeno oposto, a seca na região Sul.
Reinaldo Haas, da Universidade Federal de Santa Catarina, também falou das inundações e escorregamentos em Santa Catarina. Segundo ele, as técnicas e tecnologias de estimativas e previsão de precipitação de chuvas têm falhado. “Na previsão e monitoramento, as técnicas de sensoriamento remoto, a partir de radar e satélite, tiveram resultados ruins. Indicavam chuvas, mas erram o local. Não funcionaram corretamente”, apontou.
Após o debate, os participantes foram apresentados ao livro e documentário do projeto “Conhecer para sustentar: um novo olhar sobre o Vale do Itajaí”, iniciativa da Fundação Bunge que tem por objetivo compreender as questões relacionadas às fortes chuvas que atingiram Santa Catarina em 2008. O projeto está dividido em três fases: ações urbanísticas sustentáveis para um novo bairro na cidade de Gaspar (SC), disseminação de conhecimento e reconstrução da Escola Municipal Angélica Costa com bases ecoeficientes.
O documentário reúne depoimentos de geólogos, biólogos, metereologistas, climatologistas e historiadores, autoridades governamentais e de moradores das áreas atingidas. O livro-reportagem relembra o contexto histórico e geográfico das chuvas, o relato do ocorrido e depoimentos das vítimas. Mais informações sobre o projeto “Conhecer para sustentar”: www.fundacaobunge.org.br.
(Por Alex Sander Alcântara, Agência Fapesp, 27/11/2009)